INSANIDADE

Família que pulou do prédio: Pesquisador de teorias conspiratórias analisa o caso

Seitas, religiosidade radical, crenças absurdas e extremismo alimentam paranoicos, que sempre existiram, mas ganharam força com a internet. Entenda o que pode ter motivado tragédia na Suíça

Bombeiros participam de perícia no prédio de Montreux do qual família se atirou.Créditos: Twitter/Reprodução
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A tragédia ocorrida na glamurosa cidade de Montreux, na Suíça, na qual uma família de cinco pessoas se atirou da varanda do 7° andar de um prédio, segue intrigando estudiosos da área da psiquiatria e da psicologia, uma vez que os integrantes do clã eram originários de famílias importantes e abastadas da França e muito escolarizados, nas melhores instituições do país vizinho, embora tivessem comportamento esquisitíssimo e vivessem num isolamento quase patológico.

Para tentar compreender o que pode ter movido a família, cujo único sobrevivente foi um adolescente de 15 anos que segue internado na UTI, em coma, com gravíssimas lesões cerebrais e neurológicas, a ter entrado num transe tão profundo a ponto de cometer uma insanidade coletiva, o jornal suíço 24Heures foi ouvir o acadêmico e pesquisador da área de psicologia social Pascal Wagner-Egger, que é professor da Universidade de Fribourg. Ele é especialista em estudos de teorias conspiratórias.

Para Wagner-Egger, uma mistura explosiva de “crenças” certamente envolveu o grupo familiar de uma maneira tão avassaladora que não foi possível algum dos membros “notar” o que estava se passando. Para o acadêmico, há claros indícios de que o clã estava ligado a “crenças fundamentalistas cristãs” e que, de acordo com seus estudos, muitas vezes mantêm relações com “crenças sobre existência de extraterrestres”, uma espécie de mistura que vem se tornando comum no que ele chama de “nova era”, os últimos anos nos quais a internet virou elemento central na difusão de informações, muitas vezes falsas e absurdas.

“Este é frequentemente o modo de existência de qualquer grupo ligado a uma crença ou seita extremista. O exterior é uma ameaça que impulsiona essa vida retirada, isolada. Para uma família com tendências conspiratórias, o mundo pode parecer falso e perigoso. Esse mundo, para eles, talvez estivesse os impedindo de chegar a uma verdade, que eles acreditavam serem os únicos a saber. Além disso, crenças extremistas geralmente encontram resistência por parte de familiares e amigos mais próximos, por isso o isolamento. Essas crenças fundamentalistas cristãs podem perfeitamente estar ligadas a uma crença na existência de extraterrestres. Elas são crenças que facilmente estão combinadas. Este é o mecanismo da “nova era”, explica o psicólogo social.

O pesquisador falou sobre como funciona o mecanismo das teorias de conspirações e traçou um paralelo do problema com percepções e ideologias de extrema direita, que têm se proliferado pelo mundo na última década.

“Há até hipóteses tão extremas quanto as de certos teóricos da conspiração, que podem chegar ao ponto de acusar os políticos de serem pedófilos satanistas e de fraudar eleições democráticas. Além disso, o sobrevivencialismo se baseia no exagero de uma verdade básica, o fato de que pandemias globais ou aquecimento global podem colocar em risco boa parte da humanidade. O perigo surge, na minha opinião, quando o sobrevivencialismo está associado a outras ideias, como as da extrema direita. Na pior das hipóteses, o sobrevivencialismo pode ser uma das causas do afastamento observado nesta família”, opinou Wagner-Egger, que diz ter certeza de que “a análise dos dispositivos eletrônicos desta família certamente será muito reveladora” sobre o que motivou o suicídio coletivo.

“Certamente há relação. As pessoas que atacaram o Capitólio obtiveram seu 'conhecimento' da web, de sites alternativos de “reinformação” (na verdade, desinformação). A análise dos dispositivos eletrônicos desta família será, obviamente, muito reveladora a esse respeito”, apostou o estudioso do tema.

Por falar em suicídio, o acadêmico é questionado sobre como se chega a um estágio tão extremo, ignorando a realidade.

“Suicídio ou atentado suicida é o estágio final da ‘radicalização’. A crença torna-se tão forte que tem precedência sobre a realidade. Inventamos um mundo e pensamos que esse mundo é mais verdadeiro que o mundo real, a ponto de renunciar à única certeza existencial que temos, a da nossa vida atual”, esclareceu.

O fato de Éric David, Nasrine e Narjisse Feraoun serem extremamente escolarizados e com acesso a cultura geral, de famílias tradicionais no mundo intelectual, segundo Wagner-Egger, é algo incomum, já que esse não é o perfil geral desses membros de seitas que creem em teorias conspiratórias, mas ele considera que isso não é uma regra e que é perfeitamente possível esses indivíduos se envolverem em cenários assim.

Por fim, a fato de uma aparente radicalização ter ocorrido justamente no início da pandemia, para o pesquisador, é um indício claro de que a família David-Feraoun estava ligada a seitas cristãs ultrarradicais, pois há elementos de sobra para conectar a dinâmica dos acontecimentos.

“A pandemia global, a primeira em tão grande escala em nosso tempo, ou o aquecimento global, como qualquer desastre que ocorra, podem fazer os crentes nessas teorias pensarem em prenúncios do apocalipse e, assim, desencadear uma forma de estresse irracional. Em tempos de ansiedade e incerteza, procuramos respostas, que podemos encontrar em qualquer sistema de crenças... Isso é chamado de ilusão de controle. Qualquer explicação, especialmente se já corresponde às nossas crenças anteriores, pode ser usada para lutar contra a incompreensão em que o mundo está balançando em um determinado momento”, finalizou o professor suíço.