CRISE GLOBAL

China, Taiwan e EUA: entenda os motivos que estão por trás do atual conflito

Em entrevista à Fórum, o editor e pesquisador Hugo Albuquerque explica as reais motivações da provação dos EUA contra a China

China, Taiwan e EUA: entenda os motivos que estão por trás do atual conflito.Créditos: Reprodução/ redes sociais / Youtube
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Em entrevista ao Fórum Onze e Meia desta terça-feira (2), o editor da Autonomia Literária e pesquisador Hugo Albuquerque explicou as motivações dos EUA ao confrontar a China e enviar a deputada e presidente da Câmara dos Representantes Nancy Pelosy a realizar uma visita a Taiwan. 

Essa é a primeira vez em 25 anos que uma delegação estadunidense realiza uma visita a Taiwan. O presidente da China, Xi Jinping, em telefonema ao presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou que eles estão "brincando com fogo" e prometeu reação militar diante de tal provocação. Essa é a maior crise entre os EUA e a China, as duas maiores economias do mundo.

 

Uma ilha, duas Chinas 

 

À Fórum, Hugo Albuquerque apresenta um contexto histórico da formação de Taiwan. “O primeiro ponto é: a gente precisa entender o que é Taiwan? Taiwan é a parte da China que foi tomada pelo Japão no século XIX e depois volta ao domínio da China ao final da Segunda Guerra Mundial com a derrota do Japão.  Só que, quem vai pra lá são os nacionalistas de extrema direita que foram derrotados na China na Revolução de 1949. Então existe duas Chinas no mundo: A República da China que é Taiwan, e a República Popular da China, sediada em Pequim e governada por Mao Zedong e isso persiste até hoje em dia”. 

“Mas a grande questão é o seguinte: o pessoal que estava na ilha era protegido pelos Estados Unidos e pretendia dominar o continente de novo e quem estava no continente lutava pelo reconhecimento. Porque a China, durante muito tempo, a China continental não tinha nem assento na ONU, quem tinha era Taiwan, porque a comunidade internacional não reconhecia a China comunista e ela também não tinha tanta ajuda do bloco socialista”, explica Albuquerque. 

Em seguida, Hugo Albuquerque explica que o cenário muda a partir da década de 1970. “Ela é reconhecida nos anos 1970, e aí é Taiwan que vira esse lugar que não é um país, não é uma província, na prática é parte da China e era governado com mão de ferro pelo Kuomintang, que era o partido nacionalista chinês, que é bem complicado. Nasceu à esquerda com uma cara nacional popular, mas se mostrou uma máquina ditatorial, fascista, aliada com a máfia, extremamente violenta com a população e que bancou a política de desenvolvimento industrial apoiada pelos Estados Unidos”. 

Posteriormente, o cenário político partidário passa por uma mudança em Taiwan. “Com o tempo, Taiwan ficou nessa situação que não é uma coisa nem outra, mas o Kuomintang perdeu um pouco da importância e surgiu um bipartidarismo como nos EUA. Tem um partido liberal, o Partido Democrático que defende não a reunião com a China em termos capitalistas, mas que Taiwan se torne independente, essa é a grande disputa”. 

 

Governo Trump e o início da crise com a China 

 

Com a chegada de Donald Trump ao poder, em 2016, o presidente republicano resolve subir o tom contra a China e impor uma série de sanções contra o país asiático que, posteriormente, vai acarretar a atual crise econômica dos EUA. 

“O Partido Democrático de Taiwan tem uma agenda liberal, de direitos de minorias e, às vezes, um incauto pode achar que se trata de um partido de esquerda. Ele é um partido de direita liberal e ele defende a separação de Taiwan e a independência. Hoje, esse partido Democrático é hegemônico na ilha e essa crise atual está sendo criada pelo que? Pelo aumento da confrontação entre EUA e China a partir do governo do Donald Trump, que o Joe Biden manteve, ao contrário das expectativas e ele está usando, junto do partido Democrata, para criar uma cortina de fumaça pela crise da economia americana deflagrada pela forma com bateu essa guerra entre Rússia e Ucrânia”, contextualiza Albuquerque. 

Além disso, explica Albuquerque, “os EUA achavam que iam destruir a economia da Rússia e na verdade está colocando a economia dos EUA em recessão. É uma cortina de fumaça na ilha, é basicamente isso. Mas tem uma consequência muito grave, porque é uma ameaça de secessão e tomada de território da China”. 

Para além do caráter geopolítico, a atual crise entre os EUA e a China tem relação com o fato de que o governo chinês parou de comprar títulos do Tesouro quando sofreu as sanções da gestão Trump e não ensejou os boicotes contra a Rússia. “Isso também é porque a China não participou do esforço internacional de isolar a Rússia, mas também porque a China parou de comprar títulos do Tesouro americano. A China sempre foi financiadora do déficit americano, mas quando o Trump começou a sancionar a China ela falou, 'opa, pera aí, eu não quero mais'”. 

“O Joe Biden quando ganhou a presidência, se reunião com a China e disse, ‘vocês voltam a financiar os rombos das contas públicas americanas que a gente vai pensar em retirar as sanções'. Isso gerou um impasse e a China falou 'não, tem de fazer junto' e, nessa brincadeira, a China parou de financiar a dívida americana”, relata Albuquerque. 

 

Taiwan e a cortina de fumaça 

 

“Com a volta da atividade econômica no pós-pandemia o que isso gerou? Inflação. Por que os EUA são obrigados a recorrer ao sistema financeiro do Ocidente para financiar o seu déficit público e isso faz o que? Gera demanda por aumento da taxa de juros nos EUA. A China comprava os títulos do Tesouro, mas ela não queria juros altos para ser remunerada, ela queria que aquilo gerasse uma condição de crédito para que o consumidor americano comprasse produtos chineses e isso funcionava muito bem tanto para os americanos quanto para os chineses, mas como os americanos perceberam que os chineses estavam crescendo muito, o Trump veio com essa política de sanções”, revela. 

No entanto, Joe Biden, “ao invés de reverter essa política do Trump, ele manteve e jogou duro com a China. Agora os EUA estão vivendo uma inflação muito alta não apenas por conta da crise da Rússia e da alta do petróleo, ele vive porque a China parou de comprar títulos do Tesouro americano como era antigamente”. 

Sem a China, os EUA tiveram de recorrer a novos compradores de seus títulos. “Sabe quem tem comprado? A banca Ocidental, a França e o Reino Unido e que não tem interesse em exportar em larga escala como os chineses para o mercado americano. Eles querem o que? Juros mais altos. É por essa razão que a inflação está alta nos EUA e porque o Biden vai ser obrigado a aumentar a taxa de juros ao longo dos próximos”. 

 

Ação política para desmoralizar Xi Jinping 

 

O editor da Autonomia Literária explica que a atitude do governo de Joe Biden visa “desmoralizar” o presidente da China.  “Uma provocação para tentar desmoralizar o Xi Jinping, gerar uma tensão interna dentro da China, enfraquecer a liderança do Xi, criar um distúrbio mundial e jogar uma cortina de fumaça para os americanos em relação aos problemas pelos quais os EUA passam e daí joga para uma nova rodada: ‘olha, a China é um país totalitário, aqui não, a gente é uma maravilha. Tem uma recessão aqui, mas isso não é problema, o problema do mundo é o caráter do regime chinês’”.  

Por fim, Hugo Albuquerque afirma que se trata de uma crise provocada pela gestão de Joe Biden. “Há um ponto muito importante: a China não pretende incorporar Taiwan nesse primeiro momento com base na forma como funciona a China continental. Existe o princípio reconhecido pelos próprio EUA de um país, dois sistemas. Então, a China não iria alterar o regime de Taiwan, porém, os EUA jogam ao contrário. Os EUA não têm moral de cobrar isso, porque Porto Rico, lá do lado dos EUA, tem os deveres do Estado americano e não tem direitos. Sendo que a China estaria disposta a entregar todos os direitos para Taiwan sem cobrar os deveres. É uma crise provocada, induzida, é uma parte desse fenômeno que a gente chama de imperialismo”.

Confira abaixo a íntegra da entrevista com Hugo Albuquerque: 

 


 

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