PALANQUE EM NY

Bolsonaro na ONU fez um "pot-pourri de temas que agradam sua base eleitoral", diz especialista

Para Rodrigo Gallo, coordenador da pós-graduação em Política e Relações Internacionais da FESPSP, Bolsonaro não se comportou como chefe de Estado e discurso eleitoreiro na ONU é "péssimo" para comunidade internacional

Jair Bolsonaro em discurso na Assembleia Geral da ONU.Créditos: Isac Nóbrega/PR
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O presidente Jair Bolsonaro (PL), após fazer campanha eleitoral em pleno velório da Rainha Elizabeth II na Inglaterra, abriu a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York (EUA), nesta terça-feira (20), com o mesmo expediente: fez discurso eleitoreiro e pouco se preocupou em tratar de questões pertinente às relações internacionais, principal objetivo do evento que reúne chefes de Estado do mundo todo. 

Bolsonaro usou sua fala (um texto lido em pouco mais de 20 minutos) para atacar o ex-presidente Lula (PT), seu principal adversário nas eleições deste ano e líder nas pesquisas, defender o seu governo e pintar um Brasil imaginário em que não existiria corrupção. 

"No meu governo, extirpamos a corrupção sistêmica que existia no país. Somente entre o período de 2003 a 2015, onde a esquerda presidiu o Brasil, o endividamento da Petrobras por má gestão, loteamento político e em desvios chegou à casa dos US$ 170 bilhões. O responsável por isso foi condenado em três instâncias por unanimidade. Delatores deveram US$ 1 bilhão e pagamos para a Bolsa americana outro bilhão por perdas de acionistas. Este é o Brasil do passado", declarou. 

Ainda ignorando a temática internacional, o presidente brasileiro repetiu aquilo que diz diariamente para seus apoiadores no "cercadinho" do Palácio da Alvorada: falou de "valores da família", "ideologia de gênero", contra o aborto e, indiretamente, defendeu a política armamentista que vem adotando desde o início de seu mandato ao tratar do "direito de legítima defesa". 

Em entrevista à Fórum, o professor Rodrigo Gallo, coordenador da pós-graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), avaliou que somente em um momento, e sem se aprofundar, Bolsonaro tocou em temas comuns à agenda da política externa brasileira: quando falou de cooperação para o desenvolvimento  e reforma do Conselho de Segurança da ONU. "Neste aspecto, existe provavelmente um trabalho da diplomacia brasileira para não esquecer algumas temáticas que são caras para o Itamaraty", analisa. 

Gallo considera, entretanto, que a maior parte do discurso de Bolsonaro foi mais "relacionado à nossa eleição do que à comunidade internacional em si". 

"O que vimos, basicamente, foi um pot-pourri de temas que agradam a base eleitoral bolsonarista, bem na semana em que as pesquisas estão mostrando que o presidente está distante do candidato que está em primeiro lugar, com possibilidade da eleição já ser encerrada no primeiro turno", atesta. 

"Péssimo em diversos aspectos" 

Rodrigo Gallo opina que Bolsonaro construiu seu discurso desta maneira para "manter a base eleitoral coesa" e "tentar capturar votos de eleitores indecisos". 

Fazer isso em um ambiente como a Assembleia Geral da ONU, no entanto, "é péssimo em diversos aspectos", segundo o professor. 

"Seja como for, a gente está falando de um discurso que deveria ser voltado para a comunidade internacional, o sistema ONU, e foi construído com base em expectativas eleitorais domésticas, o que é péssimo em diversos aspectos. Com esse discurso, Bolsonaro leva para a ONU algumas divisões partidárias, problemas de disputas internas que a comunidade internacional não entende, pois não vive nosso contexto. Isso gera a possibilidade de más interpretações lá fora sobre o que está acontecendo no Brasil", assegura o especialista. 

De acordo com Gallo, essa tentativa do mandatário de manter coesão em sua base eleitoral gera efeito contrário para a comunidade internacional: o de que não existe coesão no Brasil e de que "o projeto nacional em si está perdido em função dos projetos de grupos de poder" que estão lutando no país. 

"Neste momento específico ele deveria se portar como um chefe de Estado, e não como um presidente candidato à reeleição", julga o professor da FESPSP. 

O especialista, no entanto, afirma não estar surpreso, já quem em outras edições da Assembleia Geral o presidente brasileiro adotou o mesmo tom. Gallo aposta que o objetivo de Bolsonaro foi criar material para trechos recortados "inundarem as redes sociais bolsonaristas" e até mesmo "para fazer com que eventualmente os vídeos viralizem e ajudem na campanha". "A proposta foi muito mais nesse sentido do que apresentar os dilemas do Brasil no sistema internacional atualmente", aponta.