TECNOLOGIA E RACISMO

Inteligência Artificial erra e homem negro vai preso injustamente nos EUA

Randal Reid, de 29 anos, ficou uma semana preso por crime cometido em cidade onde nunca esteve; Advogados atribuem injustiça a sistema de reconhecimento facial com IA

Randal Reid.Inteligência Artificial erra e homem negro vai preso injustamente nos EUACréditos: Reprodução/Facebook
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No final de novembro do ano passado, Randal Reid, um homem negro de 29 anos, tinha um dia normal em Atlanta, no estado da Geórgia, nos EUA, onde vive. Acabava de passar o famoso feriado do Dia de Ação de Graças e ele dirigia para visitar sua mãe. No meio do caminho, foi parado pela polícia e, após identificar-se, o agente lhe deu ordem para sair do veículo e o algemou com o auxílio de outros dois policiais.

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Confuso, Reid não fazia a menor ideia do por quê estava sendo preso. Perguntou aos policiais, que lhe disseram haver dois mandados de prisão contra ele referentes a roubos cometidos em Louisiana, outro estado.

A resposta o deixou ainda mais confuso e o homem se viu inserido numa história digna do famoso escritor tcheco, Franz Kafka. Ele jamais havia estado na Louisiana. “Estou preso por algo que não tenho a menor ideia”, declarou na ocasião.

Desesperada, sua família correu atrás de advogados e gastou uma nota para descobrir a razão pela qual estava preso. Profissionais de Atlanta contratados pela família não conseguiram tirá-lo da prisão nos primeiros dias e aconselharam os familiares e buscarem alguém em Louisiana. Nesse momento, após alguma pesquisa, chegaram a Thomas Calogero, um advogado criminalista local.

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Enquanto nesse meio tempo as autoridades da Louisiana omitiam a razão pela qual Reid havia sido preso, Calogero logo descobriu o suposto crime. O homem era acusado de roubar duas bolsas Chanel e uma Louis Vuitton da loja Second Act, em Nova Orleans. Somadas, as bolsas valeriam cerca de 13 mil dólares.

Com a informação em mãos, Calogero dirigiu-se à loja onde conversou com o proprietário, que o mostrou as imagens das câmeras de segurança. Notando fortes diferenças corporais – o ladrão de fato seria mais gordo que Reid, apesar de ter o rosto parecido -, o advogado desvendou o caso. Dias depois, recebeu um telefonema da polícia informando que pôde constatar o mesmo após fazer uma análise comparativa entre as imagens dos roubos e as fotos de Reid. Um verruga teria sido o elemento crucial para determinar que as autoridades prenderam o cara errado.

Mesmo que no final das contas tenha sido evidenciado o erro da investigação e os mandados de prisão revogados , Reid passou 6 dias preso e, além do terror de encontrar-se em semelhante situação, ainda perdeu uma semana inteira de trabalho por conta do episódio. A prisão ocorreu na própria cidade de Atlanta. Reid ficou detido, sem poder ser solto mediante fiança, enquanto aguardava a chegada de autoridades da Louisiana.

Inteligência Artificial

O advogado então foi pesquisar a razão do erro e começou a desconfiar do uso de sistemas de reconhecimento facial com inteligência artificial na identificação de Reid quando ouviu de um oficial o termo “combinação positiva”. Nesse momento, Calogero expôs a história para o site Nola, de Nova Orleans.

Dias depois, uma apuração do New York Times trouxe ao público uma fonte ligada à investigação que confirmou o uso da tecnologia. No entanto, não há qualquer menção nos documentos oficiais ao software que utiliza Inteligência Artificial para realizar processos de reconhecimento facial.

A polícia local tem um contrato com a Clearview, uma empresa de reconhecimento facial que recebe 25 mil dólares por ano para prestar seus serviços desde 2019. A empresa criou um enorme banco de imagens, incluindo fotos públicas na internet e postagens de redes sociais, para compor o mecanismo de busca que agora tem sido pelas autoridades.

Para o advogado a situação é absurda e lança fortes críticas ao uso indiscriminado da tecnologia em casos criminais. Para Calogero, um reconhecimento facial mal feito ao invés de entregar um policiamento e uma justiça mais ágeis, tende a repetir os mesmos ‘erros’ dos seres humanos e produzir situações de injustiça como a relatada.

Ouvido pelo New York Times, Rashad Robinson, o presidente da Color of Change, uma organização que luta por igualdade e justiça racial nos EUA, concorda com Calogero e vai além em sua análise. “Se o reconhecimento facial classificasse erroneamente pessoas brancas, homens brancos ou mulheres brancas, não estaria em exposição. Alguns de nós e algumas de nossas comunidades são dispensáveis”, avaliou. Para ele, a tecnologia repete práticas do que chama de “policiamento racista”.

Já Jennifer Granick, advogada da American Civil Liberties Union, teme que novas tecnologias sejam empregadas no controle e policiamento da população sem que haja um amplo sobre seu uso. “Em uma sociedade democrática devemos saber quais ferramentas estão sendo usadas para nos policiar”.

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