PROTAGONISMO

Lula presidente do G20 é "palanque global" que dá "pontos" ao Brasil no cenário multipolar, diz especialista

Mandatário brasileiro assumiu a presidência do bloco que reúne as 20 maiores economias do mundo; para Rodrigo Gallo, professor da FESPSP, fato deve tornar o Brasil "líder das questões do Sul Global"

Lula ao chegar em Nova Delhi, na Índia, para a cúpula do G20.Créditos: Ricardo Stuckert
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Se entre 2019 e 2022 o Brasil, diante do "apagão" diplomático imposto pelo governo de Jair Bolsonaro, virou motivo de chacota no cenário internacional, em 2023, com eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a situação mudou da água para o vinho.

Em seus pouco mais de 8 meses de mandato, o chefe do Executivo brasileiro fez inúmeras viagens internacionais, da Argentina aos Estados Unidos, da Europa à China, e em todas as nações fechou acordos comerciais.

A tônica dos périplos de Lula pelo mundo, entretanto, tem sido a construção de uma agenda pelo desenvolvimento sustentável e, principalmente, pela reforma dos mecanismos de governança global com o objetivo de edificar um planeta multipolar - isto é, um mundo em que o poder decisório e econômico seja descentralizado e que os países tidos como periféricos - o chamado Sul Global - também tenham lugar de protagonismo e não sejam meros subservientes das atuais grandes potências. 

Neste momento, Lula tem uma oportunidade única de fazer avançar esse tipo de construção geopolítica. No último domingo (10), o mandatário assumiu a presidência do G20, grupo composto pelas 19 maiores economias do mundo, União Europeia e, agora, a União Africana. Trata-se de uma situação inédita. Juntos, todos esses países representam 80% do Produto Interno Bruto (PIB) global.

Lula e chefes de Estado na abertura da Cúpula do G20 em Nova Delhi (Foto: Ricardo Stuckert)

A cerimônia que oficializou a nova presidência do G20 foi realizada durante o encerramento da 18ª Cúpula de Chefes de Governo e Estado em Nova Delhi, na Índia. Em seu discurso, Lula anunciou que o lema do bloco sob sua gestão será "Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável" e definiu três prioridades: 

  •  inclusão social e o combate à fome
     
  • transição energética e o desenvolvimento sustentável em três vertentes (social, econômica e ambiental) 
     
  • reforma das instituições de governança global

"Nossa atuação conjunta nos permitiu enfrentar os momentos mais críticos, mas foi insuficiente para corrigir os equívocos estruturais do neoliberalismo. A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. Novas urgências surgiram. Os desafios se acumularam e se agravaram. Vivemos num mundo em que a riqueza está mais concentrada. Em que milhões de seres humanos ainda passam fome. Em que o desenvolvimento sustentável está sempre ameaçado. Em que as instituições de governança ainda refletem a realidade de meados do século passado. Só vamos conseguir enfrentar todos esses problemas se tratarmos da questão da desigualdade", disse Lula em seu discurso na cúpula do G20 em Nova Delhi. 

Em entrevista à Fórum, o professor Rodrigo Fernando Gallo, coordenador da pós-graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), avaliou que o combate à fome, listado por Lula como uma de suas prioridades como presidente do G20, é uma temática "sensível não apenas à atual gestão do presidente brasileiro, mas também a pontos relacionados aos seus dois mandatos anteriores, que à época contribuíram para alçar o Brasil a outro patamar no sistema internacional". 

"O próprio Kofi Annan [ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas], na época, elogiou o programa Fome Zero, que foi transformado em política pública para exportação e teve iniciativas espalhadas por diversos outros países via transferência internacional", relembra Gallo. 

Nova governança global: por um mundo multipolar

Sobre sua terceira prioridade como presidente do G20, a da reforma das instituições de governança global, Lula, no discurso feito ao receber o martelo que representa a liderança do bloco, reforçou sua defesa de uma nova ordem mundial em que países emergentes tenham mais poder decisório com relação às pautas em discussão no cenário internacional. Isso inclui, por exemplo, reformas nas estruturas do Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio (OMC) e Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). 

Lula ao receber o martelo que representa a presidência do G20 (Foto: Ricardo Stuckert)

"Queremos maior participação dos países emergentes nas decisões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. A insustentável dívida externa dos países mais pobres precisa ser equacionada. A OMC tem que ser revitalizada e seu sistema de solução de controvérsias precisa voltar a funcionar. Para recuperar sua força política, o Conselho de Segurança da ONU precisa contar com a presença de novos países em desenvolvimento entre seus membros permanentes e não permanentes", sentenciou o presidente brasileiro. 

Em abril, quando esteve na China com o presidente Xi Jinping, Lula já havia batido na mesma tecla. E repetiu o discurso depois, em julho, durante cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e União Europeia (UE), na Bélgica

"Nós temos tentado equilibrar a geopolítica mundial, discutindo os temas mais importantes. Queremos elevar o patamar da parceria estratégica entre os nossos países e, junto com a China, equilibrar a geopolítica mundial (...) Temos temos interesse em construir uma nova geopolítica para que a gente possa mudar a governança mundial dando mais representatividade às Nações Unidas”, disse em Pequim. 

"É inadiável reformar a governança global. Esse será um dos principais temas da presidência brasileira do G20, no próximo ano. As legítimas preocupações dos países em desenvolvimento devem ser atendidas, e precisamos estar adequadamente representados nas instâncias decisórias", reforçou o presidente em Bruxelas. 

Lula e o presidente da China, Xi Jinping, durante passagem do mandatário brasileiro por Pequim, em abril (Foto: Ricardo Stuckert)

Para o professor Rodrigo Gallo, especialista em política internacional, o fato de Lula assumir a presidência do G20 colocando o mundo multipolar como prioridade deve fazer o Brasil assumir uma posição de liderança nas discussões sobre o assunto

"É possível vermos o G20 sob Lula servindo como plataforma política para seu mandato e também para a imagem do Brasil como uma espécie de líder para essas questões do Sul Global", analisa. 

"Por ora, cabe reforçar que a presidência do G20 é um importante palanque global, que pode conceder uma série de 'pontos' para o Brasil no cenário multipolar. Por outro lado, a aplicação prática vai depender de negociações bastante complexas, inclusive no que diz respeito à uma eventual modificação da arquitetura de poder do sistema internacional, com a reforma de instituições de governança", pondera Gallo. 

Segundo o especialista, é preciso se atentar ao fato de que a reforma das instituições de governança não depende apenas de um país ou de um chefe de Estado. "É um tema mais amplo, que implica em verificar quais itens da pauta realmente podem ser mudados, e como as mudanças aconteceriam. É mais fácil discutir essas reformas do que efetivamente fazer as mudanças. Em tese, é sabido como a atual arquitetura financeira impacta sobretudo os países mais pobres do hemisfério sul", declara. 

"Também é sabido como a atual configuração do Conselho de Segurança impacta para a aprovação de missões de paz. Mas essas estruturas estão consolidadas há décadas e levaram a uma confortável acomodação de forças para as chamadas grandes potências. É difícil, mas não impossível, reunir força política para promover mudanças reais. O que acredito é que o G20 tem a oportunidade de, pelo menos, colocar essas discussões na ordem do dia, para que sejam feitas reflexões mais amplas a respeito. É o primeiro passo", arremata o professor. 

O que é o G20 

Criado em 1999, o G20 é o grupo é formado por África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e União Europeia. Para esta cúpula, também foram convidados Bangladesh, Egito, Emirados Árabes, Espanha, Ilhas Maurício, Nigéria, Omã, Países Baixos e Singapura. O grupo responde conjuntamente por cerca de 80% do PIB mundial e 75% do comércio internacional, além de dois terços da população e 60% do território do planeta.

O Brasil assume oficialmente a presidência do G20 a partir de 1º de dezembro de 2023 e liderará o bloco até 30 de novembro de 2024. Ao longo deste período, Lula deverá organizar mais de 100 reuniões oficiais, que incluem cerca de 20 reuniões ministeriais, 50 reuniões de alto nível e eventos paralelos. O principal evento será a 19ª Cúpula de chefes de Estado e governo do G20, nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro.

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