MUDANÇAS CLIMÁTICAS

‘Calor extremo’: ameaça climática não poupará nenhum continente habitado, diz pesquisa

Cientistas calcularam cenários de aquecimento futuro em diferentes regiões do planeta; entenda

Vários países poderão ter mais dias do chamado 'calor incompensável'.Créditos: Pixabay
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Uma nova pesquisa liderada pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, concluiu que o calor extremo se tornará uma realidade global. A pesquisa, publicada na revista Science Advances, usou dados novos para simular quais regiões do planeta terão maior susceptibilidade a poderão apresentar condições meteorológicas incompatíveis com a sobrevivência humana no ambiente.

O estudo usou um modelo de simulação futura que leva em conta não apenas a temperatura, mas também a umidade e outros fatores, definindo como "calor incompensável" aqueles países que já passam por pelo menos um dia por ano em calor extremo, considerando o índice que considera a medida de termômetros do "bulbo úmido", medida já utilizada pelos cientistas, que coloca o instrumento num tecido embebido em água para medir o efeito resfriador do suor do corpo humano. 

O objetivo do climatólogo Carter Powis, junto da equipe de Oxford, foi expandir o trabalho do cientista Daniel Vecellio, da Universidade da Pensilvânia. A temperatura de bulbo úmido, medida que leva em conta a temperatura e a umidade do ar, é considerada inadequada para a sobrevivência humana quando atinge 35 °C e ganha duração de 6 horas, uma vez que pode causar insolação, desidratação, convulsões e até levar à fatalidade em alguns casos. 

Vale lembrar que ventos e outros fatores também influenciam a medida. Esta condição, conhecida como "calor extremo", ainda é rara para grande parte do planeta, mas pode vir a se tornar uma realidade em vários continentes. Vecellio, no entanto, mostrou que o calor já começa a ser letal em temperaturas abaixo de 35°C, dependendo da pressão do vapor d'água no ambiente. 

Em lugares de umidade moderada, como 55%, a temperatura de bulbo úmido chega a 35°C quando a temperatura real está em 43°C. Isso porque, sem o ar saturado de água, a evaporação do suor é mais eficaz em resfriar a pele. 

Realidade em alguns países

Em alguns lugares, como o Golfo Pérsico, o Mar Vermelho, o deserto da fronteira EUA/México e a planície dos rios Indo e Ganges, na Índia, há áreas habitadas que já apresentam mais de um dia por ano com calor incompensável. Essas populações já possuem cultura e infraestrutura relativamente preparadas para lidar com esses extremos, segundo Powis. Os cientistas observaram essa ocorrência em estações meteorológicas no período de 1970 a 2022. À exceção da Antártida, eles destacam que todas as áreas estão sujeitas à ocorrência de "calor letal".

No entanto, em grandes cidades dos EUA e na Europa, o calor extremo pode ser um desafio ainda maior. "Por enquanto, apenas populações já adaptadas a climas mais quentes foram expostas a extremos de calor incompensável", escreve ele. "Mas acreditamos que tanto a amplitude geográfica quanto a frequência do calor incompensável aumentem no futuro, expondo mais populações a um nível maior de risco térmico, necessitando de ainda mais estratégias robustas de adaptação".

"Por enquanto, apenas populações já adaptadas a climas mais quentes foram expostas a extremos de calor incompensável [...] mas acreditamos que tanto a amplitude geográfica quanto a frequência do calor incompensável aumentem no futuro, expondo mais populações a um nível maior de risco térmico, necessitando de ainda mais estratégias robustas de adaptação"

O estudo

Os pesquisadores calcularam diversos cenários de aquecimento futuro, desde um que considera a situação atual (1°C mais quente que o período pré-industrial) até um aquecimento extremo de 3,5°C no período até o ano de 2100. Apesar de abaixo do nível de 2°C, limite máximo indicado como parâmetro do Acordo de Paris para o clima, diversas outras áreas do planeta começam a registrar calor incompensável.

Temperatura global em 1ºC. Créditos: Powis et al.(Science Advances)
Temperatura global acima de 2ºC. Créditos: Powis et al.(Science Advances) 

Na América do Sul, boa parte da região da Amazônia e do Pantanal/Chaco consideradas na análise entram nessa zona de risco. Isso significa que, em dias de calor extremo, as temperaturas podem atingir níveis em que o corpo humano não consegue se resfriar adequadamente, mesmo suando.

Em áreas secas de outros continentes, porém, o calor extremo pode impactar humanos de forma diferente. Nesses locais, a falta de água pode dificultar a sobrevivência das pessoas, mesmo em temperaturas mais moderadas. Além disso, as secas podem agravar problemas respiratórios, como asma e bronquite.

De acordo com Powis, “existe um risco real de centenas de milhões de pessoas serem expostas a calor incompensável como parte de um evento extremo antes de estarem fisiologicamente e comportamentalmente adaptadas ao calor para evitar prováveis aumentos de mortalidade”.

O estudo também mostra que, no Brasil, algumas zonas habitadas já estão sob risco de calor extremo, como uma faixa pequena envolvendo Rio e São Paulo pode ser preocupante. No cenário com um aumento acima de 2°C global em 2100, essa faixa registraria um calor incompensável ao menos uma vez por ano, aumentando a frequência de 17% para 36%.

Estados Unidos e Europa são duas regiões particularmente vulneráveis ao calor extremo e com uma maior base de dados meteorológicos. Essas regiões já registram temperaturas elevadas e têm populações concentradas em grandes cidades, que são mais propensas a sofrer os impactos do calor.

No continente europeu, o estudo mostra que, hoje, 97% do território tem um verão a cada século com calor incompensável. No cenário de aumento de 3,5°C global em 2100, isso se tornaria comum a cada década. Isso significa que, em metade do país, dias com calor incompensável se tornariam mais frequentes.

Ele acredita que há formas de driblar esses efeitos. "há muitas formas disponíveis de adaptação além do ar condicionado, incluindo ajustes comportamentais. E há o uso de ventiladores elétricos, condicionamento aeróbico e aclimatação", ressalta. No entanto, ainda nas palavras de Powis, "a mudança climática traz a emergência de eventos extremos que devem ir muito além da gama de experiências das pessoas no mundo historicamente".

Com informações de O Globo

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