O MUNDO CAPOTA

Irã se volta para o Oriente e EUA tentam atrasar avanço da China

Teerã aprofunda parcerias com Rússia, China e Índia, sob o olhar nervoso de Washington

Um novo mundo.Os trens de carga chineses pretendem chegar a Basra, porto do Iraque.Créditos: China Railway
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O Irã fechou um novo acordo com a Agência Internacional Energia Atômica, admitindo o retorno de inspetores a suas instalações nucleares. 

O objetivo era evitar a volta das sanções econômicas do chamado E3 -- Reino Unido, França e Alemanha -- mas foi frustrado por um voto de 9 a 4 no Conselho de Segurança das Nações Unidas, com Rússia, China, Paquistão e Argélia votando a favor do Irã.

O Irã reagiu denunciando os três países europeus. O embaixador do país na ONU, Amir Saeid Iravani, disse:

Foram os Estados Unidos que rasgaram unilateralmente o acordo em 2018, reimpondo sanções em desafio aberto a este Conselho. Foram os E3 que não cumpriram suas obrigações, escondendo-se atrás de promessas vazias enquanto seguiam silenciosamente a liderança e as instruções de Washington.

O Irã ainda está lambendo as feridas da guerra dos doze dias em que foi atacado por Israel e pelos Estados Unidos. Donald Trump disse que as instalações nucleares mais importantes do país foram "obliteradas", mas dúvidas persistem.

Cautela

Teerã tem agido com cautela desde que fechou um cessar-fogo com Israel mediado pelos Estados Unidos.

O país perdeu suas bases na Síria e no Líbano, onde o governo de coalizão votou para desarmar o Hezbollah, um desejo de Israel também em negociação através de Washington, que ofereceu um pacote de ajuda militar ao exército libanês para cumprir a tarefa.

O Hezbollah, que tem uma ala política e outra militar, diz que não pretende se desarmar, o que pode levar a uma nova guerra civil no Líbano.

Os Estados Unidos pretendem incluir o Líbano e a Síria no pacote de países árabes que normalizaram relações diplomáticas com Israel. A Arábia Saudita é o primeiro país nesta fila.

Porém, depois que Israel atacou um delegação do Hamas no Catar, um grande aliado dos Estados Unidos, os sauditas fecharam um acordo de defesa mútua com o Paquistão, país armado com ogivas nucleares.

Olhando para o Oriente

O Irã segue sua política externa de reaproximação com os vizinhos mais próximos, o que ficou evidente no voto da ONU. O Paquistão, país com o qual Teerã tem grandes diferenças, ficou ao lado do Irã, com o qual rapidamente tem aprofundado relações econômicas e diplomáticas.

Apesar de o Paquistão ser governado por sunitas e o Irã por xiitas, os dois países enfrentam um problema em comum: a guerrilha separatista no Baluchistão, em território na fronteira entre ambos.

Em janeiro, o Irã já tinha fechado uma parceria estratégica com a Rússia de Vladimir Putin, um vizinho que já despertou grande desconfiança por ter partilhado o Irã com o Reino Unido no passado.

Os iranianos estão se voltando para o Oriente para evitar que a crise econômica causada pelas sanções se aprofunde.

O Irã ofereceu seu porto de Chabahar à Índia, permitindo à potência regional uma conexão mais rápida e em boa parte terrestre com o Afeganistão, a Ásia Central e a Rússia sem passar por território de seu grande rival, o Paquistão.

O porto iraniano cedido à Índia

No entanto, o governo Trump ameaça o projeto com as tarifas impostas a produtos que a Índia exporta para os Estados Unidos.

Outro desejo da Casa Branca é que a Índia deixe de importar petróleo mais barato da Rússia, porque neste momento tenta ocupar os mercados mundiais com sua própria produção.

A China já tem um projeto próprio que atravessa o Paquistão e termina no porto de Gwadar, uma rota alternativa para exportações e importações do leste chinês.

Os Estados Unidos trabalham, até agora sem sucesso, para descarrilar os projetos de integração regional favoráveis à China. 

A China, através da Nova Rota da Seda, quer desenvolver um grande mercado euroasiático para o qual faltam conexões terrestres.

Conexões ferroviárias no planeta: há um vácuo na ligação euroasiática

Com isso, Beijing escaparia da superioridade naval dos Estados Unidos, que tem a capacidade de rapidamente fechar rotas de navegação como o estreito de Malaca e o estreito de Ormuz, essenciais ao comércio chinês.

90% do petróleo exportado pelo Irã é consumido na China. Em maio deste ano, um dia histórico passou praticamente desapercebido no Ocidente: a inauguração da ferrovia entre um porto seco de Teerã e Ürümqi, a maior cidade da província de Xinjiang.

O trem carregado de sementes de girassol fez a viagem de 8.352 quilômetros em 15 dias, menos da metade do tempo da conexão marítima.

A ferrovia conecta a China ao Casaquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Turcomenistão, antes de ingressar em território iraniano. Eventualmente, a ferrovia vai levar ao porto iraquiano de Basra.

Com isso, os países isolados da Ásia Central terão acesso a um porto marítimo.

A ferrovia faz parte de um plano muito mais ambicioso da China, que os Estados Unidos tentam frear a qualquer custo. 

Em laranja, a ferrovia recém inaugurada, parte do ambicioso plano chinês de rotas marítimas e ferroviárias

Em algumas semanas, pretendem os chineses, uma mercadoria despachada em Xangai chegaria ao porto de Roterdã, na Holanda, por terra, ganhando semanas de tempo em relação a rotas marítimas.

É por isso que os BRICS são vistos pelo governo Trump como "ameaça existencial" à hegemonia estadunidense.

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