O novo filme da diretora Kathryn Bigelow, vencedora do Oscar em 2010 por Guerra ao Terror, gerou desconforto no Pentágono. Intitulado Casa de Dinamite (A House of Dynamite), o longa estrelado por Idris Elba e Rebecca Ferguson estreou na Netflix na última sexta-feira (24) e apresenta um cenário em que os Estados Unidos enfrentam um ataque nuclear iminente, explorando a reação do governo diante de uma crise sem precedentes.
A trama, repleta de referências a agências de defesa e protocolos militares, provocou reação do Departamento de Defesa dos EUA, que classificou o filme como “impreciso” em um memorando interno da Agência de Defesa de Mísseis (MDA) obtido pela Bloomberg News.
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“Os interceptadores fictícios do filme erram o alvo — e entendemos que isso faz parte do drama —, mas os resultados dos testes no mundo real contam uma história muito diferente”, afirma o documento.
A MDA também rebateu uma fala do personagem interpretado por Jared Harris, que atua como secretário de Defesa dos Estados Unidos — cargo que, na administração Trump, passou a ser chamado de secretário de Guerra, ocupado atualmente por Pete Hegseth.
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No filme, o personagem afirma que o sistema antimísseis do país teria apenas 50% de chance de acerto, apesar do custo de US$ 50 bilhões. A agência contestou a afirmação, alegando que os sistemas atuais “têm demonstrado uma taxa de precisão de 100% em testes por mais de uma década”.
Em nota, o Pentágono informou que não foi consultado durante a produção e afirmou que o filme “não reflete as visões nem as prioridades desta administração”. Bigelow, por sua vez, confirmou em entrevista à CBS que preferiu independência total:
“Achei que precisávamos ser mais independentes. Mas tivemos vários consultores técnicos que já trabalharam no Pentágono. Eles estavam comigo todos os dias de filmagem.”
Com seu realismo tenso e crítica direta ao sistema militar dos EUA, Casa de Dinamite reacende o debate sobre os limites entre ficção, política e propaganda — uma marca recorrente na obra de Bigelow.
O “Domo Dourado” de Trump
O incômodo do Pentágono também reflete o contexto político atual. O presidente Donald Trump promove com entusiasmo o projeto Domo Dourado (Golden Dome), um sistema de defesa antimísseis em múltiplas camadas — terrestre, marítima e espacial — inspirado na Cúpula de Ferro israelense.
O plano teve um esboço preliminar concluído no dia 17 de setembro e marca a transição do projeto da fase conceitual para o estágio técnico e estratégico.
O Domo Dourado contará com quatro camadas integradas de defesa, sendo uma baseada em satélites e três terrestres, com interceptadores distribuídos pelos EUA, Alasca e Havaí. A rede deverá rastrear e neutralizar mísseis inimigos desde o lançamento até a reentrada na atmosfera.
O Pentágono mantém sigilo sobre custos e especificações, mas analistas estimam um gasto total de US$ 175 bilhões, com US$ 25 bilhões já liberados para a fase inicial. O cronograma prevê uma implantação parcial até 2028, o que especialistas consideram extremamente ambicioso.
Críticos classificam o projeto como tecnicamente improvável e financeiramente insustentável, já que exige sensores e interceptadores de reação quase instantânea — tecnologias ainda em teste.
Para analistas políticos, o filme de Bigelow toca em um ponto sensível da administração Trump: a credibilidade e o custo da nova doutrina de defesa. Ao retratar um sistema antimísseis falhando diante de um ataque nuclear, Casa de Dinamite confronta o discurso de invulnerabilidade do presidente.
Trump apresenta o Domo Dourado como resposta a armas desenvolvidas por China e Rússia, incluindo mísseis hipersônicos e sistemas orbitais fracionados. Para ele, o projeto será “o maior escudo de proteção da história moderna”; para críticos, trata-se de propaganda tecnológica e ambição política típica do trumpismo.
O contexto político
O lançamento de Casa de Dinamite coincidiu com uma nova demonstração de força da Rússia. Moscou anunciou o teste bem-sucedido do míssil Burevestnik, capaz de voar por 16 horas e percorrer 15 mil quilômetros.
Trump reagiu dizendo que os EUA também realizam testes, mas desviou o foco para a guerra na Ucrânia:
“Uma guerra que deveria ter durado uma semana já está em seu quarto ano. É isso que [Putin] deveria estar fazendo em vez de testar mísseis.”
Especialistas classificaram o Burevestnik como uma “virada de jogo”, por sua capacidade de manobrar e escapar de sistemas de defesa aérea, como a Cúpula de Ferro israelense.
Nova corrida nuclear
O relatório SIPRI Yearbook 2025, divulgado em 16 de junho pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), alerta que o mundo entra em uma nova corrida armamentista nuclear, enquanto os tratados de controle estão enfraquecidos.
Segundo o levantamento, nove países — EUA, Rússia, China, Reino Unido, França, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel — modernizam seus arsenais, atualizando ogivas antigas e desenvolvendo novas.
O mundo tem hoje cerca de 12.241 ogivas nucleares, sendo 9.614 em estoques militares e 2.100 em alerta máximo, prontas para lançamento — quase todas sob controle de EUA e Rússia.
Hans Kristensen, especialista do SIPRI, resume a situação:
“A era da redução nuclear está chegando ao fim. Agora vemos arsenais maiores, discursos mais agressivos e o abandono de tratados de controle.”
Críticas ao filme
O The New York Times classificou Casa de Dinamite como “mais assustador que um filme de terror”, elogiando o realismo e a tensão quase documental da narrativa. O jornal descreve o longa como um grande retorno de Bigelow, “urgente, verossímil e aterrorizante justamente por ser plausível”.
Já o The New Yorker criticou o formato de “thriller de sala de comando”, apontando excesso de fragmentação e pouca carga emocional, enquanto a Rolling Stone destacou o mérito do tema, mas avaliou que o filme “carece do vigor e da inventividade” das obras anteriores da diretora.
Apesar das divergências, críticos concordam que Bigelow volta a discutir com força temas como guerra, poder e paranoia nuclear, consolidando Casa de Dinamite como uma das obras políticas mais provocadoras do ano.
O enredo
Na história, um míssil nuclear não identificado é lançado contra os Estados Unidos, e o governo tem apenas 20 minutos para reagir. A tensão aumenta à medida que autoridades tentam identificar o inimigo e decidir entre interceptar o ataque ou contra-atacar — um dilema entre segurança e destruição global.
O elenco de Casa de Dinamite reúne nomes de peso do cinema contemporâneo. Idris Elba interpreta o presidente dos Estados Unidos, líder que enfrenta uma das maiores crises da história do país. Rebecca Ferguson dá vida à capitã Olivia Walker, uma oficial sênior da Sala de Situação da Casa Branca responsável por coordenar a resposta imediata ao ataque.
Gabriel Basso assume o papel de Jake Baerington, vice-assessor de Segurança Nacional, enquanto Jared Harris interpreta Reid Baker, o secretário de Defesa — figura central nos dilemas éticos e estratégicos do governo. Anthony Ramos aparece como o major Daniel Gonzalez, comandante da base de defesa antimísseis no Alasca, e Greta Lee vive Ana Park, especialista em inteligência focada na Coreia do Norte.
Já Tracy Letts interpreta o general Anthony Brady, chefe do Comando Estratégico dos EUA (STRATCOM), um militar pragmático e obcecado por ação. Completam o elenco Moses Ingram, Jonah Hauer-King e Jason Clarke, que integram a equipe técnica e militar encarregada de conter a ameaça nuclear, reforçando a atmosfera de tensão e urgência que domina o filme.
O roteiro é de Noah Oppenheim (Jackie), com produção de Bigelow, Oppenheim e Greg Shapiro, vencedor do Oscar por Guerra ao Terror.
Após uma estreia elogiada no Festival de Veneza de 2025, o filme chegou aos cinemas brasileiros em 9 de outubro e agora está disponível na Netflix.
Com um tema atual e provocador, Casa de Dinamite une ficção e geopolítica para discutir o medo contemporâneo da guerra nuclear — e desafia, com ousadia, o discurso de poder e invulnerabilidade do governo Trump.
Assista ao trailer