Nesta sexta-feira (10) será anunciado quem vai ser agraciado ou agraciada com o Prêmio Nobel da Paz. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem reivindicado publicamente a honraria. Caso consiga, não seria a primeira figura controversa que, na prática, representa o contrário daquilo que deveria permear o espírito da laureação.
"O problema é que, se o comitê do Nobel concedesse o prêmio a Trump, estaria premiando um homem cujo governo armou a contínua agressão de Israel em Gaza. Isso levou a uma perda devastadora de vidas e, conforme confirmado pelo chefe humanitário da ONU, Tom Fletcher, a região está sofrendo com a fome", analisa o professor de Comunicação Política da Nottingham Trent University (NTU), Colin Alexander, em artigo no The Conversation.
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Mas ele recorda de outros vencedores que estão longe de serem pacifistas ou "amantes da paz". Em especial um deles, que venceu a premiação em 1973, o então secretário de Estado Henry Kissinger.
A premiação de Henry Kissinger
Alexander recorda que Kissinger foi fundamental na retirada das tropas americanas do Vietnã em 1973, mas "ele também passou grande parte de sua carreira política e acadêmica defendendo a proliferação de armas nucleares e o desenvolvimento de um menor alcance de "campo de batalha" — a tese de Kissinger de que armas nucleares poderiam ser usadas e não eram apenas para dissuasão".
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E não foi só isso. "Ele foi um dos principais tomadores de decisões na 'guerra secreta' dos EUA no Laos, que ocorreu paralelamente às suas operações no Vietnã, e na invasão militar do Camboja pelos EUA em 1970. De forma mais ampla, porém, a filosofia política de realpolitik de Kissinger — política baseada em objetivos práticos em vez de ideais — parecia ter tido pouca preocupação com a vida humana individual e via a política global como um jogo entre superpotências", avalia.
Le Duc Tho, que recebeu o prêmio junto com Kissinger, se tornou na ocasião a primeira e única pessoa a recusar voluntariamente o Nobel da Paz. O motivo foi o fato de que o cessar-fogo não era exatamente a interrupção da guerra, que depois foi retomada.
Dois membros da comissão, que haviam votado contra o prêmio, renunciaram. A maioria dos comentaristas na imprensa – na Noruega e no exterior – considerou o prêmio altamente questionável, e a maioria do comitê teve pouco apoio entre os políticos noruegueses.
Documentos e investigações posteriores mostraram o envolvimento de Kissinger em golpes de Estado na América Latina, como no Chile, em 1973, no qual apoiou Pinochet após a derrubada de Salvador Allende
Barack Obama
Uma outra premiação controversa foi concedida ao então presidente dos EUA, Barack Obama, em 2009, apenas nove meses após o começo do seu primeiro mandato.
“Este é o comitê do Nobel dando a Obama o prêmio ‘você não é George W. Bush’”, disse Brian Becker, coordenador nacional do Act Now To Stop War and End Racism, em uma reportagem da Reuters na época.
Em 2015, ao lançar seu livro de memórias, Geir Lundestad, que foi diretor do Instituto Nobel por 25 anos, escreveu que, embora o Comitê Norueguês do Nobel, composto por cinco pessoas, tenha concordado em conceder o prêmio a Obama, seu histórico no cargo desde que recebeu o prêmio mostrou que isso foi um erro.
Segundo Lundestad, o argumento que influenciou o comitê foi que o prêmio o ajudaria a atingir seus objetivos. "Em retrospectiva, poderíamos dizer que o argumento de dar uma mãozinha a Obama estava apenas parcialmente correto."
Seu governo manteve tropas no Iraque e no Afeganistão e o uso de drones foi ampliado e usado em países como Paquistão, Iêmen e Somália, resultando em centenas de mortes civis. Sua promessa de fechar o presídio de Guantánamo não foi cumprida, e a vigilância global foi intensificada ainda mais.
Armas químicas
Já em 2013, o Nobel da Paz foi concedido à Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla em inglês). Quando o anúncio foi feito, pareceu um reconhecimento adequado para uma organização que vinha tentando fazer o bem no mundo.
Era momento em que os líderes políticos ocidentais e a mídia condenavam veementemente o uso de armas químicas na guerra civil da Síria. Um ataque com gás no subúrbio de Ghouta, em Damasco, em agosto de 2013, foi amplamente condenado na cena internacional.
Contudo, em 2019, o jornalista britânico Peter Hitchens publicou vários artigos sobre como a OPCW havia suprimido as descobertas de sua própria equipe para apoiar sua conclusão de que o regime de Bashar al-Assad havia usado armas químicas em um ataque à cidade síria de Douma, observa Colin Alexander.
"Hitchens e outros que procuraram chamar a atenção do público para este assunto, nomeadamente um pequeno grupo de acadêmicos chamado Working Group on Syria, Propaganda and Media (Grupo de Trabalho sobre a Síria, Propaganda e Meios de Comunicação), foram alvo de uma campanha de difamação na qual foram chamados de 'negadores de crimes de guerra' e 'apologistas de Assad'", destaca o acadêmico.
O prêmio que não foi dado
Alexander lembra ainda que a decisão mais controversa do comitê do Nobel talvez não tenha sido a quem conceder o prêmio, mas a quem ele não foi concedido. "Da década de 1920 até seu assassinato em 1948, a filosofia de desobediência civil não violenta de Mohandas “Mahatma” Gandhi contra o domínio colonial britânico na Índia inspirou muitas pessoas em todo o mundo. Isso levou à sua prisão em várias ocasiões", ressalta.
"Como detalhei em meu próprio trabalho sobre o fim do domínio colonial na Índia, muitos administradores britânicos reconheceram em particular sua profunda admiração por Gandhi, apesar do quanto seus métodos ameaçavam seu poder. Gandhi é certamente a pessoa que mais merecia um prêmio da paz e não o recebeu", conclui.