SÓ PIORA

De inimigo a herdeiro: Nick Fuentes assume o vácuo deixado por Charlie Kirk

Após o assassinato do líder da juventude MAGA, o influenciador antissemita e admirador de Hitler ganha projeção na extrema direita dos EUA sob as bênçãos de Tucker Carlson — e ecoa entre jovens radicais no Brasil

De inimigo a herdeiro: Nick Fuentes assume o vácuo deixado por Charlie Kirk.Após o assassinato do líder da juventude MAGA, o influenciador antissemita e admirador de Hitler ganha projeção na extrema direita dos EUA sob as bênçãos de Tucker Carlson — e ecoa entre jovens radicais no BrasilCréditos: Fotomontagem Reprodução Instagram
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Após o assassinato de Charlie Kirk, em setembro, a extrema direita dos EUA mergulhou em uma disputa interna que acabou coroando seu antigo inimigo: Nick Fuentes, nacionalista branco de 26 anos e influenciador digital conhecido por defender ideias racistas, misóginas e antissemitas.

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Antes isolado dentro do campo conservador, Fuentes agora é tratado como herdeiro simbólico do legado de Kirk — o que deixa à mostra um novo grau de radicalização na política dos Estados Unidos.

De rival a herdeiro

Kirk, fundador da organização Turning Point USA, representava uma extrema direita pragmática, pró-mercado e próxima de Israel. Fuentes, ao contrário, lidera os chamados Groypers, jovens ultranacionalistas que desprezam o conservadorismo tradicional que veem como “fraco” diante do liberalismo cultural.

Em 2019, ele chegou a invadir eventos da Turning Point com seus seguidores para atacar o próprio Kirk e hostilizar Donald Trump Jr., que fugiu do palco sob vaias.

O cenário mudou após o assassinato de Kirk. Temendo ser acusado de envolvimento, Fuentes condenou o crime, mas rapidamente se reposicionou como voz “autêntica” da juventude conservadora. 

Em seus vídeos, passou a citar Kirk como “mártir do movimento” e se apresentar como quem daria continuidade à luta contra o que chama de “infiltração liberal” dentro da direita.

Sob as bênçãos de Tucker Carlson

A morte de Charlie Kirk e sua repercussão abriram espaço para uma nova fase da direita norte-americana — mais radical, sem filtros e com freios morais cada vez mais frágeis. O ponto de virada veio em 27 de outubro, com a entrevista de Nick Fuentes ao apresentador Tucker Carlson, uma das vozes mais influentes do conservadorismo nos Estados Unidos.

O episódio, de mais de duas horas, foi amplamente interpretado como a legitimação pública de um extremista até então marginalizado pelo próprio campo republicano.

Durante a conversa, Carlson e Fuentes atacaram figuras do Partido Republicano — entre elas Ted Cruz, George W. Bush e Mike Huckabee — por apoiarem Israel. Carlson chegou a chamá-los de “sionistas cristãos tomados por um vírus cerebral”, acrescentando: “Eu desgosto deles mais do que de qualquer outro”.

Fuentes foi além. Disse que “os judeus controlam a sociedade americana” e que a “judiaria organizada” exerce influência desproporcional sobre o poder político e a mídia.

Declarou-se “fã de Josef Stálin”, exaltando o líder soviético como exemplo de liderança forte, e voltou a elogiar Adolf Hitler, afirmando que o nazismo foi “mal interpretado” e que o Ocidente estaria “escravizado por uma oligarquia judaica”.

Após a gravação, o influenciador publicou um vídeo ampliando o tom: “Estamos fartos da oligarquia judaica, do servilismo a Israel, das guerras, da ajuda externa, da censura e da religião do Holocausto”, disse.

Carlson, por sua vez, não o confrontou diretamente, limitando-se a afirmar que “generalizações sobre os judeus ajudam os neoconservadores”. A postura passiva reforçou a percepção de alinhamento ideológico e conivência.

A nova direita sem freios

A entrevista teve repercussão imediata. O senador Ted Cruz classificou o episódio como “um teste de coragem moral” e acusou Carlson de ser cúmplice do antissemitismo, afirmando ter visto “mais ódio aos judeus na direita nos últimos seis meses do que em toda a sua vida”.

Já Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation — um dos principais centros de formulação ideológica da direita americana —, saiu em defesa de Carlson. Disse que “criticar Israel não é ser antissemita” e que “cancelar conservadores é um erro”.

A declaração dividiu a base republicana e provocou protestos de lideranças judaicas, como Matt Brooks, da Republican Jewish Coalition, que classificou a defesa de Roberts como “repugnante e perigosa”.

O caso escancarou o colapso das fronteiras entre conservadorismo e extremismo. Analistas apontam que a entrevista marcou a transformação de Nick Fuentes — antes uma figura marginal — em símbolo da nova direita americana, agora disposta a acolher discursos supremacistas em nome da unidade ideológica.

Essa dinâmica se expressa na máxima que hoje domina o movimento MAGA: “nenhum inimigo à direita” (no enemies to the right, ou NETTR). O lema traduz a recusa em impor limites éticos dentro do campo conservador, mesmo diante de declarações racistas e autoritárias.

Com a chancela de Carlson, Fuentes e seus seguidores da Groyper Army conquistaram novos espaços e audiência, consolidando uma direita sem freios, onde o extremismo deixou de ser tabu e passou a ser parte do discurso político aceitável.

Ecos no Brasil

A repercussão da morte de Charlie Kirk e a ascensão de Nick Fuentes não se limitaram aos Estados Unidos. No Brasil, a narrativa de “perseguição global à direita” ganhou força nas redes.

Um levantamento da Agência Lupa identificou mais de 7 mil postagens associando o assassinato de Kirk à ideia de uma “guerra contra conservadores”, em canais frequentados por jovens entre 18 e 30 anos.

Influenciadores da extrema direita brasileira passaram a citar discursos e divulgar vídeos legendados de Fuentes, principalmente em grupos de Telegram e perfis no X (antigo Twitter).

A retórica segue o modelo dos EUA: o assassinato de Kirk é apresentado como símbolo de resistência política, e a figura de Fuentes como ícone do “politicamente incorreto”.

Figuras da direita digital — muitas próximas do bolsonarismo — imitam o estilo provocador dos Groypers, com memes, linguagem agressiva e referências religiosas e nacionalistas, adaptando o discurso ao contexto brasileiro.

Ecos digitais da radicalização

A repercussão da morte de Charlie Kirk e a ascensão de Nick Fuentes não se limitaram aos Estados Unidos. No Brasil, a narrativa de “perseguição global à direita” ganhou força nas redes. 

A ligação entre a extrema direita bolsonarista e trumpista aparece com força nas redes sociais. Um estudo publicado em abril de 2025 por pesquisadores brasileiros e estrangeiros analisou mais de 12 milhões de postagens no X (antigo Twitter) e no Telegram, feitas entre 2022 e 2024, para entender como o discurso de ódio e a agressividade política se espalharam pela internet.

O levantamento mostra que o Brasil vive um “novo ciclo de normalização da violência verbal” na política. Insultos, mentiras e ataques pessoais, que antes eram exceções, viraram estratégias comuns para engajar seguidores e influenciar o debate público.

Segundo o estudo, políticos e influenciadores da extrema direita são os principais responsáveis por esse tipo de conteúdo, especialmente durante eleições e momentos de crise política.

Os pesquisadores também identificaram a formação de “microcomunidades de radicalização” — grupos menores e fechados que adaptam o discurso extremista com elementos religiosos, nacionalistas e teorias da conspiração.

Esses grupos criam um forte senso de pertencimento e seguem líderes carismáticos, de forma parecida com o que acontece nos Estados Unidos em torno de Nick Fuentes e seu movimento Groyper Army.

Embora o nome de Fuentes não apareça no estudo, os autores afirmam que ideias como o vitimismo político e o “politicamente incorreto” ganharam espaço no Brasil e se tornaram parte central da comunicação da nova direita, aproximando ainda mais o conservadorismo local de posturas autoritárias e radicais.

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