O ex-diretor do Fundo Monetário Internacional pelo Brasil Paulo Nogueira Jr. participou do Fórum Onze e Meia desta quarta-feira (12) e comentou sobre as novas políticas econômicas adotadas por Donald Trump ao assumir seu segundo mandato à presidência dos Estados Unidos. O economista defendeu que o único lado positivo da postura de Trump é "arejar o debate econômico internacional".
De acordo com Nogueira, ao promover uma barreira tarifária a diversos países com objetivo protecionista, o presidente dos EUA provoca mudanças e reorganiza as relações econômicas no mundo, que podem inclusive causar prejuízos ao próprio país americano. O economista afirma que para que a barreira tarifária seja percebida pelos investidores industriais como eficaz e provoque investimentos na indústria nos Estados Unidos, Trump precisa criar a percepção de que essas tarifas são duradouras, não um "surto protecionista temporário".
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"Então, o que o Trump deveria fazer, se ele quer realmente reindustrializar os Estados Unidos é, sim, elevar as tarifas, como ele está fazendo, mas deixar claro que está disposto a incorrer em certos custos de curto prazo. Quais são esses custos? Preços mais altos para os consumidores dos produtos tarifados, para as indústrias que usam insumos importados, alguma pressão inflacionária localizada", diz Nogueira.
Diante disso, o economista afirma que não acredita que Trump irá fazer um aumento "generalizado" das tarifas. "Ele tem consciência disso. Eu estou supondo que um cara que chegou à presidência dos Estados Unidos não é uma 'besta quadrada', entende? E que tem assessores razoáveis na área econômica. Então, a estratégia que ele seguiria, no meu entender, seria essa. Os Estados Unidos são muito fortes, têm um mercado interno imenso e se tiverem determinação, eu creio que o país pode ser bem-sucedido", pontua. O economista ainda acrescenta que para proteger o consumidor contra a alta do custo de bens importados, é preciso observar se a população está empregada e com condições para consumir os produtos importados do país.
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"Então, tem um lado muito positivo no Trump, - porque os lados negativos todo mundo está falando e eu concordo - mas tem um lado muito positivo que é ele arejar o debate econômico internacional, dar uma sacudida nas convicções 'liberaloides' que andam por aí", declara. Esse impacto deve chegar, inclusive, aos economistas brasileiros que repetem o "credo neoliberal", de acordo com Nogueira.
Ainda segundo o economista, a tendência é que o presidente enfraqueça os Estados Unidos ao adotar uma postura de ataque contra Rússia e China, e que esse enfraquecimento seria positivo para o Brasil. "Se o Trump conseguir enfraquecer os Estados Unidos, melhor para nós. Quem é que nos incomoda mais no mundo historicamente? Não é a China, não é a Rússia, não é a Argentina, são os americanos. Então, os americanos muito fortes nunca foram do interesse brasileiro e talvez o Trump enfraqueça os Estados Unidos", afirma Nogueira.
"Porque ele herda uma estratégia equivocada do Biden, que é abrir frentes simultâneas com Rússia e China, unindo esses dois gigantes. E isso não só não resolve essas frentes abertas durante o período do Biden ou antes, como abre novas", acrescenta.
"Hostiliza a Dinamarca, a União Europeia, intimida o Panamá, ameaçando retomar o canal, espalha tarifa para tudo quanto é canto, [para] amigo e inimigo. Então, ele está dando razão a uma famosa observação do Kissinger, que disse uma vez: 'É muito perigoso ser inimigo dos Estados Unidos'. Inimigo é perigoso, mas também é muito perigoso ser amigo dos Estados Unidos", diz Nogueira, fazendo referência à frase "ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser amigo é fatal", de Henry Kissinger.
Tarifaço de Trump e a resposta do Brasil
Questionado sobre qual a postura o Brasil deveria assumir para responder ao "tarifaço" promovido por Trump, Nogueira defendeu que o governo deve buscar um diálogo para evitar a confirmação desse aumento tarifário, mas caso essa medida seja realmente aplicada, o país deve retaliar os EUA "exatamente nos setores politicamente importantes para o governo americano".
"Se eu conheço bem o Itamaraty, ele vai tentar um diálogo com o governo americano para ver se consegue evitar ou pelo menos mitigar o efeito sobre o Brasil", diz Nogueira. O economista acrescenta, porém, que não se pode ter ilusões. "O Trump é uma figura política altamente problemática e o Lula não tem boas relações com ele como tinha com o Biden. Então, o que a gente pode conseguir com diálogo e com simpatia não é grande coisa", acrescenta.
Nogueira defende que a esperança é que Trump faça o mesmo que fez com o Canadá e com o México, aceitando fazer uma negociação após ameaçar com tarifas. "Seria o melhor cenário", afirma. Porém, o economista insiste que se esse cenário não se confirmar, o Brasil deve retaliar. "A minha recomendação seria retaliar exatamente nos setores politicamente importantes para o governo americano, ou seja, nas exportações desses setores para o Brasil. É uma coisa cirúrgica para que eles sintam a dor. E aí, de novo, eu acho que mesmo que a gente faça isso, que é um ponto de honra para o Brasil, não vamos ter grandes ilusões assim, [porque] Trump acredita veementemente, e com certa razão, no poder das tarifas sobre importações", declara Nogueira.
O economista ainda defende que, através dessa postura sobre as tarifas, Trump repete vários argumentos dos "heterodoxos latino-americanos", ao defender não só a proteção das suas indústrias atuais, mas levar de volta aos EUA o capital americano que saiu do país. Nogueira ironiza afirmando que Trump seria um "companheiro". "O companheiro Trump usa os argumentos dos estruturalistas latino-americanos, que é desenvolvimento, proteção tarifária.
Os desafios de Haddad
Nogueira também falou sobre a atual conjuntura política e econômica do governo Lula e citou os principais desafios que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem para o ano de 2025 já visando as eleições de 2026. O principal desafio, segundo o economista, é reduzir a inflação abaixo do teto.
"Eu acho que não deve mirar o centro da meta, porque se mirar o centro, o risco de recessão ou de desaceleração pronunciada é muito grande. Então, é trazer a inflação para baixo do teto, que é 4,5; e conseguir, depois de uma desaceleração modesta em 2025, retomar o crescimento em 2026, que é o ano da eleição", defende Nogueira.
Outro desafio importante para Haddad e para o governo Lula, e que deve ser um dos principais impactos para as eleições de 2026, é a aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Nogueira afirma que o governo precisa criar o clima de aprovação no Congresso através de ação política. "Tem que tornar pública a proposta completa, detalhada e dizer que está nas mãos do Congresso", diz. O economista acredita que tanto Haddad quanto Lula devem apresentar a proposta do Imposto de Renda e de elevação das alíquotas marginais e efetivas para os ricos e super-ricos, e pressionar o Congresso afirmando que confiam que eles irão fazer o bem para o povo, caso contrário, vão pagar um preço político, avalia.
"Porque está todo mundo de olho nessa proposta. Então, será que os congressistas vão querer, e alguns deles têm que disputar a eleição de parlamentares em 2026, ser carimbados como aqueles que se opuseram à proposta de justiça tributária do governo?", questiona.
"Não se pode ficar o tempo todo falando em correlação de força, em 'limite do possível'. Você não sabe quais são esses limites, então, você tem que agir para conseguir testá-los e alargá-los com ação política, com comunicação efetiva, com propostas bem pensadas. Eu não gosto de um time que joga para perder de pouco. Às vezes, o governo me dá a impressão de que joga para perder de pouco, ou para empatar de zero a zero e ir para os pênaltis", pontua Nogueira.
Confira a entrevista completa do economista Paulo Nogueira ao Fórum Onze e Meia
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