A encenação de Donald Trump ao lado de um trabalhador da indústria automotiva de Detroit na última quarta-feira (2), o "Dia da Libertação", quando metralhou o mundo com tarifas, pode tirar a guerra do ambiente econômico e levá-la diretamente aos campos de batalha reais, desencadeando uma 3ª Guerra Mundial, com um potencial destrutivo sem precedentes na História da humanidade.
LEIA TAMBÉM:
Luiz Carlos Azenha: Trump aprofunda colapso da ordem internacional e planeta fica mais próximo da guerra
Te podría interesar
Doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor associado do departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro lembrou de um cenário parecido com o atual ao analisar para Fórum a reciprocidade da China, que anunciou nesta sexta-feira (4) que vai taxar os produtos dos EUA com a mesma tarifa de 34% imposta por Trump às empresas chinesas.
"Isso é um retorno às políticas de beggar-thy-neighbour da década de 1930 e a gente sabe como é que isso terminou", afirmou o economista.
Te podría interesar
A política de beggar-thy-neighbour (empobreça seu vizinho, em tradução livre) foi cunhada a partir de uma crítica ao mercantilismo do economista Adam Smith, autor do livro Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas das Riquezas das Nações, considerada a Bíblia do liberalismo.
"As nações foram ensinadas que seu interesse consiste em empobrecer todos os seus vizinhos, a lançar um olhar invejoso para a riqueza de outras nações", diz Smith. "O comércio, que deveria ser naturalmente, entre as nações – assim como entre os indivíduos –, um vínculo de união e amizade, tornou-se uma fonte mais fértil de discórdia e animosidade", segue o economista em sua crítica sobre essa política, que passou a ser adotada nos anos 1930, em meio à Grande Depressão, que antecedeu as duas primeiras guerras mundiais.
Oreiro afirma que a atitude belicosa dos EUA gerou reações fortes em todo o mundo, especialmente na Europa, que vive um momento de rearmamento após Trump fechar a torneira da Otan para a guerra entre Ucrânia e Rússia.
"Há realmente um sentimento entre os europeus de que eles não vão baixar a cabeça frente aos Estados Unidos. E que agora é o momento da união, isso está se refletindo no rearmamento da Europa, mas também, você pode ter certeza, a Europa vai retaliar as tarifas dos Estados Unidos", diz o professor da UnB.
No entanto, o cenário mais preocupante, segundo Oreiro, é realmente na China e nos países onde as empresas chinesas - como Vietnã, Camboja, Tailândia, Malásia e México - construíram parques industriais para abastecer o mercado dos EUA, o principal destino de seus produtos.
"Os Estados Unidos são o maior mercado consumidor do mundo. A China não tem como substituir, nem no curto, nem no médio, eu acho que nem no longo prazo, o mercado norte-americano. [...] Então a China realmente está numa situação complicada. Já tem muita produção industrial excedente, que eles não têm muito para onde escoar", afirma.
Oreiro lembra das demonstrações de força do governo chinês no mesmo dia em que Trump anunciou a guerra comercial e lança um alerta.
"A China fez exercícios militares no entorno de Taiwan. Então, esse pode ser o sinal da China: 'olha, se vocês vierem com essa historinha para cima da gente, nós tomamos Taiwan'", diz. "E aí a terceira guerra mundial", emenda.
Fim do império ou da humanidade?
Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, afirma que a aposta de Trump se relaciona à perda de hegemonia dos EUA, que nas últimas décadas viram empresas deixarem o país em busca justamente das premissas do neoliberalismo, como salários mais baixos e matéria-prima mais barata.
"Eles estão num processo de perda, isso é fato, já foram ultrapassados pela China, está certo, no critério de PIB, PPP, PPC, paridade de poder de compra. Daqui a pouco vão ser ultrapassados pela China pela avaliação mesmo em dólar. Estão num cenário em que blocos como o Brics e outros estão sendo formados, e eles estão perdendo espaço no cenário internacional, eles fizeram uma opção de isolamento, de autarquia: Estados Unidos isolados do resto do mundo", disse à Fórum.
As medidas Make American Great Again (Maga), de Trump, segundo Kliass, abrem espaço para a desdolarização de transações comerciais no mundo e isola ainda mais os EUA, abrindo espaço para o desencadeamento de um processo histórico em que perderia a hegemonia.
"A gente está em um cenário pré-bélico, pré-conflito, isso é dado. E o que eu sempre tenho dito ao longo dos últimos anos é que a gente está numa situação que vai ter uma passada de bastão de um império para outro. E todas as outras soluções foram soluções militares, quer dizer, desde a época do Império Romano, depois os conflitos regionais, depois o Império Inglês e agora o Império Norte-Americano".
Kliass, no entanto, alerta para um fator inédito nessas transformações já vividas pelo mundo: o potencial bélico e destrutivo do poderio militar nas mãos desses atores.
"O problema é que, se houver uma guerra, a humanidade acaba, quer dizer, porque o conflito, no limite, ele se resolve pelo lado nuclear", afirma ele, que aposta, sobretudo, na tradição "muito mais diplomática, negociadora, do que militar" da China.
"A gente espera que se tenha um mínimo de racionalidade, se é que se pode pensar nisso na humanidade a esse respeito. Mas, enfim, nessa tensão permanente de uma situação pré-bélica qualquer fator mais grave pode ser uma centelha em um barril de pólvora", conclui Kliass.