Belarus: O que os progressistas ocidentais precisam entender?

Não, Lukashenko não é uma simples marionete de Putin. Não, não temos uma luta política aos moldes da Guerra Fria - e tentaremos responder isso aqui

Reprodução/ belsat.eu
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9 dias após a reeleição de Alexander Lukashenko para seu 6° mandato consecutivo, os protestos pedindo sua renúncia multiplicam-se. Há 26 anos governando Belarus (ou Bielorrússia), ele é acusado de fraudar a eleição, perseguir adversários e abusar de direitos humanos.

Até aí não temos nenhuma novidade. Por isso, fomos buscar informações fora dos paradigmas tradicionais apresentados pelos analistas políticos. Não, a situação de Belarus não é a mesma da Ucrânia - sua vizinha ao sul. Não, Lukashenko não é uma simples marionete de Putin. Não, não temos uma luta política aos moldes da Guerra Fria - e tentaremos responder isso aqui.

Para responder essas perguntas, estive em contato com Anastasia (nome fictício), jornalista da diáspora bielorrussa de 26 anos, originária de Minsk, radicada em Lisboa (Portugal), adora teatro e surfe.

A jornalista Anastasia (Arquivo Pessoal)

Filha de trabalhadores do setor privado com 6 irmãos, Anastasia destaca que existe uma questão cultural-geracional, política, mas também uma crise econômica profunda: “Há 20, 10 anos atrás, o apoio a Lukashenko era grande, sob a retórica da paz. Minha avó que sobreviveu a Guerra e viveu durante a Era soviética o apoiava, mas hoje já não apoia mais”.

Sem tradição democrática nos moldes ocidentais, o país de 9,5 milhões de pessoas tem um histórico autoritário quando falamos de política. “A política do medo sempre esteve presente em nosso país. O Império Russo (Monarquia Romanov); a URSS; a invasão e ocupação nazista; e a Era Lukashenko não deixa dúvidas", ressalta a jornalista.

Se por um lado a “sociedade do medo persiste", por outro lado, o agravamento da situação econômica ajuda a mobilizar as pessoas. Tais características ficam mais clara em uma entrevista da revista de esquerda Jacobin (17/8/2020), em que logo no título lemos algo que pode surpreender muitos: “Na Bielorússia, a esquerda luta para colocar as demandas sociais no centro dos protestos”.

Nesse sentido, Anastasia reforça: "ao classificar os protestos como pró-Otan ou anti-russos, os associando aos realizados por setores de extrema-direita da Ucrânia, muitas lideranças de esquerda no ocidente tem ignorado profundamente as demandas sociais e as particularidades de Belarus".

Segundo relato de Anastasia e da entrevista da Jacobin, “o governo tem consistentemente desmantelado o Estado de Bem-estar Social…”. Em 2004, por exemplo, o governo introduziu contratos individuais em vez de acordos coletivos; excluiu tempo de serviço militar, licença-maternidade e estudos universitários da contagem para a aposentadoria. Assim como congelou salários diante de uma inflação crescente.

Nesse caso, pergunto: “Putin abandonou Lukashenko?”. Anastasia avalia que “não”. Mas, a postura do governo russo sobre a crise e os meios ligados ao Kremlin, como o Moscow Times, Tass ou a RT, tem deixado transparecer uma linha bem pragmática já percebida por todos. “A julgar pelos relatos da mídia estatal russa sobre os acontecimentos na Bielorrússia, o Kremlin não tem ilusões quanto ao colapso da legitimidade política de Lukashenko.” (Financial Times, 18/8/2020).

Apesar de declarar que deseja a “estabilidade” do país vizinho, Putin demonstra uma postura similar a que teve sobre os protestos armênios em 2018. Diferentemente das reações duras tomadas sobre a Ucrânia, em que anexou a Criméia e mobilizou ações militares na fronteira - que ainda se estendem -, Moscou deve calcular que o desgaste de uma intervenção militar sobre a Belarus poderia ser um desastre.

Com essa configuração, os protestos reúnem diferentes linhas políticas com a bandeira do “Fora Lukashenko”, eleições livres e a libertação dos presos políticos. Nesse sentido, qualquer adiantamento de uma discussão posterior pode ser equivocada.

Certamente, sabemos que Putin tem seus interesses geopolíticos e econômicos no país, assim como a OTAN, a UE, a China e os EUA, que teve seu Secretário de Estado, Mike Pompeo, fazendo um tour no leste europeu essa semana falando da tecnologia 5G. No entanto, essas são “cenas do próximo capítulo”.