Chegada de Bolsonaro a Israel coincide com aumento de tensão em Gaza

Fim de semana marca um ano de protestos massivos chamados de Grande Marcha do Retorno

Foto: Hosam Salem/ONU
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Por Pedro Moreira, de Tel Aviv, especial para a Fórum O fim de semana da visita oficial de quatro dias do presidente Jair Bolsonaro a Israel, marcada para começar neste domingo (31), tem outro significado para os quase dois milhões de palestinos que vivem na Faixa de Gaza e para os cerca de 70 mil israelenses que vivem a poucos quilômetros da fronteira do enclave. Neste 30 de março, completa-se um ano da Grande Marcha do Retorno, nome dado pelos palestinos aos protestos que vem sendo promovidos todas as sextas-feiras nas proximidades das barreiras instaladas entre Gaza e Israel. Em sua primeira convocação, a marcha chegou a reunir cerca de 30 mil pessoas. E, em pelo menos seis ocasiões, em torno de 10 mil manifestantes. O receio de uma adesão em massa da população palestina que vive sitiada na estreita faixa de terra entre Israel e Egito aumentou ainda mais a tensão na região, que já vive um momento de eminente escalada do conflito. A Fórum está fazendo uma cobertura exclusiva da viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel e precisa do seu apoio. Clique aqui e saiba como ajudar Na última segunda (25), um foguete lançado a partir de Gaza atingiu a comunidade israelense de Mishmeret, ao norte de Tel Aviv. O artefato destruiu uma casa e deixou sete feridos, entre eles, duas crianças e um bebê de seis meses. O Exército israelense afirmou, na ocasião que se tratava de um foguete fabricado pelo Hamas que viajou cerca de 120km até atingir uma região pouco habituada a vivenciar ataques desse tipo. O episódio fez o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu antecipar o retorno da viagem que fazia aos Estados Unidos. Em resposta, Israel convocou reservistas, deslocou tropas e tanques de guerra para o entorno de Gaza e fechou a passagem de fronteira com o enclave. Ainda na noite de segunda-feira, aviões israelenses bombardearam diversos alvos do Hamas em vários locais de Gaza, incluindo o escritório do líder do grupo, Ismail Haniyeh. Do outro lado, pelo 30 foguetes foram lançados em direção a Israel. A situação aparentemente se acalmou a partir da ação do Egito, que negociou um cessar-fogo e continua agindo, com uma delegação dentro de Gaza, para evitar uma escalada de violência neste fim de semana.  De acordo com o portal de notícias israelense Ynet, os grupos militantes de Gaza estariam dispostos a conter os protestos na fronteira em troca de algumas concessões. Entre elas, o aumento do número diário de caminhões autorizados a entrar com suprimentos humanitários e outras mercadorias. Israel também teria de facilitar a aprovações de importações e exportações, apoiar as ações da ONU no enclave, melhorar o fornecimento de eletricidade – que hoje não passa de 12h diárias – e dobrar a zona de pesca permitida no Mar Mediterrâneo, hoje de 6 mil milhas náuticas. Autoridades israelenses não confirmam as negociações. Nessa quinta-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro admitiu que recebeu recomendações para não visitar Israel neste momento por questões de segurança. Mas confirmou a viagem ao conversar com jornalistas na saída de uma cerimônia da Justiça Militar em Brasília. “Orientação houve, mas a decisão, a palavra final é minha. Estarei em Israel, se Deus quiser, no domingo”, disse o presidente. Ele também foi perguntado sobre a recente decisão do governo dos Estados Unidos de reconhecer as Colinas de Golan como integrante do território israelense, mas não respondeu. A região foi tomada da Síria em 1967 durante a Guerra dos Seis Dias e anexada de forma unilateral pela legislação israelense em 1981. Assim como a Cisjordânia e a parte leste da cidade de Jerusalém, a área é considerada, pela ONU, território ocupado ilegalmente por Israel. Autor de cinco livros sobre o conflito existente na região que receberá Bolsonaro, o professor Menachem Klein, do Departamento de Estudos Políticos da Universidade de Bar-Illan, acredita que o contexto do confronto Israel-Hamas em Gaza e na Cisjordânia pode prejudicar a visita e impedir que o Presidente vá a Cidade Velha de Jerusalém, por exemplo, devido à tensão e ao risco de protestos. De acordo com o cronograma divulgado pelo Palácio do Planalto, Bolsonaro visita a Cidade Velha de Jerusalém na segunda-feira, dia 1º. O risco de protesto dos palestinos existe porque a parte antiga da cidade sagrada fica na porção oriental de Jerusalém. Pelo plano original de partilha da Palestina, aprovado na ONU em 1947 e que culminou com a criação do Estado de Israel, a Cidade Velha deveria permanecer sob administração internacional. Mas foi ocupada por Israel em 1967 durante a Guerra dos Seis Dias. Já o restante da porção oriental de Jerusalém seria a capital do futuro Estado da Palestina. É ali que estão alguns dos locais considerados como os mais sagrados para as três principais religiões monoteístas: O Muro das Lamentações do Judaísmo, a Igreja do Santo Sepulcro do Cristianismo e a Mesquita Domo da Rocha do Islamismo. A Grande Marcha do Retorno Os acontecimentos relacionados aos protestos na fronteira de Gaza foram alvo do primeiro voto brasileiro contra os palestinos no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao rejeitar resoluções que condenavam Israel. Uma delas pedia justiça diante de supostas violações e crimes cometidos nos conflitos registrados em 2018, no enclave. A votação promovida pelo governo Jair Bolsonaro significou o rompimento da tradição diplomática brasileira no colegiado. A Fórum está fazendo uma cobertura exclusiva da viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel e precisa do seu apoio. Clique aqui e saiba como ajudar A primeira Marcha do Retorno foi convocada como parte da reação ao reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel, feito pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em dezembro de 2017. As principais reivindicações dos protestos eram o fim do bloqueio à Gaza imposto por Egito e Israel há 12 anos e o direito de retornar às terras que hoje fazem parte do Estado judeu. De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA, na sigla em inglês), do total de 1,9 milhão de habitantes de Gaza, 1,4 milhão são refugiados que fugiram ou foram expulsos das terras em que viviam a partir de 1948, quando foi criado o Estado de Israel. Cerca de 600 mil vivem ainda hoje em oito campos de refugiados reconhecidos pela ONU. A data escolhida para o primeiro protesto, 30 de março, também marca o Dia da Terra para os palestinos. Nesse dia, em 1976, a polícia israelense matou a tiros seis palestinos com cidadania israelense num protesto contra a expropriação de terras por parte de Israel. A previsão inicial era que a Grande Marcha do Retorno se estendesse por seis semanas, terminando no dia 15 de maio de 2018. Data da Independência de Israel, chamada pelos Palestinos de “Nakba” – a catástrofe, em árabe. Para aquele dia, também estava marcada a mudança da embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém. Há um entendimento de entidades internacionais, como a Anistia Internacional e a própria ONU, de que os primeiros protestos foram uma iniciativa popular legítima. Israel acusa os grupos militantes de Gaza –  Hamas, Jihad Islâmica Palestina e  Frente Popular de Libertação da Palestina – de passar a endossar e dar apoio logístico à marcha, cooptando os protestos para atender aos seus próprios interesses. Na última quarta-feira (27), com a proximidade do aniversário da Marcha, o gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, divulgou números relacionados ao impacto dos protestos no lado israelense. O relatório foi elaborado em conjunto por diversas autoridades, como as Forças de Defesa de Israel, a polícia e a Autoridade Nacional de Incêndio e Resgate, a partir de “fontes abertas e dados oficiais”. Desde 30 de março de 2018, Israel contabiliza 2.199 “incidentes fronteiriços”. Entre eles,  1.233 lançamentos de bombas de foguetes e morteiros, 18 disparos de arma de fogo a partir de Gaza, 94 dispositivos explosivos lançados através da “barreira de segurança” , 600 coqueteis molotov e 152 incidentes de “incêndios criminosos”, o que inclui queima de pneus e arremesso de vários objetos. Israel também contabiliza os incêndios provocados por dispositivos incendiários lançados a partir do enclave. Numa estratégia recente, pipas e balões contendo material inflamável e explosivo têm sido usados pelos palestinos. De acordo com o governo israelense, esses dispositivos provocaram 1.963 focos de incêndio, que teriam destruído 35 km2 de áreas, incluindo plantações e reservas ambientais. Ao longo do último ano, teriam sido lançados, ainda, 460 foguetes em direção a Israel, tendo sido 100 deles interceptados pelo sistema de defesa aérea Domo de Ferro. Nesse período, de acordo com o balanço, um soldado israelense foi morto, quatro ficaram gravemente feridos e 12 sofreram ferimentos leves a moderados em “ataques violentos na barreira de segurança”. Do lado palestino, o confronto entre os manifestantes e as forças de segurança de Israel deixaram mais vítimas. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), em um relatório divulgado também na última quarta (27), entre 30 de março de 2018 e 22 de março de 2019, 195 palestinos, incluindo 41 crianças, foram mortos por forças israelenses nas manifestações da Grande Marcha do Retorno. O número de feridos foi de 28.939, sendo “25% deles atingidos por munição real”. O relatório da ONU também informa que “um soldado israelense foi morto e outros 50 israelenses (três soldados e 47 civis) foram feridos por grupos armados palestinos em incidentes separados, incluindo foguetes disparados contra o sul de Israel” No mesmo período, outros 76 palestinos morreram em “outras circunstâncias, incluindo ataques aéreos, tiros de tanques, a abertura de fogo nas áreas restritas de acesso em terra e no mar, incidentes de tentativa de infiltração em Israel, incursões e atividades de terraplenagem”. Israel insiste, no entanto, que as tropas só abrem fogo seguindo regulamentos rigorosos e argumenta que os protestos semanais não são manifestações civis pacíficas, mas "parte do conflito armado entre o Estado de Israel e a organização terrorista Hamas", com a qual travou três guerras desde 2008. A Fórum está fazendo uma cobertura exclusiva da viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel e precisa do seu apoio. Clique aqui e saiba como ajudar