Chile: Como foi o último debate presidencial antes da eleição de domingo?

Gabriel Boric, da frente de esquerda Apruebo Dignidad, enfrenta José Antonio Kast, do Partido Republicano nas eleições presidenciais no Chile.

Gabriel Boric e José Antonio Kast em debate no Chile (Foto: Reprodução/Anatel)
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  • Com impulso da Nova Constituição, eleição pode abrir um novo ciclo estrutural
  • Novas lideranças e candidatos considerados extremos disputam o governo
  • Após 1º turno apertado, as pesquisas indicam uma virada/vitória do candidato de esquerda no 2º turno
  • O debate e seus temas: “Nesse momento, (…) o candidato da esquerda apresentou um exame toxicológico”

1ª parte (CONTEXTO)

Um dos países mais desenvolvidos da América Latina, o Chile tem a oportunidade de abrir um novo ciclo estrutural, com uma nova Constituição e novas forças políticas no comando do país a partir de domingo (19). Marcado por traumas históricos, a violência política e a Ditadura Pinochet, o pleito é o primeiro com lideranças de setores considerados mais extremos e sem o protagonismo de Michelle Bachelet e/ou Sebastián Piñera.

Mas, quem são os candidatos?

Gabriel Boric (35): O candidato da frente de esquerda (Apruebo Dignidad), é deputado filiado ao partido Convergência Social de orientação socialista libertária. Eleito pela região de Magalhães (próximo à Antártida, no extremo sul do país), é formado em Direito e foi presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile. Oriundo do movimento estudantil universitário, foi uma das lideranças mais importantes das mobilizações de 2011 que marcaram os protestos por melhorias e ampliação ao acesso à universidade pública no país.

José Antonio Kast (55): O candidato da frente de direita e do Partido Republicano. Foi prefeito de Buin (cidade da região metropolitana de Santiago) e depois deputado por 16 anos. Também formado em Direito, é o principal fundador do Partido Republicano (2019) que é visto como um partido de extrema-direita, ultraconservador, autoritário e defensor do ditador Pinochet em várias situações.

Durante o primeiro turno, as pesquisas apresentaram o favoritismo e a polarização de Boric e Kast. E viram suas projeções serem confirmadas com um dos resultados mais estreitos dos últimos anos, favorável ao candidato de direita (27,9% contra 25,8% do segundo colocado) em uma eleição com 7 candidatos.

Agora, no segundo turno, as pesquisas demonstram uma virada do candidato de esquerda em uma proporção 6 para 4. É nesse contexto que aconteceu na noite desta segunda-feira (13), o último debate presidencial entre os candidatos organizado pela Associação Nacional de Televisão (ANATEL).

2ª parte
O DEBATE E SEUS TEMAS

Dividido em três partes, sendo que as duas primeiras foram destinadas às respostas sobre temas selecionados como: governabilidade, programa de governo, impostos, custo de vida, cultura, narcotráfico, saúde e aposentadorias, o debate foi iniciado pelo tema governabilidade, imediatamente os dois candidatos mostraram-se preocupados em demonstrar moderação.

Governabilidade

Quando perguntados em quais presidentes do passado se espelhavam e como queriam ser reconhecidos, Boric disse que se inspirava em Salvador Allende e no 2º mandato de Michelle Bachelet e que será um presidente aberto ao diálogo, vendo a situação do Congresso como uma “oportunidade”; já Kast, disse que se espelhava no presidente da transição democrática, Patricio Aylwin, bem como gostaria de ser um presidente integrador, horizontal, que respeita as leis, mas que não se deixará levar por “pressões violentas”.

Programa de Governo

Com a polarização como pano de fundo, ao debater o ponto sobre programa de governo, o candidato de esquerda foi provocado se era comunista ou social-democrata, ao se defender, Boric rechaçou a violência como instrumento político, defendeu a consolidação do Estado de Bem-Estar Social no país e disse defender a diversidade e os direitos humanos. Por sua vez, o candidato chamado por alguns de “Bolsonaro chileno” disse que agirá como foi deputado, que será a favor das tradições chilenas, defensor das liberdades e aplicará a lei frente à violência. Nesse momento, ambos se provocaram, em especial sobre protestos violentos, respeito aos direitos das mulheres e à diversidade humana do país - em função de declarações passadas.

Reforma Tributária e Impostos

No debate sobre impostos, Boric defendeu uma reforma tributária que estabeleça um sistema tributário progressivo, em que as contribuições sejam proporcionais à riqueza de pessoas e empresas. Mais cauteloso, o candidato Kast, destacou que quer mais livre comércio e menos impostos para as empresas. Em seguida, o candidato de esquerda defendeu estímulos/impostos que incentivem mudanças tecnológicas-estratégicas como a maior utilização de trens e energias renováveis. Boric ainda apontou exemplos de taxações na área de transportes, combustíveis, mineradoras, ressaltando o custo de vida e classificando a situação de desigualdade e injustiça. O candidato conservador também defendeu o uso de energias renováveis, mas retrucou sobre impostos sobre combustíveis e caminhoneiros, dizendo ser necessário estudos para não correr um risco de inflação sobre os alimentos.

Custo de vida

Como último momento da primeira parte do debate, foi selecionado o tema: custo de vida. Nesse momento, os candidatos a presidente reconheceram as dificuldades de vida da classe trabalhadora chilena agravada pela pandemia. Ambos defenderam a retomada da atividade econômica de formas diferentes e com medidas práticas. Boric destacou a importância de gerar empregos para mulheres, jovens e apoiar iniciativas populares como feiras livres, cooperativas e pequenas empresas. Por sua vez, Kast criticou iniciativas “populistas” como o gás, a farmácia popular e/ou universidades gratuitas, a seu ver - medidas que afugentam capitais.

Cultura

Já na segunda parte, o debate sobre cultura, versou sobre as chamadas guerras culturais, a política de cancelamento e censura. De um lado, ao ser provocado pelos jornalistas, Kast procurou mostrar-se um democrata, diz ser defensor de pré-requisitos em concursos para aquisição de fundos públicos, declarando-se também ser contra a “cancelação” ideológica e qualquer preconceito étnico-racial ou gênero-sexual, retrucando que as posturas autoritárias viriam do outro lado. Boric em sua tréplica, questionou seu adversário sobre se bandeiras de grupos (ao exemplo LGTBQIA+) e causas do povo chileno seriam alçadas em pé de igualdade, então o candidato Kast respondeu de forma escorregadia que a “bandeira nacional une todas a bandeiras e que seria ‘a única a ser levantada em espaços públicos’” - ainda que se façam homenagens.

Narcotráfico

Já com o debate avançado, o narcotráfico foi discutido como próximo ponto. Nesse momento, ocorreu a mais curiosa da noite, em que o candidato da esquerda apresentou um exame toxicológico - argumentando ser vítima de uma campanha de fake news estimulada pela campanha adversária. Ao iniciar sua fala, o candidato de 35 anos classificou as drogas como “um mal para sociedade”, defendeu a legalização do autocultivo da maconha, mas sublinhou a importância de se combater o crime organizado com inteligência, conciliando medidas para um maior controle das armas de fogo, além disso propôs um fundo público para reparar a população vítima do narcotráfico. Kast, se posicionou de forma divergente, destacando que o consumidor não deve ser penalizado, porém é contrário à legalização da maconha por uma questão “lógica”, dado que a considera um caminho para drogas mais pesadas. Por sua vez, reforçou que irá à guerra contra traficantes com a comunhão das Forças Armadas, Policiais e um forte controle de fronteiras com meios tecnológicos disponíveis.

Saúde e aposentadorias

Já na parte final do debate, os temas de saúde e aposentadoria foram destacados. Curiosamente ambos elogiaram a gestão da pandemia feita pelo impopular presidente Piñera, porém divergiram bastante sobre o problema das aposentadorias. Sobre a saúde, concordaram sobre a importância da vacina e que seja produzida localmente, bem como falaram da fila de espera para os atendimentos. A polêmica ficou em como reduzir essa fila integrando o sistema público e o privado, Boric imediatamente defendeu um controle de preços “justos” dos serviços de saúde através de uma entidade pública e autônoma do governo - como as agências reguladoras. Kast evitou a polêmica dos preços, mas defendeu a digitalização de atendimentos como iniciativa prática. Quando questionados sobre as aposentadorias, ambos reconheceram a desvalorização das pensões recebidas pelo povo chileno e a criticaram o regime atual, em seguida discordaram sobre o caminho a seguir, Boric defendeu um sistema autônomo do governo em que a administração não remanejar as verbas para outros fins, Kast por sua vez, declarou-se favorável ao modelo de capitalização individual.