CHINA EM FOCO

Comunidade LGBTQIA+ da China não precisa do 'orgulho gay' ocidental

Para a sociedade chinesa, a sexualidade é apenas uma parte, e não o todo, do que as pessoas são e o papel familiar e identidade nacional têm prioridade

Créditos: SCMP (Simon Song) - Um coral sediado em Pequim composto por membros da comunidade LGBTQIA+ se prepara nos bastidores antes de um concerto durante as celebrações do Orgulho de Xangai em junho de 2018
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Para as pessoas LGBTQIA+ na China, a sexualidade é apenas uma parte, e não o todo, do que elas são, uma vez que seu papel familiar e identidade nacional têm prioridade. O que elas desejam acima de tudo é amor e aceitação, e não desfiles de orgulho. Essa é a visão do jornalista chinês Cyril Ip, que escreve para o jornal South China Morning Post (SCMP), e compartilhou a experiência dele em um artigo traduzido e adaptado abaixo.

Durante anos, antes da recente viagem de Cyril a Chengdu, amigos do continente o disseram que a capital da província de Sichuan também era conhecida coloquialmente como a "capital gay" da China.

Ao longo da estada de cinco dias na cidade, ele viu muitos casais gays de mãos dadas em locais públicos, mais do que veria em Hong Kong. Essas pessoas poderiam passar despercebidas facilmente, dada a falta de olhares curiosos em um local que estava refrescantemente despreocupado.

Ao contrário da própria "capital gay" não oficial do Reino Unido, Brighton, Chengdu não ostenta exibições extravagantes de decorações temáticas do arco-íris ou uma cena gay exagerada e ostensiva. Os moradores estão cientes de que seus bares e clubes gays atraem pessoas de todo o país, e aqueles com preferências sexuais diferentes vivem suas vidas de forma harmoniosa, sem dramatizações.

Conhecimento cultural e contexto

Pode ser difícil para a comunidade LGBTQIA+ ocidental entender como uma cidade sem esses indicadores típicos pode ser considerada uma "capital gay". Mas essa falta de conhecimento cultural e contextual não deve levar a suposições de que a comunidade gay da China vive na miséria e na opressão.

Isso não quer dizer que minorias sexuais no país não tenham enfrentado restrições e retrocessos ultimamente. Em 2021, moderadores do WeChat fecharam várias contas LGBTQIA+ administradas por estudantes sem explicação. E, no mês passado, um grupo de defesa líder em Pequim fechou após 15 anos de serviço, citando "circunstâncias inevitáveis".

Além disso, nem todos os lugares na China são tão amigáveis para os gays quanto Chengdu. Cyril conta que sempre que a comunidade sofre um golpe, amigos e conhecidos expressam preocupação e decepção. No entanto, o que ele vivenciou na vida real nunca condiz com as descrições sombrias da mídia ocidental mainstream.

"Para muitos na China, a sexualidade é apenas uma parte do que eles são, e não o todo. Na maioria das vezes, seu papel familiar e identidade nacional têm prioridade. O que eles mais desejam é um relacionamento amoroso e a aceitação familiar, o que não será determinado, por exemplo, pela existência de desfiles de orgulho no país", observa o jornalista.

Ocidente x Oriente

Os locais e atividades gays no continente chinês são diferentes dos do Ocidente. Em Chengdu, por exemplo, casas de chá são um espaço popular onde membros "assumidos e orgulhosos" da comunidade LGBTQIA+ se integram à sociedade em geral.

Embora a homossexualidade tenha existido ao longo da história da China antiga e tenha sido registrada nas histórias de muitas civilizações não ocidentais, o "orgulho gay" é uma celebração moderna estadunidense, portanto, sua falta de relevância para a sociedade chinesa não é motivo para espanto.

Nos últimos anos, essa celebração tem apresentado festividades consumistas e comercializadas, com marcas e empresas atualizando seus logotipos com designs de arco-íris por 30 dias e lojas de rua promovendo produtos temáticos de edição limitada com o arco-íris.

Usar esses indicadores como métrica para a abertura de uma sociedade é muito centrado no ocidente e não aplicável à China e à maioria das outras sociedades asiáticas.

"A comunidade gay da China deseja se libertar do olhar homofóbico, mas duvido que eles estejam dispostos a trocar isso por um olhar orientalista", pontua Cyril.

O jornalista ressalta que alguns críticos ocidentais acusaram Pequim de justificar repressões ao vincular a cultura LGBTQIA+ à influência ou intervencionismo ocidental. No entanto, o próprio ocidente busca monopolizar a "homossexualidade" usando linguagem específica e sugerindo que o Oriente deve aspirar a adotar sua abordagem, considerando outras formas de ordem social como opressivas.

Sem diminuir o valor do Mês do Orgulho para os estadunidenses, Cyril constata que esse tipo de manifestação simplesmente não está entre as maiores preocupações dos jovens gays da China. Na verdade, alguns chineses que viveram no exterior, conta, afirmam que os desfiles de orgulho não são culturalmente adequados ao seu local de nascimento, que valoriza o coletivismo em vez do individualismo.

Políticas de direitos LGTBQIA+

Para Cyril, exigir que as políticas de direitos gays na Ásia se tornem mais ocidentalizadas reforça, na verdade, a narrativa prejudicial de que a homossexualidade é um "estilo de vida" exclusivamente ocidental - uma visão defendida por pessoas desinformadas ou simplesmente preconceituosas.

"No entanto, é difícil avaliar o bem-estar da comunidade gay da China continental sem ter acesso a estatísticas oficiais. Sua representação nos meios de comunicação mainstream pode ser limitada, mas ela possui uma presença vigorosa no espaço virtual. Grupos de defesa estão diminuindo, mas pesquisas informais - principalmente feitas por influenciadores das redes sociais - parecem mostrar uma opinião pública tolerante", destaca Cyril.

No entanto, pontua o jornalista, aliados verdadeiramente comprometidos devem buscar conhecer e entender melhor os membros da comunidade gay da China, em vez de assumir que eles são oprimidos com base em um quadro limitado que vê o Ocidente como "liberal" e o Oriente como "conservador".

Muitos na comunidade gay da China são estranhos às culturas LGBTQIA+ ocidentais, assim como muitos ocidentais não estão familiarizados com o estilo de vida de seus equivalentes chineses. As pessoas devem ter isso em mente antes de decidir se aqueles em um continente diferente se sentem livres ou não, com base nas tradições de seu próprio país.

*Texto produzido a partir de artigo publicado no SCMP em 13 de junho

** O conteúdo deste texto não reflete, necessariamente, a visão da Revista Fórum