CHINA EM FOCO

Entenda as rusgas entre China e Índia

Narendra Modi, premiê indiano reeleito, troca posts com presidente de Taiwan, Lai Ching-te, e gera incômodo em Pequim

Créditos: Shuttestock - Bandeiras Índia e China
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Taiwan é China é uma linha vermelha para Pequim em suas relações diplomáticas. O princípio de Uma só China deve ser respeitado e as questões entre o continente e a ilha são internas do país, que não tolera interferências externas. Esse é um mantra do discurso do governo chinês. Mas o recém-reeleito para o terceiro mandato na liderança da Índia, Narendra Modi, ultrapassou essa divisória e gerou uma saia justa.

O presidente de Taiwan, Lai Ching-te, parabenizou o líder indiano por sua vitória eleitoral. Modi respondeu que aguardava com expectativa laços mais estreitos com a ilha. A porta-voz da diplomacia chinesa, Mao Ning, de pronto, afirmou:

"Em primeiro lugar, não existe 'presidente' da região de Taiwan.

Mao declarou que a China se opõe a todas as formas de interações oficiais entre as autoridades de Taiwan e países que mantêm relações diplomáticas com a China.

"Existe apenas uma China no mundo. Taiwan é uma parte inalienável do território da República Popular da China. O princípio de uma só China é uma norma universalmente reconhecida nas relações internacionais e um consenso predominante na comunidade internacional. A Índia assumiu sérios compromissos políticos sobre isso e deve reconhecer, estar alarmada e resistir às cálculos políticos das autoridades de Taiwan. A China protestou junto à Índia sobre este assunto", disse.

Relações diplomáticas nas redes

Pelas redes, Ching-te parabenizou Modi pela vitória eleitoral, que responde em tom cordial e anunciando interesse em estreitas laços econômicos e tecnológicos.

O presidente Lula também parabenizou Modi.

Entenda as rusgas entre China e Índia

As relações entre China e Índia são complexas e marcadas por vários fatores históricos, territoriais, políticos e econômicos que têm gerado tensões ao longo dos séculos. Mais recentemente, uma das principais fontes de tensão entre os dois países é a disputa fronteiriça, que já levou a uma guerra em 1962 e a escaramuças em 2020. Há também questões geopolíticas complexas na Ásia e a interferência dos EUA, além de questões comerciais.

Reprodução O Globo - Fronteiras contestadas pela China

Guerra de 1962 e a linha britânica

Diário do Povo - ELP na Guerra Sino-indiana em 1962

A China e a Índia compartilham uma longa fronteira de cerca de 3.500 km, onde existem várias áreas contestadas, como Aksai Chin (controlada pela China, mas reivindicada pela Índia) e Arunachal Pradesh (controlada pela Índia, mas reivindicada pela China).

Esses conflitos fronteiriços sobre duas regiões já levaram a confronto militar, como a Guerra Sino-Indiana em outubro e novembro de 1962. China e Índia têm interpretações diferentes da linha de fronteira, com os indianos baseando-se na Linha McMahon, estabelecida em 1914, e a China rejeitando essa linha.

A Linha McMahon é uma linha de demarcação de fronteira entre o Tibete e o nordeste da Índia, proposta pelo diplomata britânico Sir Henry McMahon durante a Convenção de Simla em 1914. A linha foi acordada por representantes britânicos e tibetanos, mas nunca foi aceita oficialmente pela China, que reivindica a região como parte do Tibete.

A Convenção de Simla de 1914 teve como objetivo discutir questões fronteiriças e políticas entre o Império Britânico, o Tibete e a China. A Linha McMahon foi desenhada como parte de um acordo entre a Índia Britânica e o Tibete, sem a concordância da China, que alegava que o Tibete não tinha autoridade para assinar tratados internacionais.

Para a Índia, a Linha McMahon é considerada a fronteira legal entre Arunachal Pradesh e a Região Autônoma do Tibete. No entanto, a China nunca reconheceu a validade da linha e reivindica grande parte de Arunachal Pradesh como parte do Tibete do Sul.

A Linha McMahon tem sido uma fonte de conflito entre a Índia e a China. A Guerra Sino-Indiana de 1962, por exemplo, foi em parte causada por disputas sobre esta linha de fronteira. Até hoje, as tensões permanecem altas, com confrontos ocasionais e patrulhas militares ao longo da fronteira disputada.

Apesar de várias rodadas de negociações e acordos para manter a paz ao longo da Linha de Controle Real (LAC), que é a linha de fronteira de fato, as disputas sobre a Linha McMahon continuam a ser um ponto sensível nas relações sino-indianas. Ambos os países mantêm uma presença militar significativa na região e continuam a construir infraestrutura ao longo da fronteira.

Durante a guerra de 1962 a China lançou ataques simultâneos em Aksai Chin e Arunachal Pradesh. A guerra terminou com um cessar-fogo unilateral declarado pela China e a retirada de suas tropas de Arunachal Pradesh, mas mantendo o controle sobre Aksai Chin. A Índia sofreu uma derrota significativa, o que levou a um aumento nos gastos militares e a uma reavaliação de sua política de defesa.

Galwan Valley, 2020

SMCP - Escaramuça Galwan Valley, 2020

As escaramuças no Vale de Galwan, em junho de 2020, marcaram os confrontos mais violentos entre China e Índia desde 1962. A tensão crescente resultou de duas principais questões: a construção de infraestrutura e as patrulhas militares na região.

A Índia estava construindo estradas e outras infraestruturas na região de Ladakh, perto da Linha de Controle Real (LAC), que serve como a fronteira de facto entre os dois países. A China considerou essas atividades uma ameaça à sua segurança, aumentando a tensão.

Além disso, ambos os lados intensificaram suas patrulhas militares ao longo da LAC, levando a frequentes confrontos entre soldados chineses e indianos. Essa escalada culminou nas violentas escaramuças no Vale de Galwan.

O confronto resultou em baixas significativas, com pelo menos 20 soldados indianos e um número desconhecido de soldados chineses mortos. As tensões se agravaram, resultando em um aumento substancial das forças militares na região de Ladakh.

Seguiram-se várias rodadas de negociações diplomáticas e militares para tentar reduzir as tensões, mas a situação permaneceu tensa. O episódio no Vale de Galwan evidenciou a fragilidade das relações sino-indianas e a complexidade das disputas fronteiriças na região.

Alianças anti-China

Wikimedia Commons - Da esquerda para a direita: o Primeiro-Ministro da Austrália, Anthony Albanese, o Presidente dos EUA, Joe Biden, o Primeiro-Ministro do Japão, Fumio Kishida, e o Primeiro-Ministro da Índia, Narendra Modi, em Tóquio, Japão, em 24 de maio de 2022.

Nos últimos anos, a Índia tem estreitado laços com os Estados Unidos, Japão e Austrália, formando o grupo conhecido como Quad (Diálogo de Segurança Quadrilateral). Esta aliança oficialmente informa que "visa promover uma região Indo-Pacífico livre e aberta, além de fortalecer a cooperação em áreas como segurança marítima, infraestrutura, resiliência de cadeias de suprimentos e respostas a desastres".

Já a China vê o Quad como tentativa de contê-la. As autoridades chinesas frequentemente expressam suas preocupações de que o bloco seja militarizado e direcionado contra a China. Pequim acusa os membros do Quad de formar alianças exclusivas e de militarizar a região Indo-Pacífico, afirmando que o grupo é uma reminiscência da mentalidade da Guerra Fria e poderia desestabilizar a paz e a estabilidade regionais.

Oficiais militares chineses têm advertido que a crescente militarização e os exercícios conjuntos do Quad podem levar a uma corrida armamentista na região. Em resposta, a China tem aumentado sua presença naval no Indo-Pacífico, incluindo o estabelecimento de bases militares no exterior, como em Djibuti.

Para contrabalançar a influência do Quad, a China tem se empenhado em reforçar suas próprias alianças e parcerias regionais, como a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI). Pequim também tem intensificado seus esforços diplomáticos e econômicos em países do Sul da Ásia e do Sudeste Asiático.

Duas potências asiáticas

Xinhua - Modi e Xi

A China e a Índia se destacam como as maiores potências da Ásia, com vastas populações, economias em crescimento e influência significativa na política regional e global. Mas diferem em vários aspectos, desde suas abordagens políticas até suas capacidades militares e econômicas.

A China é a segunda maior economia do mundo, com um PIB de aproximadamente US$ 14 trilhões. O crescimento econômico chinês tem sido impulsionado por uma combinação de industrialização rápida, investimentos em infraestrutura e uma política de exportação agressiva.

O país é um importante centro de manufatura global, produzindo uma ampla gama de produtos, desde eletrônicos até têxteis. A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) da China busca expandir sua influência econômica global através de investimentos em infraestrutura em diversos países.

A Índia, por sua vez, é a quinta maior economia do mundo, com um PIB de cerca de US$ 2,9 trilhões. O crescimento econômico indiano é impulsionado por uma forte base de serviços, especialmente em tecnologia da informação e serviços terceirizados.

Embora a economia indiana seja diversificada, ela enfrenta desafios significativos, como infraestrutura insuficiente e desigualdade socioeconômica. Iniciativas como o "Make in India" visam transformar o país em um centro de manufatura, atraindo investimentos estrangeiros e aumentando a produção interna.

Capacidade Militar

A China possui o maior exército permanente do mundo, o Exército de Libertação Popular (ELP), com cerca de 2 milhões de soldados. O país tem feito grandes investimentos em modernização militar, incluindo o desenvolvimento de tecnologia avançada, como mísseis balísticos, aeronaves stealth e sistemas de defesa cibernética. A presença militar chinesa no Mar do Sul da China e suas bases militares no exterior, como em Djibuti, refletem sua crescente capacidade de projeção de poder.

A Índia possui o segundo maior exército permanente do mundo, com cerca de 1,4 milhão de soldados. O país também está investindo na modernização de suas forças armadas, com aquisições de equipamentos modernos de países como Rússia, França e Estados Unidos. A Índia tem uma presença significativa no Oceano Índico, com uma forte marinha que busca proteger suas rotas marítimas e interesses regionais.

Diplomacia

Wikimedia Commons - (da esquerda) O Presidente do Brasil, Lula da Silva, o Presidente da China, Xi Jinping, o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o Primeiro-Ministro da Índia, Narendra Modi, e o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, em uma foto de família durante a Reunião de Retiro dos Líderes do BRICS, em Joanesburgo, na África do Sul, em 22 de agosto de 2023.

A China exerce uma influência significativa em organizações internacionais como as Nações Unidas, onde é um membro permanente do Conselho de Segurança. A política externa chinesa é caracterizada por sua abordagem assertiva em questões territoriais, como no Mar do Sul da China e Taiwan. A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) é um exemplo da tentativa da China de expandir sua influência global através de investimentos econômicos e diplomáticos.

A Índia é um ator chave em fóruns regionais e internacionais, como a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e os BRICS. A política externa indiana busca um equilíbrio entre manter boas relações com grandes potências como os EUA e Rússia, ao mesmo tempo em que fortalece laços com vizinhos regionais.

Enquanto a China adota uma diplomacia assertiva e expansiva com foco em sua soberania e influência econômica global, a Índia busca um equilíbrio entre cooperação regional, desenvolvimento econômico e defesa de seus interesses nacionais. Ambas as nações, através de suas distintas filosofias diplomáticas, continuam a moldar a dinâmica geopolítica da Ásia e do mundo, influenciando tendências regionais e globais de maneiras únicas.

Duas civilizações antigas

A relação histórica entre China e Índia é rica e multifacetada, marcada por intercâmbios culturais, religiosos e econômicos, e também por rivalidades e desentendimentos. Questões e eventos importantes da história antiga moldaram as interações entre essas duas grandes civilizações, deixando um legado duradouro.

O Budismo, originado na Índia por volta do século VI a.C., foi introduzido na China através da Rota da Seda por monges e comerciantes indianos. Este intercâmbio teve um impacto profundo na cultura e religião chinesas. Monges chineses como Xuanzang e Faxian viajaram para a Índia para estudar textos budistas e trazer de volta escrituras, fortalecendo ainda mais os laços culturais e religiosos entre os dois países.

A tradução de textos budistas do sânscrito para o chinês foi uma atividade significativa que envolveu muitos estudiosos indianos e chineses. Kumarajiva, um monge budista de origem indiana, foi um dos tradutores mais influentes, contribuindo para a disseminação do Budismo na China.

A Rota da Seda foi uma rede de rotas comerciais que conectava o Oriente e o Ocidente, facilitando o comércio de bens como seda, especiarias, pedras preciosas e outras mercadorias entre a China e a Índia. Este comércio não só trouxe prosperidade econômica, mas também promoveu o intercâmbio cultural e tecnológico entre as duas civilizações.

Através das rotas comerciais, a China e a Índia trocaram conhecimentos em áreas como astronomia, matemática, medicina e filosofia. Este intercâmbio de ideias e tecnologias ajudou a enriquecer ambas as civilizações, promovendo um desenvolvimento mútuo.

Durante os períodos dos impérios Maurya na Índia e Han na China, houve interações diplomáticas e rivalidades. Os registros históricos mencionam embaixadas enviadas entre os dois impérios. A rivalidade entre reinos regionais, como os Kushans na Índia e os Han na China, também influenciou as relações bilaterais. Os Kushans, por exemplo, dominaram partes do noroeste da Índia e áreas que hoje fazem parte do Afeganistão e da Ásia Central, regiões de interesse para ambos os impérios.

A arte budista indiana influenciou significativamente a escultura e a pintura chinesas, especialmente durante a Dinastia Tang, quando o Budismo estava em seu auge na China. Stupas e templos construídos na China mostram a influência da arquitetura indiana, enquanto estilos artísticos chineses também influenciaram a arte budista na Índia.

Textos filosóficos e literários foram traduzidos e trocados entre os estudiosos dos dois países. O pensamento indiano sobre temas como metafísica e ética influenciou a filosofia chinesa, e vice-versa. Este intercâmbio intelectual contribuiu para o enriquecimento cultural de ambas as civilizações.

A riqueza e a complexidade dessas interações históricas continuam a ser uma base importante para o entendimento mútuo e a cooperação futura.

 

 

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