Em boa parte do mundo, a palavra “sindicato” remete à disputa entre patrões e empregados, greves e enfrentamentos políticos. Na China, o significado é outro. Lá, o sindicalismo foi construído dentro de um modelo socialista que busca o equilíbrio entre crescimento econômico, estabilidade e melhoria da qualidade de vida.
Em vez de oposição, os sindicatos chineses atuam como parte do Estado — um sistema que, apesar das diferenças culturais e políticas, ajudou o país a retirar centenas de milhões de pessoas da pobreza nas últimas décadas.
Te podría interesar
O sindicato único e o papel da ACFTU
Na China, há apenas uma organização sindical oficialmente reconhecida: a Federação Chinesa de Sindicatos (All-China Federation of Trade Unions – ACFTU).
Com mais de 300 milhões de filiados espalhados por 1,7 milhão de sindicatos de base, ela é considerada a maior organização sindical do mundo. Todos os sindicatos de empresas privadas, estatais ou locais estão vinculados à ACFTU, que responde diretamente ao Partido Comunista Chinês (PCCh).
Te podría interesar
A Lei dos Sindicatos da República Popular da China define o papel dessas entidades: defender os direitos dos trabalhadores, promover boas condições de trabalho e integrar as necessidades da classe trabalhadora ao plano de desenvolvimento nacional.
Os sindicatos participam da formulação de leis trabalhistas, fiscalizam empresas e oferecem serviços de mediação, capacitação e assistência social. Essa atuação é mais administrativa e integradora do que combativa — o foco é garantir harmonia entre empresa e trabalhador, e não criar rupturas.
A visão de Xi Jinping sobre os sindicatos: ponte entre o Partido e o povo
Para o presidente chinês Xi Jinping, os sindicatos são mais do que estruturas de representação trabalhista — são parte estratégica do projeto nacional chinês. Em diversos discursos, ele tem reiterado que o sindicalismo deve atuar como uma “ponte e vínculo entre o Partido Comunista e os trabalhadores”, ajudando a fortalecer a coesão social e a estabilidade econômica.
Durante a cerimônia de comemoração dos 100 anos da ACFTU, em abril deste ano, Xi destacou que “o estatuto e o papel da classe trabalhadora não podem ser abalados”, independentemente das transformações históricas ou econômicas. Ele descreveu os sindicatos como “pilares sociais do poder estatal socialista”, com a missão de proteger os direitos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, contribuir para o desenvolvimento nacional.
Em outubro de 2023, Xi já havia reforçado que os comitês do PCCh em todos os níveis devem fortalecer a liderança sobre o trabalho sindical, garantindo que os dirigentes sindicais estejam alinhados às metas do Estado e capazes de atender às demandas reais dos trabalhadores. Segundo ele, a modernização chinesa só será sustentável se estiver “enraizada no bem-estar material e espiritual do povo”.
O presidente da China também tem enfatizado a necessidade de inovação nos sindicatos, pedindo que essas instituições se aproximem mais da base, oferecendo serviços, mediação e formação profissional. Xi tem usado a expressão “orientar o trabalho sindical em direção ao trabalhador”, defendendo que o foco das reformas deve ser a melhoria concreta das condições de vida, e não o confronto político.
Essa visão se alinha à tradição histórica do PCCh, que desde a Revolução de 1949 concebe os sindicatos como parte integrante do sistema socialista. Em um discurso de 2018 à nova liderança da ACFTU, Xi declarou que “o movimento dos trabalhadores é parte da causa do Partido” e que a mobilização sindical deve contribuir com o “novo período histórico do socialismo com características chinesas”.
Ao longo de seus pronunciamentos, Xi reafirma que os trabalhadores são a base mais sólida e confiável do PCCh, e que os sindicatos têm a responsabilidade de garantir que os frutos do crescimento econômico sejam distribuídos de forma justa. Na sua concepção, o sindicalismo chinês não é instrumento de oposição, mas engrenagem do desenvolvimento coletivo, que une produtividade, estabilidade e bem-estar social.
Raízes históricas: do socialismo industrial à economia digital
O sindicalismo chinês nasceu junto com a Revolução de 1949. Com o fim da dominação colonial e a fundação da República Popular, o novo governo estabeleceu que o trabalho seria o centro da construção nacional. O sindicato, portanto, passou a ser um elo entre o Estado e o povo — um instrumento de organização coletiva e de distribuição dos frutos do crescimento.
Ao longo das décadas, essa estrutura foi se adaptando. Com as reformas econômicas de Deng Xiaoping nos anos 1980, a China abriu espaço ao setor privado e estrangeiro, mas manteve o papel central da ACFTU.
Hoje, o sindicalismo chinês é um pilar da economia mista socialista, coexistindo com grandes empresas privadas e plataformas digitais — sempre dentro de um marco regulatório que busca estabilidade social e planejamento de longo prazo.
O foco nas condições materiais e não no confronto político
Enquanto o sindicalismo ocidental se estruturou em torno da luta por direitos civis e disputas políticas, o modelo chinês prioriza resultados concretos. O foco está na melhoria das condições de vida — salários, habitação, educação e saúde — dentro de um projeto de desenvolvimento coletivo.
O Conselho de Estado da China tem publicado diretrizes para fortalecer sindicatos de base e ampliar a cobertura a novas categorias. Em 2024, o documento “Opiniões sobre aprofundar a reforma da construção da equipe de trabalhadores industriais” propôs reforçar a atuação sindical em novos setores, como logística, aplicativos e comércio eletrônico.
Entre 2021 e 2024, foram criados 37,6 mil novos sindicatos locais, muitos deles voltados a trabalhadores de plataforma — uma categoria que, em outros países, enfrenta precarização e ausência de direitos.
Renda, estabilidade e proteção social
O resultado desse modelo é perceptível em números. Segundo o Departamento Nacional de Estatísticas da China, o salário médio anual alcançou 120.698 yuan em 2023, o equivalente a cerca de R$ 85 mil por ano. Foi um aumento de quase 6% em relação a 2022, mesmo num cenário global de desaceleração. Cidades como Xangai e Shenzhen têm hoje alguns dos salários mínimos mais altos da Ásia.
O governo também promove reajustes periódicos para o funcionalismo e políticas que ampliam o bem-estar: seguro de saúde universal, aposentadoria pública e subsídios habitacionais.
Enquanto países que seguiram reformas neoliberais enfrentam desemprego estrutural e perda de direitos, a China mantém taxas de emprego urbano acima de 95%, com ênfase em qualificação e inovação tecnológica.
O novo trabalhador de plataforma
Um dos maiores desafios atuais é a regulamentação do trabalho por aplicativos. O país tem cerca de 200 milhões de trabalhadores de plataforma, segundo estimativas do Ministério dos Recursos Humanos e da ACFTU. Esses profissionais atuam em entregas, transporte e tarefas digitais, e vêm sendo incorporados à estrutura sindical por meio de novas regras.
Nos últimos anos, o governo publicou normas obrigando empresas como Meituan e Didi a garantir remuneração mínima, pausas regulares e seguro contra acidentes. A ACFTU supervisiona a implementação dessas políticas e mantém canais de denúncia e mediação, buscando equilibrar a eficiência das plataformas com a proteção social do trabalhador digital.
Comparando com o Brasil
O Brasil tem um sistema sindical plural, com centenas de sindicatos e várias centrais, como CUT e Força Sindical. Mas após a reforma trabalhista de 2017, que acabou com a contribuição obrigatória, o sindicalismo brasileiro perdeu força: hoje, menos de 10% dos trabalhadores estão sindicalizados, segundo o IBGE.
A diferença é estrutural.
Na China, os sindicatos fazem parte do Estado e são financiados por ele; no Brasil, são independentes, mas economicamente enfraquecidos. O modelo chinês prioriza coesão social e redistribuição via políticas públicas, enquanto o modelo brasileiro depende de negociações pontuais, num mercado marcado pela informalidade e alta rotatividade.
Um modelo alternativo à precarização global
Em tempos de plataformas digitais, automação e fragmentação do trabalho, o sindicalismo chinês oferece um caminho alternativo ao neoliberalismo. Em vez de flexibilizar leis e enfraquecer sindicatos, a China integrou o trabalho à sua estratégia de desenvolvimento.
O resultado é um país com a maior classe média do mundo, salários crescentes e segurança econômica para a maioria dos trabalhadores. O sindicalismo chinês, portanto, não se mede pela quantidade de greves, mas pela qualidade de vida que ajuda a garantir.
Enquanto boa parte do Ocidente enfrenta desemprego, desigualdade e precarização, a China mostra que é possível modernizar sem abandonar o trabalhador — e crescer sem dividir o país.