Em meio à escalada da guerra comercial entre China e Estados Unidos — e à expectativa de um possível encontro entre Xi Jinping e Donald Trump na Coreia do Sul, previsto para o dia 30 de outubro —, os holofotes do mundo se voltam para as equipes de negociadores das duas maiores economias do planeta.
Segundo a Reuters, seis autoridades de alto escalão — três de cada país — desembarcam nesta sexta-feira (24) em Kuala Lumpur, capital da Malásia, para preparar o terreno para o encontro entre os dois líderes.
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Do lado dos Estados Unidos, participam o secretário do Tesouro Scott Bessent, o representante comercial Jamieson Greer e o secretário de Comércio Howard Lutnick.
Já pela China, estarão presentes o vice-premiê He Lifeng, o negociador-chefe de comércio internacional Li Chenggang e o ministro do Comércio Wang Wentao.
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Esses representantes lideram um esforço diplomático decisivo para tentar conter a escalada tarifária e estabilizar as relações econômicas entre as duas potências — em um momento em que qualquer impasse pode ter impacto direto sobre a economia global.
Personagem de destaque: Li Chenggang
Entre os nomes das equipes de negociação, Li Chenggang desponta como uma das figuras mais comentadas do momento. O diplomata chinês ganhou destaque após se tornar alvo de duras críticas de Scott Bessent, que o acusou de agir de forma “desequilibrada” e de ameaçar “liberar o caos” no sistema global durante uma visita não autorizada a Washington, em 28 de agosto.
Em coletiva realizada no dia 15 de outubro, Bessent afirmou que Li “apareceu sem convite” e usou uma “linguagem incendiária”, chegando a ironizá-lo como um “guerreiro-lobo” — expressão usada para definir diplomatas chineses de postura assertiva e nacionalista.
As declarações vieram em meio à escalada das tensões sobre as novas restrições chinesas à exportação de terras raras e minerais críticos, insumos vitais para a indústria tecnológica dos EUA.
Poucos dias depois, em 20 de outubro, Li foi removido do cargo de embaixador da China junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), movimento que consolidou sua transição para o posto de negociador-chefe de comércio internacional. Desde abril ele já era o negociador com Washington.
Contrariando interpretações publicadas na imprensa ocidental, Li não foi afastado nem rebaixado — ao contrário, a mudança representou uma promoção dentro da estrutura do governo chinês, tornando-o o principal articulador de Pequim nas negociações com Washington e também no comércio mundial e uma das figuras mais observadas da atual guerra econômica entre as duas potências.
Efeito Trump e a ascensão de Li Chenggang
Li ganhou projeção nas negociações sino-americanas ao assumir oficialmente o papel de negociador-chefe com Washington em 16 de abril. Sua nomeação ocorreu poucos dias após o chamado “Dia da Libertação” (Liberation Day), em 2 de abril, quando Donald Trump lançou um amplo pacote de tarifas e sanções comerciais contra diversos países, incluindo China, União Europeia e México.
Apresentadas pela Casa Branca como parte de um plano de “reindustrialização nacional” e de “libertação econômica dos EUA da dependência estrangeira”, as medidas impuseram sobretaxas de até 100% sobre importações estratégicas como aço, semicondutores, automóveis e produtos tecnológicos. Na prática, o pacote reabriu a guerra comercial global, ampliou as tensões com Pequim e desafiou diretamente os fundamentos do sistema multilateral de comércio.
Foi nesse contexto que Pequim escolheu Li — um diplomata veterano e ex-embaixador da China na OMC — para conduzir sua resposta diplomática e jurídica à ofensiva de Washington.
Li Chenggang: o novo rosto da diplomacia comercial chinesa
Nascido em fevereiro de 1967, na província de Anhui, Li é formado em Direito pela Universidade de Pequim e possui mestrado em Economia do Direito pela Universidade de Hamburgo, na Alemanha. Com esse perfil técnico e jurídico, construiu uma trajetória sólida no Ministério do Comércio, atuando em temas de tratados internacionais, comércio justo e defesa comercial.
Com mais de três décadas de carreira, Li participou de investigações antidumping, negociações comerciais complexas e políticas de proteção à indústria chinesa. Entre 2021 e 2025, foi embaixador da China na OMC, em Genebra, onde ganhou reputação por sua postura firme diante das tarifas e sanções impostas pelos EUA e seus aliados ocidentais.
Em abril deste ano, Li Chenggang foi nomeado negociador-chefe da China para as tratativas bilaterais com Washington e também promovido a vice-ministro do Comércio, com status equivalente ao de ministro.
Já em outubro, ele foi oficialmente exonerado do cargo de embaixador da China na OMC para assumir de forma integral a função de negociador-chefe de comércio internacional, responsável por coordenar todas as frentes de diálogo comercial da China no cenário global — uma posição estratégica no epicentro da guerra econômica entre Pequim e Washington.
Uma nova estratégia chinesa
A ascensão de Li Chenggang reflete uma mudança de enfoque na política externa chinesa. Diferentemente de diplomatas mais políticos, Li adota uma abordagem técnico-jurídica, priorizando o uso do direito internacional como instrumento de disputa e resistência frente ao protecionismo dos EUA.
Durante seus anos na OMC, destacou-se pela argumentação legal precisa e pelo domínio das normas multilaterais, defendendo a China em contenciosos de alta complexidade. Em fevereiro deste ano, criticou abertamente os Estados Unidos durante uma reunião da organização, acusando Washington de aplicar tarifas unilaterais e arbitrárias. Pouco depois, Pequim apresentou nova queixa formal à OMC, reforçando sua estratégia de levar o conflito para o campo jurídico.
Assim, Li Chenggang personifica uma nova geração de negociadores chineses — pragmáticos, preparados e discretos — que buscam transformar o embate comercial com os EUA em uma disputa de legitimidade e de regras no sistema internacional.