CHINA EM FOCO

Como Xi Jinping adulou Trump e saiu mais forte do encontro em Busan

Com elogios, metáforas e gestos calculados, o líder chinês explorou a vaidade do republicano para obter concessões econômicas e projetar a China como potência estável e cooperativa

Como Xi Jinping adulou Trump e saiu mais forte do encontro em Busan.Com elogios, metáforas e gestos calculados, o líder chinês explorou a vaidade do republicano para obter concessões econômicas e projetar a China como potência estável e cooperativaCréditos: Xinhua
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Xi Jinping e Donald Trump voltaram a se encontrar pessoalmente pela primeira vez desde 2019, em um reencontro aguardado e cercado de expectativas. A reunião, realizada nesta quinta-feira (30) em Busan, na Coreia do Sul, foi o primeiro diálogo direto entre os líderes das duas maiores economias do mundo desde que o republicano retornou à Casa Branca.

O encontro durou cerca de 90 minutos e resultou em uma trégua comercial de um ano. Washington prometeu reduzir tarifas sobre produtos chineses, enquanto Pequim manterá o fornecimento de terras raras — materiais estratégicos para a indústria global.

Diplomacia e estilos opostos

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A condução do encontro revelou o contraste entre os estilos diplomáticos de Pequim e Washington. Enquanto os chineses agem com cautela, estratégia e foco em resultados concretos, os estadunidenses preferem gestos grandiosos e declarações voltadas ao público interno.

De um lado, Xi Jinping se apoia nos princípios de igualdade soberana, multilateralismo e pragmatismo, pilares da Iniciativa de Governança Global (GGI). Do outro, Donald Trump mantém a linha do “America First”, marcada pelo nacionalismo econômico e pela defesa de interesses imediatos dos Estados Unidos.

A tática de adular Trump

Durante o reencontro em Busan, Xi adotou um discurso cuidadosamente construído para atingir o ponto mais sensível de Trump: sua vaidade. O presidente chinês combinou elogios, metáforas simbólicas e gestos de camaradagem para criar um clima de parceria e reconhecimento mútuo — algo que o republicano valoriza profundamente.

De acordo com o comunicado do Ministério das Relações Exteriores da China, Xi iniciou sua fala com uma frase incomum na diplomacia de Pequim: “Você e eu estamos no comando das relações sino-americanas.” 

A declaração rompe com o tom impessoal típico da política externa chinesa e espelha a autoimagem de Trump — a de um líder forte e autônomo, capaz de resolver impasses sozinho. 

Ao se colocar lado a lado com Trump, Xi o elevou simbolicamente ao mesmo patamar, criando a sensação de dois “capitães do mesmo navio” conduzindo o destino das duas maiores economias do planeta.

Metáforas e espelhamentos para conquistar Trump

Em outro momento, Xi usou uma metáfora marítima para reforçar essa ideia de liderança compartilhada.

“Diante de ventos, ondas e desafios, devemos manter o rumo correto, navegar por esse cenário complexo e garantir o avanço estável do grande navio das relações China-EUA.” 

A imagem evoca coragem e perseverança — qualidades que Trump admira e associa à sua própria trajetória pública. O líder chinês, conhecido por sua linguagem comedida, ajustou o tom para falar na mesma frequência emocional do republicano, despertando empatia e identificação.

Xi também reforçou o protagonismo dos dois líderes ao dizer que, “sob a orientação conjunta de ambos, as relações entre China e Estados Unidos permaneceram, em geral, estáveis.” 

A escolha do termo “ambos” não é casual: ela coloca Trump no mesmo nível de autoridade e responsabilidade global, uma forma sutil de bajulação que reforça a ideia de uma “dupla liderança mundial”.

Mais adiante, Xi fez um movimento ainda mais habilidoso ao afirmar que o desenvolvimento da China “anda de mãos dadas com a visão de tornar a América grande novamente.” 

A menção direta ao slogan “Make America Great Again” foi um gesto diplomático de precisão cirúrgica. Sem endossar o nacionalismo de Trump, Xi transformou o bordão em ponto de convergência simbólica, sugerindo que o sucesso chinês pode coexistir com o estadunidense.

A China confiante e cooperativa

Além da retórica voltada à diplomacia psicológica, Xi aproveitou o discurso para projetar a autoconfiança econômica da China. Ele destacou que, “nos três primeiros trimestres deste ano, a economia chinesa cresceu 5,2%, e o comércio exterior aumentou 4%.” E comparou o país a “um vasto oceano, grande, resiliente e promissor”, capaz de resistir a qualquer tempestade.

Xi também lembrou que, durante a quarta sessão plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), foi aprovada a elaboração do 15º Plano Quinquenal — documento que define as diretrizes econômicas e sociais para os próximos cinco anos. Segundo ele, essa continuidade demonstra a estabilidade e o planejamento de longo prazo do país.

“Ao longo de sete décadas, a China vem trabalhando geração após geração para transformar esse plano em realidade. Não temos intenção de desafiar ou substituir ninguém; nosso foco sempre foi cuidar bem dos nossos próprios assuntos, aperfeiçoar-nos e compartilhar oportunidades de desenvolvimento com todos os países.”

O presidente chinês garantiu que o país continuará profundando reformas, ampliando a abertura e promovendo um crescimento de alta qualidade, com foco em prosperidade comum e avanços humanos — fatores que, segundo ele, também “abrirão mais espaço para cooperação entre China e Estados Unidos”.

Diálogo, pragmatismo e poder simbólico

Xi ainda defendeu que o relacionamento econômico deve continuar sendo “a âncora e a força motriz das relações China-EUA, não um obstáculo.” 

O tom pragmático e conciliador se repete quando ele afirma que “o diálogo é melhor do que o confronto”, defendendo a ampliação da comunicação entre os dois países em temas como inteligência artificial, combate ao tráfico de fentanil, imigração ilegal, fraudes de telecomunicações e doenças infecciosas.

Encerrando sua fala, Xi fez um apelo simbólico à cooperação global.

“China e Estados Unidos podem assumir juntos suas responsabilidades como grandes potências e trabalhar lado a lado para realizar coisas concretas em benefício dos nossos países e do mundo.” 

Ele também propôs que ambos apoiem mutuamente os próximos encontros multilaterais — a APEC 2026, sediada pela China, e o G20, que será realizado nos Estados Unidos — como forma de “promover o crescimento econômico mundial e aprimorar a governança global”.

Xi, o estrategista

Com essa combinação de elogios, metáforas e espelhamentos ideológicos, Xi praticou uma forma refinada de diplomacia psicológica. Em vez de confrontar Trump, canalizou sua necessidade de reconhecimento, deixando-o confortável o suficiente para proclamar o encontro como uma vitória pessoal.

Na prática, Trump saiu celebrando o acordo, enquanto Xi garantiu concessões concretas — redução de tarifas, adiamento de sanções e uma trégua comercial — sem abrir mão de poder político.

Xi demonstrou compreender a natureza performática de Trump e a transformou em vantagem estratégica. Ao tratá-lo como “igual”, exaltá-lo como “amigo” e até adotar sua própria retórica, o líder chinês converteu o narcisismo do adversário em instrumento de negociação, projetando a China como parceira indispensável e reafirmando seu papel de estadista pragmático e calculista no cenário global.

O que ficou decidido

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O encontro produziu um pacote de medidas para aliviar as tensões entre as duas potências. Os Estados Unidos cancelaram a “tarifa do fentanil”, de 10%, e suspenderam por um ano tarifas de 24% sobre produtos chineses. A China, em resposta, ajustará suas tarifas sobre bens americanos.

Washington também adiará por um ano uma regra que ampliava a lista de empresas chinesas proibidas de receber tecnologia dos EUA. Pequim suspenderá por igual período suas restrições de exportação.

Outros pontos do acordo incluem cooperação no combate ao tráfico de fentanil, aumento das compras chinesas de produtos agrícolas dos EUA e a discussão de uma solução para o caso do TikTok.

A astúcia de Xi Jinping

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Ao explorar o poder da China sobre exportações de terras raras e compras de soja dos EUA, Xi obteve redução de tarifas, suspensão de sanções e adiamento de restrições a empresas chinesas. Além disso, conseguiu que ambos os lados prorrogassem a trégua tarifária firmada no início do ano.

Analistas apontam que Pequim saiu fortalecida, demonstrando que pode responder “golpe por golpe” e ainda assim forçar Washington a recuar. Xi, por outro lado, deixou que Trump vendesse o acordo como um triunfo interno, especialmente para seu eleitorado rural.

De acordo com análise do The New York Times, o pacto favorece mais a China, pois restabelece o cenário anterior à guerra comercial e mantém o controle chinês sobre insumos estratégicos. A ausência de menções a Taiwan no comunicado chinês também foi vista como sinal de trégua diplomática temporária.

A soja como símbolo do encontro

A retomada das compras de soja dos EUA pela China tornou-se o principal símbolo da vitória política que Xi entregou a Trump em Busan. O compromisso chinês de voltar a importar entre 12 e 25 milhões de toneladas de soja por ano durante os próximos três anos permitiu ao republicano apresentar o acordo como um sucesso diplomático e econômico, especialmente diante de seu eleitorado rural — um público estratégico para sua base de apoio.

Ao afirmar que “os fazendeiros americanos estarão muito felizes”, Trump buscou transformar a decisão de Pequim em combustível político interno, reforçando sua imagem de protetor do agronegócio e defensor dos trabalhadores do campo. Para estados agrícolas como Iowa, Wisconsin e Nebraska, duramente atingidos pela guerra comercial, o gesto chinês soou como uma redenção e uma prova de que Trump teria “dobrado” Pequim.

Na realidade, porém, trata-se de uma concessão calculada de Xi. Retomar parcialmente as importações de soja dos EUA não representa custo econômico relevante para a China, que continua diversificando seus fornecedores.

O benefício, nesse caso, é político: ao permitir que Trump ecoe uma “vitória nacional” sem abrir mão de reformas ou compromissos estruturais, Xi fortalece sua própria posição como líder racional e pragmático, capaz de apaziguar o confronto sem perder autoridade.

Com um gesto de baixo custo e alto valor simbólico, Xi deu a Trump o que ele mais precisava — um triunfo narrativo para o público doméstico. Enquanto o republicano colhe dividendos eleitorais com a promessa de empregos e prosperidade no campo, a China sai da mesa de negociações fortalecida, mantendo seus interesses estratégicos intactos e mostrando ao mundo que é capaz de administrar tensões com diplomacia e cálculo, não com impulsos.

Um jogo de egos e resultados

O encontro de Busan simboliza uma pausa temporária na rivalidade sino-americana, mas a estabilidade ainda é frágil. Xi demonstrou dominar o “jogo de egos”, adaptando seu discurso para transformar a vaidade de Trump em vantagem estratégica.

Ao tratar o republicano como “amigo” e “igual”, Xi consolidou sua imagem de estadista pragmático, capaz de negociar de igual para igual com Washington — e de usar o estilo teatral de Trump para projetar a força da China no cenário global.

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