Na visão de Xi Jinping, “o mundo está passando por um período de mudanças rápidas e turbulentas”, e os países precisam escolher entre “cooperação ou retorno à lei da selva”.
Essa leitura sobre a conjuntura global — repetida por Xi desde 2021 e presente em documentos oficiais do 20º Congresso do Partido Comunista da China (PCCh) — consolidou-se como um dos mantras centrais da diplomacia chinesa contemporânea.
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Mais do que uma frase de efeito, ela expressa a interpretação de Pequim de que o mundo atravessa um rearranjo histórico profundo: potências tradicionais perdem influência, novos polos de poder emergem, cadeias produtivas se reconfiguram e crises ambientais e tecnológicas redefinem a globalização.
Dois discursos, uma mesma mensagem
Xi Jinping fez dois discursos distintos na Cúpula da APEC de 2025, ambos em Gyeongju, na Coreia do Sul, mas voltados a públicos diferentes.
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O discurso escrito, destinado à Cúpula de CEOs da APEC, tinha um caráter econômico e empresarial. Nele, Xi apresentou uma China otimista, aberta e previsível, “aliada confiável do livre-comércio e da estabilidade das cadeias globais de suprimento”.
Reafirmou o compromisso do país com o multilateralismo e destacou as oportunidades oferecidas por seu vasto mercado interno, suas inovações tecnológicas e sua transição para uma economia verde e digital.
Já o discurso presencial, proferido durante a 32ª Reunião de Líderes Econômicos da APEC, teve um tom mais político e diplomático. Xi afirmou que “quanto mais agitadas as águas, mais precisamos remar juntos” e alertou que a região vive “um momento de mudanças rápidas e de crescente instabilidade internacional”.
O líder chinês pediu que os países mantenham fidelidade à missão fundadora da APEC — “promover o crescimento econômico e melhorar a vida das pessoas” — e defendam um desenvolvimento aberto e inclusivo.
“Enquanto o hegemonismo causa apenas guerra e desastre, a equidade e a justiça garantem a paz e o desenvolvimento globais. Enquanto a confrontação e o antagonismo geram apenas distanciamento e turbulência, a cooperação ganha-ganha é o caminho correto. Enquanto o unilateralismo precipita divisão e retrocesso, o multilateralismo é a opção viável para enfrentar os desafios globais.”
Essas declarações sintetizam o posicionamento da China como defensora de uma ordem multipolar, guiada pela cooperação e pela interdependência, em contraposição à lógica de blocos fechados e disputas hegemônicas.
As propostas de Xi para a APEC
Durante o discurso aos líderes, Xi apresentou cinco propostas para orientar a cooperação econômica e política da Ásia-Pacífico:
- Proteger a paz e a estabilidade, garantindo igualdade entre os países e a resolução de conflitos por meio do diálogo.
- Fortalecer a abertura e a conectividade, defendendo o sistema multilateral de comércio centrado na OMC e cadeias globais seguras e previsíveis.
- Manter cadeias produtivas estáveis, incentivando a integração regional e a interdependência econômica.
- Promover a transformação digital e verde do comércio, com foco em inovação tecnológica e sustentabilidade.
- Expandir o desenvolvimento inclusivo, colocando as pessoas no centro das políticas públicas e reduzindo desigualdades regionais.
“Devemos promover uma globalização econômica inclusiva, sustentável e benéfica para todos os povos”, afirmou Xi, ao reforçar o conceito de uma comunidade Ásia-Pacífico de destino compartilhado.
Xi também reafirmou o compromisso da China com a abertura de mercado: o país possui a lista negativa de investimentos estrangeiros mais reduzida da história, mantém 22 zonas-piloto de livre comércio e continua expandindo o acesso ao seu setor de serviços.
“A porta da China para o mundo não se fechará; ela se abrirá cada vez mais. Avançar junto com a China é avançar com as oportunidades do mundo.”
Encontros bilaterais de Xi Jinping
Às margens da Cúpula da APEC, Xi Jinping realizou uma série de encontros bilaterais com líderes da Ásia e do Ocidente, reforçando o papel da China como ator central nas relações regionais e na reconstrução do diálogo diplomático global.
Em reunião com a primeira-ministra do Japão, Sanae Takaichi, Xi afirmou que o “desenvolvimento saudável e estável das relações China–Japão atende às expectativas dos povos dos dois países e da comunidade internacional”.
Ele propôs trabalhar com Tóquio para “salvaguardar a base política das relações bilaterais” e avançar em uma “relação estratégica de benefício mútuo e estável, adequada à nova era”, num gesto de distensão após anos de tensão geopolítica.
Com o primeiro-ministro da Tailândia, Anutin Charnvirakul, Xi expressou condolências pela morte da rainha-mãe Sirikit e descreveu os dois países como “bons vizinhos, bons amigos, bons parentes e bons parceiros”.
O líder chinês defendeu o aprofundamento da comunidade China–Tailândia de futuro compartilhado, destacando o apoio mútuo à modernização e à prosperidade regional.
Xi também se reuniu com o primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, num encontro que simbolizou o início de uma reaproximação diplomática.
Segundo ele, as relações entre China e Canadá estão “começando a se recuperar e melhorar”, e Pequim trabalhará com Ottawa para “restaurar os laços no caminho do desenvolvimento sólido, estável e sustentável”, em benefício mútuo das duas populações.
Esses encontros bilaterais mostraram o esforço de Xi para reconstruir pontes diplomáticas e reafirmar a estratégia chinesa de cooperação mútua — um contraponto ao clima de rivalidade que marcou a presença de Donald Trump na mesma cúpula.
O giro diplomático de Trump pela Ásia
Enquanto Xi defendia integração e multilateralismo, Trump realizava um giro diplomático pela Ásia, com paradas na Malásia, Japão e Coreia do Sul.
O reencontro entre os dois líderes — o primeiro em seis anos — ocorreu em Busan, simbolizando a reabertura de canais diretos de negociação entre as duas maiores potências do planeta em um contexto de rivalidade crescente.
Trump participou da 47ª Cúpula da ASEAN, em Kuala Lumpur (26 e 27 de outubro), onde firmou acordos comerciais com Malásia e Camboja e avançou em tratativas com Tailândia e Vietnã para diversificar cadeias produtivas e garantir acesso a minerais estratégicos.
Em Tóquio (27 a 29 de outubro), reuniu-se com a nova primeira-ministra do Japão, Sanae Takaichi, discutindo cooperação militar, redução tarifária e inovação tecnológica — reforçando o eixo Washington–Tóquio.
A etapa final ocorreu na Coreia do Sul (29 e 30 de outubro), onde Trump se encontrou com Xi Jinping e participou da Cúpula da APEC, sem discursar na plenária principal e deixando o evento antes do encerramento.
Em Busan, anunciou um acordo de transferência de tecnologia de submarinos nucleares à Coreia do Sul, parte de sua estratégia para conter a influência chinesa e fortalecer a presença militar dos EUA no Indo-Pacífico.
Duas visões em disputa pela Ásia-Pacífico
A presença simultânea de Xi e Trump na região simboliza duas visões distintas de ordem mundial. De um lado, a China propõe cooperação multilateral, interdependência econômica e prosperidade compartilhada; de outro, os Estados Unidos apostam em acordos bilaterais, alianças militares e vantagens estratégicas nacionais.
Trump privilegia resultados imediatos e negociações diretas, refletindo uma diplomacia transacional e nacionalista. Já Xi aposta na integração regional e na governança cooperativa, projetando a China como liderança de um mundo multipolar.
O contraste entre ambos sintetiza o dilema da Ásia-Pacífico — e, em grande medida, do próprio século 21: seguir o caminho da cooperação e da interdependência defendido por Xi, ou o da competição e da soberania econômica promovido por Trump.