A escritora chinesa Can Xue, pseudônimo de Deng Xiaohua, é uma das principais candidatas ao Prêmio Nobel de Literatura de 2025, cujo vencedor — ou vencedora — será anunciado nesta quinta-feira (9) pela Academia Sueca, em Estocolmo.
Can Xue construiu uma obra que parece sonhar acordada. Sua escrita mistura realidade e delírio, filosofia e imaginação, num estilo simbólico e provocante. Suas histórias não seguem a lógica do cotidiano — seguem a lógica dos sonhos.
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Mesmo que o prêmio não venha, sua obra já merece ser descoberta pelo público brasileiro. Até agora, apenas um de seus livros foi publicado no país: Histórias de amor no novo milênio (Fósforo, 2025), em tradução de Verena Veludo Papacidero.
A leitura é uma ótima porta de entrada para o universo hipnótico da autora: um mosaico de mulheres em busca de prazer, liberdade e sentido num mundo caótico, entre fábricas, paixões e metamorfoses. Can Xue transforma o absurdo em poesia e o mistério em verdade, convidando o leitor a se perder — e se reencontrar — dentro de seus próprios labirintos.
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Em seus livros, aparecem temas como opressão, desejo, solidão, humor sombrio e a busca por liberdade interior. Ler Can Xue é como caminhar por um labirinto: tudo faz sentido, mas não da maneira esperada — é uma lógica diferente, mais próxima dos sonhos do que da vida cotidiana.
A “Kafka da China”
Can Xue é frequentemente chamada de “a Kafka da China”, não por imitar o escritor Franz Kafka (1883–1924, tcheco de língua alemã), mas por criar, como ele, mundos em que o real e o absurdo se misturam.
Em suas histórias, o leitor é levado a lugares onde as leis da lógica falham. Os personagens vivem situações estranhas e sufocantes, sem explicação aparente, que refletem o medo, o isolamento e a busca por sentido diante de forças invisíveis.
Essa atmosfera — entre o sonho e o pesadelo — lembra obras como O Processo e A Metamorfose, de Kafka. Mas Can Xue dá a esse sentimento uma dimensão própria, enraizando o surrealismo em questões existenciais e espirituais.
Críticos apontam que seus textos exploram o inconsciente humano em profundidade, mesclando realismo mágico, filosofia e psicologia. Embora também seja comparada a autores como Jorge Luis Borges (1899–1986, argentino) e Italo Calvino (1923–1985, italiano), Can Xue tem uma voz única — poética, desafiadora e profundamente pessoal.
Favoritismo há anos
Can Xue está entre as favoritas ao Nobel há bastante tempo. Em 2023 e 2024, ela liderou as listas de apostas em sites especializados, mas, mesmo assim, o prêmio acabou indo para outros autores.
Essas apostas funcionam como um “bolão literário”: casas britânicas como a Ladbrokes e a NicerOdds atribuem odds (cotações) aos escritores indicados. Quanto menor a odd, maiores as chances de vitória segundo os apostadores.
Em 2023, por exemplo, Can Xue aparecia com odds de 4/1 — sinal claro de favoritismo. Mas quem levou o prêmio foi o norueguês Jon Fosse, até então considerado um azarão. Em 2024, a história se repetiu: Can Xue seguia entre as favoritas, enquanto a sul-coreana Han Kang, com odds de 33/1, surpreendeu ao vencer o Nobel.
Agora, em 2025, Can Xue aparece mais abaixo no ranking, o que, curiosamente, muitos observadores veem como um bom presságio. Em várias edições, autores que caíram nas apostas acabaram vencendo — uma espécie de “virada de última hora” que já virou tradição no universo do Nobel.
Premiações e reconhecimento internacional
Can Xue começou a ser reconhecida fora da China nos anos 2000, mas foi a partir da década de 2010 que sua obra ganhou projeção mundial. Seu romance The Last Lover, publicado pela Yale University Press, venceu o Best Translated Book Award em 2015, nos Estados Unidos — prêmio que destacou sua escrita hipnótica e filosófica, capaz de misturar sonho e realidade de forma única.
Outras obras também foram amplamente celebradas. A coletânea I Live in the Slums foi finalista do International Booker Prize em 2021 e indicada ao National Book Award for Translated Literature, no mesmo ano. Já o romance Love in the New Millennium, lançado em inglês em 2018, figurou na lista longa do National Book Award em 2019 e consolidou a autora como uma das vozes mais originais da ficção contemporânea.
Além dos prêmios literários, Can Xue foi indicada ao Neustadt International Prize for Literature e ao Independent Foreign Fiction Prize em 2015 — dois dos mais importantes reconhecimentos da literatura mundial.
Quem é
Nascida em 1953, em Changsha, na província chinesa de Hunan, Can Xue é uma das vozes mais originais da literatura contemporânea da China.
Autodidata, ela trabalhou como operária de fábrica, “médica descalça” (profissional de saúde popular nos anos 1970) e costureira, antes de se dedicar integralmente à escrita. Começou a publicar em 1985 e tornou-se membro da Associação de Escritores da China em 1988. É irmã do filósofo Deng Xiaomang, professor na Universidade de Ciência e Tecnologia de Huazhong.
Doutora honoris causa pela Universidade Chinesa de Hong Kong, Can Xue é considerada a maior representante da literatura de vanguarda da China e uma das autoras chinesas mais traduzidas no exterior.
Seus romances e contos já foram publicados em países como Japão, França, Itália, Alemanha, Canadá e Estados Unidos, e são estudados em universidades como Harvard, Cornell e Columbia.
Sobre o Nobel de Literatura
O Prêmio Nobel de Literatura é uma das distinções mais prestigiadas do mundo. Criado para reconhecer autores cuja obra tenha um impacto profundo e duradouro sobre a humanidade, é concedido anualmente pela Academia Sueca, em Estocolmo, àqueles que, segundo o testamento de Alfred Nobel, produziram “a obra mais notável no campo da literatura, no sentido ideal”.
O prêmio foi instituído por Alfred Nobel (1833–1896), inventor da dinamite. Em seu testamento, Nobel determinou que sua fortuna seria usada para premiar pessoas que tivessem contribuído “para o bem da humanidade” nas áreas de Medicina, Física, Química, Paz e Literatura — com Economia adicionada em 1968.
A ideia de Nobel era valorizar não apenas o talento literário, mas também o poder humanista e universal da palavra escrita. Por isso, o prêmio celebra autores que ultrapassam fronteiras políticas, culturais e linguísticas, deixando uma marca duradoura no pensamento humano.
O processo de escolha é rigoroso e sigiloso: especialistas de todo o mundo indicam nomes, o comitê do Nobel lê e discute as obras por meses, e os registros permanecem em segredo por 50 anos. O vencedor é anunciado em outubro, e a cerimônia acontece em 10 de dezembro, aniversário da morte de Alfred Nobel.
O prêmio inclui uma medalha de ouro, um diploma e 11 milhões de coroas suecas (cerca de US$ 1,2 milhão ou R$ 6,5 milhões).
Mais do que um reconhecimento literário, o Nobel é um símbolo de relevância cultural, ética e estética. Ser premiado significa entrar para uma linhagem que reúne nomes como Gabriel García Márquez, Toni Morrison, José Saramago, Svetlana Alexievich, Orhan Pamuk e Annie Ernaux.
O Nobel também é visto como um termômetro político e cultural, frequentemente reconhecendo vozes dissidentes e autores que desafiam o poder. É nesse contexto que se insere Can Xue, cuja escrita — marcada por liberdade criativa, mistério e transgressão — simboliza a força da imaginação diante das limitações da realidade.