A China rebateu as declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que afirmou que o país estaria realizando testes secretos de armas nucleares.
Em coletiva do Ministério das Relações Exteriores realizada nesta segunda-feira (3), a porta-voz Mao Ning reiterou que a China é um Estado nuclear responsável, comprometido com o desenvolvimento pacífico e com os acordos internacionais de controle de armamentos.
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Segundo Mao, o país mantém uma política de “não ser o primeiro a usar armas nucleares” e uma estratégia voltada exclusivamente à autodefesa, respeitando a moratória global de testes em vigor há décadas.
“Estamos prontos para trabalhar com todas as partes para defender conjuntamente a autoridade do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares e salvaguardar o regime internacional de desarmamento e não proliferação”, afirmou.
A porta-voz também cobrou que Washington cumpra seus compromissos sob o tratado e mantenha a moratória de testes, adotando “ações concretas em favor do equilíbrio estratégico global e da estabilidade internacional”.
Entenda a fala de Trump
Em 30 de outubro, poucas horas antes de se reunir com Xi Jinping em Busan, Trump anunciou que havia instruído o Departamento da Guerra a retomar imediatamente os testes de armas nucleares, justificando a medida como forma de colocar os EUA “em pé de igualdade com Rússia e China”.
A fala ocorreu em meio a disputas comerciais e tecnológicas e foi vista como um sinal estratégico antes do encontro com Xi, ampliando a tensão em torno da política nuclear e das negociações bilaterais sobre terras raras.
No mesmo dia, o tema chegou ao Congresso dos Estados Unidos, durante a audiência de confirmação do vice-almirante Richard Correll, indicado para comandar o United States Strategic Command (STRATCOM).
Questionado por senadores sobre as declarações de Trump acerca da retomada de testes nucleares, Correll negou que haja planos para explosões nucleares e afirmou que, até onde se sabe, nem a China nem a Rússia conduzem testes desse tipo — “o último teste publicamente reconhecido da China foi em 1996”, disse.
“Se confirmado, pretendo trabalhar com este comitê para definir o caminho a seguir em relação a qualquer teste — seja de sistemas de mísseis ou da segurança de nossas armas nucleares”, declarou o almirante.
A fala teve o efeito de conter o impacto da declaração de Trump, reforçando que os Estados Unidos seguem comprometidos com a moratória global de testes nucleares em vigor desde 1992.
A declaração de Mao durante coletiva nesta segunda foi uma resposta direta à entrevista de Trump exibida neste domingo (3) pelo programa 60 Minutes, da CBS News. A conversa com a jornalista Norah O’Donnell foi gravada em 31 de outubro, na residência do presidente em Mar-a-Lago, Palm Beach, Flórida.
Leia aqui a transcrição completa (em inglês)
Durante a entrevista, a China foi um dos principais temas, abordando aspectos nucleares, econômicos e tecnológicos, além da questão de Taiwan. Trump reforçou sua rivalidade estratégica com Pequim, apresentando sua política externa como um esforço para “restaurar o equilíbrio de poder no mundo”.
Testes nucleares e disputa de poder global
Trump acusou a China de realizar testes secretos de armas nucleares e de buscar igualar o poder militar dos Estados Unidos e da Rússia dentro de cinco anos. Segundo ele, Pequim “está produzindo rapidamente” e Washington “precisa agir” para não perder vantagem estratégica.
“Temos mais armas nucleares do que qualquer outro país. A Rússia vem em segundo lugar. A China está muito atrás, mas dentro de cinco anos estará no mesmo nível. Eles estão produzindo rapidamente, e acho que deveríamos fazer algo em relação à desnuclearização. Temos armas suficientes para destruir o mundo 150 vezes.”
O republicano defendeu que os EUA retomem seus próprios testes nucleares, afirmando que “outros países estão fazendo o mesmo”.
“A Rússia está testando armas nucleares. E a China também está testando — vocês só não sabem disso.”
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Tarifas, terras raras e dependência econômica
Trump voltou a defender as tarifas comerciais como instrumento central de sua política externa. Segundo ele, as medidas “restauraram o respeito e a riqueza” dos EUA e garantiram segurança nacional frente à dependência de insumos críticos chineses.
“Eliminamos completamente a ameaça das terras raras. Aplicamos tarifas muito altas, quase 50%. Eles nos exploraram desde o primeiro dia, tiraram trilhões de dólares do nosso país. Agora é o contrário.”
O presidente afirmou que, em até dois anos, os EUA serão autossuficientes em terras raras, graças a parcerias com Japão, Austrália e Reino Unido.
“Quando tentaram nos pressionar com as terras raras, instituí uma tarifa de 100%, e eles vieram imediatamente para a mesa de negociações. As tarifas nos garantem segurança nacional e grande riqueza.”
Semicondutores e corrida tecnológica
Ao tratar da disputa tecnológica, Trump afirmou que “a única coisa que a China quer, mas não tem, são os chips mais avançados do mundo”, prometendo bloquear a venda de semicondutores da Nvidia ao país.
“Não deixaremos ninguém ter os chips mais avançados, a não ser os Estados Unidos.”
O presidente declarou que os EUA estão “vencendo a corrida da inteligência artificial” e que o país em breve dominará “40% a 50% do mercado global de semicondutores”, resultado direto de sua política industrial.
“A IA é a nova internet, o novo tudo, tudo junto. Estamos vencendo essa corrida porque produzimos energia como nunca antes e estamos reindustrializando o país.”
Apesar das críticas, Trump disse manter uma “relação sólida com Xi Jinping”, descrevendo a China como “um competidor feroz”.
Taiwan: “Xi nunca ousaria invadir”
Questionado sobre o equilíbrio militar na Ásia, Trump afirmou que o líder chinês “nunca ousaria invadir Taiwan enquanto eu for presidente”, alegando que sua postura firme impediria qualquer ofensiva.
“Ele [Xi] sabe o que aconteceria se tentasse algo. A China me respeita. Eles não respeitavam Biden, nem Obama. Comigo, não há dúvidas — não haveria invasão.”
Embora tenha evitado confirmar se enviaria tropas americanas em caso de ataque, Trump afirmou que o respeito de Xi seria suficiente para garantir a dissuasão. A fala reforça a lógica de “paz pela força” que marcou seu governo, em contraste com a diplomacia mais prudente de administrações anteriores.
Discurso de poder e rivalidade estratégica
A entrevista consolidou a retórica nacionalista e militarista de Trump, com a China no centro de uma nova disputa econômica, tecnológica e geopolítica.
Pequim aparece como o “espelho” e o “adversário inevitável” — uma potência que “pensa em cem anos”, enquanto Trump se apresenta como o único líder capaz de conter seu avanço e preservar a hegemonia americana.
“Os chineses pensam a longo prazo”, disse O’Donnell.
“Nós também jogamos no longo prazo", respondeu Trump.
Outros temas da entrevista
Economia
Trump voltou a defender tarifas como motor da prosperidade e da segurança nacional, negando efeitos inflacionários: “Temos zero inflação; Biden teve a maior da história.”
Imigração
Justificou as ações rigorosas do ICE, disse que “não foram longe o suficiente” e acusou países latino-americanos de enviarem criminosos e pessoas liberadas de prisões e manicômios aos EUA. Afirmou que sua política visa “limpar as cidades americanas” e que a prioridade é deportar “os piores dos piores”.
Política interna e Congresso
Atacou os democratas, chamando-os de “kamikazes”, e culpou Chuck Schumer, líder da maioria democrata no Senado dos Estados Unidos, pelo fechamento parcial do governo. Afirmou que não cederá à “extorsão” e defendeu o fim do filibuster — mecanismo que permite à minoria bloquear ou atrasar votações no Senado —, dizendo que apoiaria a chamada “opção nuclear” caso o impasse persista.
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Nos Estados Unidos, a “opção nuclear” é o termo usado para descrever a mudança das regras do Senado que elimina ou enfraquece o filibuster, permitindo que projetos sejam aprovados por maioria simples (51 votos) em vez dos 60 votos normalmente exigidos. A medida é considerada drástica, pois rompe com tradições de consenso e pode alterar o equilíbrio de poder entre maioria e minoria no Congresso.
Guerras e segurança
Afirmou ter “resolvido oito das nove guerras do planeta” e responsabilizou Vladimir Putin pela continuidade do conflito na Ucrânia. Reforçou que tarifas e postura de força ampliaram o respeito internacional aos EUA.
Novas ameaças de tarifas
A porta-voz Mao Ning também respondeu às declarações do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, que afirmou neste domingo (2) que o governo Trump pode aumentar as tarifas sobre a China caso o país continue bloqueando as exportações de terras raras.
Mao destacou que a posição chinesa sobre o controle das exportações de terras raras já foi esclarecida diversas vezes pelas autoridades competentes e reiterou que a cooperação — e não a coerção — é o caminho adequado para resolver divergências comerciais.
“Os resultados das consultas econômicas e comerciais China–EUA em Kuala Lumpur demonstram plenamente que o diálogo e a cooperação são o caminho correto a seguir — ameaças e pressões não resolvem nenhum problema”, afirmou a porta-voz.
A diplomata também ressaltou que ambos os países devem cumprir os entendimentos alcançados pelos presidentes Xi Jinping e Donald Trump em Busan e trabalhar para “injetar mais certeza e estabilidade” na relação econômica bilateral e na economia global.
A posição dos EUA
As declarações de Mao foram uma resposta direta a Bessent, que advertiu que Washington está preparado para usar “pressão máxima” contra Pequim, caso o país volte a impor restrições às exportações de materiais estratégicos.
“Os chineses dominaram o mercado de terras raras e, infelizmente, em alguns momentos, se mostraram parceiros pouco confiáveis”, disse Bessent ao programa Fox News Sunday.
Esses minerais, essenciais para a indústria de alta tecnologia, são extraídos em vários países, mas a China detém quase um monopólio no processamento, etapa fundamental para torná-los utilizáveis comercialmente.
A suspensão parcial das restrições chinesas, anunciada em 30 de outubro, ocorreu logo após as negociações entre Trump e Xi Jinping na Coreia do Sul. No entanto, parte das limitações impostas por Pequim ainda permanece em vigor.
Bessent afirmou esperar que o novo acordo e o “espírito de boa vontade” entre os dois líderes permitam uma relação mais previsível, mas advertiu que os EUA “poderiam retomar as ameaças tarifárias” caso a China não cumpra os compromissos assumidos.
“Não queremos romper com a China, mas precisamos reduzir os riscos”, disse o secretário.
Ele também criticou administrações anteriores, afirmando que “estavam adormecidas no comando” enquanto Pequim consolidava sua estratégia para dominar o setor de terras raras.
“Agora, este governo vai agir em velocidade máxima nos próximos um ou dois anos para se libertar dessa espada que os chineses têm sobre nós — e sobre o mundo inteiro”, declarou à CNN.
Como parte do acordo recente, Washington reduzirá em 10% as tarifas aplicadas sobre produtos chineses, enquanto Pequim se comprometeu a reforçar o combate ao tráfico de fentanil — droga responsável por dezenas de milhares de mortes nos Estados Unidos. Segundo a DEA, a China continua sendo o maior fornecedor do opioide sintético para o mercado dos EUA.