CHINA EM FOCO

Como as novas regras da China para terras raras podem afetar seu smartphone e carro elétrico

Há 30 anos, Deng Xiaoping já previa a importância desses minerais estratégicos que hoje são controlados pela potência asiática

Como as novas regras da China para terras taras podem afetar seu smartphone e veículo elétrico.Há 30 anos, Deng Xiaoping já previa a importância desses minerais estratégicos que hoje são controlados pela potência asiática e presentes no nosso cotidianoCréditos: Fotomontagem (Wikipedia e Canva)
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Em 1992, Deng Xiaoping fez uma declaração profética que se revela cada vez mais relevante: "O Oriente Médio tem petróleo, a China tem terras raras".

Naquele momento, o líder chinês, mentor das reformas econômicas que transformaram o país na segunda maior economia do mundo, expressava uma visão estratégica sobre a importância desses minerais essenciais para tecnologias de ponta, como eletrônicos, armamentos e energia limpa.

Ao compará-las com o petróleo do Oriente Médio, Deng destacava o poder geopolítico das terras raras e o controle chinês sobre uma parte significativa das reservas globais desse recurso.

Mais de 30 anos depois, as terras raras continuam a ocupar uma posição central na economia global e nas relações internacionais. Nesta semana, após o telefonema entre Donald Trump e Xi Jinping, uma questão crucial permaneceu em aberto: o futuro das terras raras.

Esses minerais são indispensáveis para tecnologias-chave e essenciais para a fabricação de ímãs poderosos, smartphones, veículos elétricos, equipamentos médicos de imagem e materiais leves e duráveis, presentes no cotidiano de milhões de pessoas.

Durante o telefonema, Trump afirmou, em declarações à imprensa e através de um vídeo nas redes sociais, que Xi e ele haviam "esclarecido alguns pontos, especialmente sobre ímãs de terras raras e outros assuntos". No entanto, o comunicado oficial do governo chinês não mencionou o tema, gerando especulações sobre um possível impasse relacionado ao controle e exportação desses materiais estratégicos.

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Em uma coletiva de imprensa realizada nesta sexta-feira (6) pelo Ministério das Relações Exteriores da China, o porta-voz Lin Jian foi questionado sobre o assunto, mas não deu uma resposta direta.

“A China já deixou claro repetidamente sua posição sobre essa questão. Para quaisquer detalhes específicos, encaminho-os às autoridades competentes”, afirmou Lin.

A posição da China sobre as terras raras

As autoridades responsáveis pelas questões relacionadas às terras raras na China são o Ministério do Comércio e a Administração Geral de Alfândega. Por meio desses dois órgãos, a potência asiática tem se posicionado de maneira firme em relação às esses minérios estratégicos. 

Em 4 de abril deste ano, esses órgãos anunciaram a imposição de controles de exportação sobre materiais específicos de terras raras médias e pesadas. O governo chinês justificou a medida como uma forma de proteger sua segurança nacional e de cumprir suas obrigações internacionais de não proliferação.

A partir dessa data, os exportadores desses materiais precisam obter licenças de exportação para enviar elementos essenciais da lista de terras raras, incluindo substâncias como samário, gadolínio, térbio, disprósio, lutécio, escândio e íttrio. 

Estes elementos são fundamentais para uma vasta gama de tecnologias modernas e sua importância se torna ainda mais evidente à medida que as indústrias buscam materiais com propriedades especiais, como ímãs poderosos, medicina de imagem avançada e materiais leves e duráveis.

O processo de licenciamento pode ser longo e exigirá informações detalhadas sobre os usuários finais e os destinos das exportações. Isso confere à China um controle rigoroso sobre o fluxo global desses recursos essenciais.

A propriedade dos recursos minerais na China é estatal, conforme a Lei de Recursos Minerais, o que significa que todas as empresas precisam de aprovação governamental para explorar e minerar terras raras. Além disso, a produção dessas substâncias está sujeita a impostos e taxas de compensação, o que coloca um nível adicional de controle sobre a extração e comercialização desses recursos.

Estratégia global

As restrições de exportação visam não apenas regular o uso de materiais com aplicações civis e militares, mas também alinhar-se com as obrigações de segurança nacional e não proliferação que a China assumiu internacionalmente. Com o país detendo mais de 90% da capacidade global de processamento de terras raras, essas restrições se tornam uma ferramenta estratégica importante no cenário geopolítico.

Essa estratégia afeta profundamente as indústrias globais, principalmente os setores automotivo e de defesa, que dependem fortemente das exportações chinesas de terras raras. A escassez de fornecimento pode representar desafios significativos para esses setores, que precisam dessas matérias-primas para o desenvolvimento de veículos elétricos, sistemas de defesa e outros produtos tecnológicos de alta performance.

Essas medidas indicam que a China não só detém o controle sobre a produção dessas matérias-primas, mas também está posicionando estrategicamente os materiais de terras raras como um recurso essencial para moldar o futuro tecnológico e geopolítico global.

Impactos das novas regras chinesas

As novas restrições de exportação da China já estão gerando efeitos globais significativos. Indústrias que dependem desses materiais essenciais enfrentam desafios em suas cadeias de suprimentos. Entre os setores mais afetados estão os de eletrônicos, energia limpa, automóveis elétricos e defesa, com a produção de baterias, ímãs de alto desempenho e componentes tecnológicos sendo diretamente impactada.

Disrupção nas cadeias de suprimentos

As novas medidas estão afetando negativamente fábricas ao redor do mundo, especialmente no setor automotivo e na tecnologia de defesa. Fabricantes de veículos elétricos como Tesla e General Motors enfrentam desafios na obtenção de materiais suficientes para seus motores elétricos. A escassez de ímãs permanentes impacta a produção de baterias e outros componentes essenciais.

Aumento dos preços e custos de produção

O aumento dos preços de terras raras já está em curso, com especialistas prevendo que os preços podem subir até 500% no curto prazo. Isso afetará diretamente as indústrias que dependem desses materiais, como a Apple, que fabrica iPhones e iPads, pois a produção de dispositivos eletrônicos depende de materiais como gadolínio e samário.

Diversificação de fornecedores

Diante da crescente dependência das exportações de terras raras da China, países e empresas estão sendo forçados a diversificar seus fornecedores. O Departamento de Defesa dos EUA, junto com empresas como Boeing, está reforçando seus esforços para garantir o fornecimento estável de terras raras, com parcerias com países aliados como Austrália, Canadá e África. A MP Materials, nos Estados Unidos, está ampliando suas operações para aumentar a produção interna e reduzir a dependência das exportações da China.

Incerteza regulatória

A introdução de novas regulamentações chinesas gerou incertezas regulatórias no mercado global. Empresas como Samsung e Sony, que dependem de terras raras para a fabricação de telas de LED e baterias, estão tendo dificuldades para se adaptar às novas exigências de licenciamento. As novas normas de exportação e sobre as autorização de exportação podem gerar atrasos e dificuldades no fornecimento de componentes.

Reações de governos ocidentais

As novas restrições geraram reações de governos ocidentais, com Estados Unidos e União Europeia buscando alternativas para garantir o fornecimento contínuo de materiais críticos. O governo dos EUA já está reforçando sua capacidade de produção de terras raras e pressionando seus aliados a firmar acordos comerciais para aumentar a diversificação das fontes de fornecimento.

Impacto na indústria de energia limpa

O setor de energia limpa também está sendo afetado pela escassez de terras raras, especialmente os materiais como níquel, lítio e cobalto, essenciais para a produção de baterias de veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia. Empresas como BYD (China) e Volkswagen (Alemanha) estão enfrentando dificuldades de abastecimento para a produção de baterias de lítio e carros elétricos.

Fortalecimento do poder geopolítico da China

Além dos impactos econômicos, as restrições de exportação de terras raras refletem uma estratégia geopolítica de fortalecimento da China, que aproveita sua posição dominante para aumentar sua influência econômica e fortalecer sua posição nas negociações globais sobre tecnologia, energia e defesa. Países como Rússia estão usando terras raras como uma ferramenta estratégica para ampliar sua influência sobre países em desenvolvimento, que dependem desses materiais para o crescimento de suas economias e indústrias de alta tecnologia.

Esses impactos destacam o caráter profético de Deng Xiaoping e a centralidade das terras raras em diversas indústrias modernas. Mostram como as restrições da China têm o potencial de transformar profundamente o mercado global, desafiando empresas e governos a se adaptarem rapidamente a novas realidades econômicas e geopolíticas.

 

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