Recentemente, a Indonésia ganhou destaque na mídia brasileira por conta da trágica morte da jovem Juliana Marins, o que provocou indignação generalizada e levou muitos internautas a protestarem nas redes sociais.
As falhas cometidas no caso precisam ser apuradas com rigor. No entanto, é importante lembrar que estamos tratando de um país em desenvolvimento, cuja realidade socioeconômica guarda semelhanças com a brasileira.
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Em alguns aspectos, a Indonésia tem superado o Brasil: o país explora com mais eficiência seu potencial turístico, possui bom desempenho nas trocas comerciais com os vizinhos e já conta com uma linha de trem-bala — construída em parceria com a China no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota — ligando Jacarta a Bandung.
Por outro lado, o Brasil apresenta avanços em áreas como saúde pública, desenvolvimento científico e tecnológico, além de ter maior capacidade de resposta em situações de resgate e salvamento — ponto amplamente mencionado por internautas nos últimos dias.
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A troca de experiências entre os dois países pode ser mutuamente benéfica. Por meio de intercâmbios profissionais e treinamentos conjuntos, por exemplo, o Brasil poderia apoiar a Indonésia no aprimoramento de seus sistemas de resgate.
Esse espírito de cooperação voltado ao bem comum está no centro da Iniciativa de Civilização Global, proposta pelo presidente chinês Xi Jinping e abordada em meu artigo da semana passada. Mas sua origem remonta a um evento histórico ocorrido justamente na Indonésia, em 1955.
A conferência do Sul Global que o Brasil não participou
Realizada em Bandung, na Indonésia, entre 18 e 24 de abril de 1955, a Conferência de Bandung foi o primeiro encontro internacional entre países da África e da Ásia com o objetivo de promover a cooperação e se contrapor ao colonialismo e ao neocolonialismo.
Com a participação de 29 países — incluindo Indonésia, Índia, Egito e China, hoje parceiros do Brasil no BRICS — o evento excluiu tanto as potências capitalistas quanto a URSS, afirmando a autodeterminação dos povos do então chamado Terceiro Mundo. A conferência é considerada um marco da formação do que hoje chamamos de Sul Global.
Dela resultaram os Dez Princípios de Bandung, entre eles: respeito à soberania, não intervenção, solução pacífica de conflitos e promoção da cooperação mútua. Esses princípios inspiraram a criação do Movimento dos Países Não-Alinhados, em 1961.
Por uma nova Conferência de Bandung
A Conferência de Bandung simbolizou a unidade dos povos em processo de descolonização. À época, a América Latina mantinha distância, mais voltada para questões internas e sob forte influência dos Estados Unidos.
Hoje, o cenário geopolítico mudou. A transição para um mundo multipolar e a crescente pressão sobre os países periféricos — por meio de sanções, protecionismo e interferência externa — reacendem o chamado ao "Espírito de Bandung".
Durante a Reunião Ministerial do Diálogo das Civilizações Globais, realizada em Pequim em 10 de julho, a ex-presidenta da Indonésia, Megawati Soekarnoputri, filha de Sukarno — idealizador da conferência original — propôs a realização de uma nova conferência internacional, chamada "Bandung+", aberta a todo o Sul Global.
Segundo Megawati, os Dez Princípios de Bandung continuam atuais, sobretudo diante das injustiças globais e da ocupação da Palestina: "A realização do Espírito de Bandung ainda não está completa".
A proposta de Bandung+ e a visão do Brasil
A ideia de uma nova Conferência de Bandung já havia sido defendida pelo professor Evandro Carvalho, da Universidade Federal Fluminense (UFF), agraciado em 2023 com o Prêmio da Amizade do Governo Chinês por seu trabalho de aproximação entre Brasil e China.
Em evento comemorativo dos 70 anos dos Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, Evandro propôs que o encontro fosse realizado com a presença da América Latina, com o objetivo de enfrentar o intervencionismo e fortalecer a voz do Sul Global.
Segundo ele, o BRICS é fundamental, mas não suficiente:
"O problema é sistêmico. Precisamos de um organismo internacional que reorganize essa agenda de maneira estruturada".
O papel da Iniciativa de Civilização Global
Megawati também declarou apoio à Iniciativa de Civilização Global, proposta por Xi Jinping, que busca promover o diálogo entre civilizações com base na igualdade, na soberania e na justiça internacional.
Ela sugeriu a redação de uma "Carta por um Futuro Compartilhado", com princípios éticos universais que possam substituir o uso da força como base para as relações internacionais.
No mesmo dia, soube-se da decisão do presidente Donald Trump de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros como forma de pressionar o Judiciário nacional — atitude que reforça a persistente visão colonialista das grandes potências em relação ao Sul Global.
Diante desse cenário, líderes políticos presentes em Pequim reforçaram a urgência de uma nova governança internacional baseada na reciprocidade, no multilateralismo e na soberania dos povos.
Enquanto o BRICS propõe alternativas às instituições de Bretton Woods e a Iniciativa de Civilização Global avança como um novo paradigma internacional, a convocação de uma "Bandung+" representa um passo político e simbólico para consolidar uma frente global em defesa da justiça, da autodeterminação e da paz.
* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital da China, há nove anos.
* Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.