CHINA EM FOCO

China responde ao protecionismo de Trump com recorde de investimentos pela Nova Rota da Seda

Enquanto os EUA elevam tarifas e erguem barreiras comerciais, Pequim amplia presença estratégica com obras e acordos bilionários em países emergentes

China responde ao protecionismo de Trump com recorde de investimentos pela Nova Rota da Seda.Enquanto os EUA elevam tarifas e erguem barreiras comerciais, Pequim amplia presença estratégica com obras e acordos bilionários em países emergentesCréditos: Xinhua - Porto de Chancay (Peru)
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Em contraste com a política de isolamento e tarifas adotada pelos Estados Unidos sob o segundo mandato de Donald Trump, a China acelerou sua ofensiva econômica global por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), também conhecida como Nova Rota da Seda.

Nos primeiros seis meses de 2025, os investimentos e contratos de construção assinados por empresas chinesas em países parceiros da BRI somaram US$ 124 bilhões — superando todo o volume registrado em 2024 e alcançando a maior cifra desde a criação da iniciativa, em 2013.

O avanço é visto por analistas como uma resposta direta ao protecionismo de Washington, que tem afastado aliados históricos dos EUA e aberto espaço para uma maior influência chinesa no Sul Global, especialmente na África, Ásia Central e Sudeste Asiático.

Nova Rota da Seda entra em fase de alta qualidade

Durante coletiva de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da China nesta terça-feira (22), o porta-voz Guo Jiakun afirmou que a cooperação no âmbito da BRI entrou em uma nova fase de desenvolvimento de alta qualidade.

“Da Eurásia à África e à América Latina, e da conectividade física à institucional e ao intercâmbio entre os povos, os frutos da cooperação beneficiaram mais de 150 países”, declarou.

Entre os destaques mencionados por Guo estão a ferrovia de alta velocidade Jacarta-Bandung, que já transportou mais de 10 milhões de passageiros; o Expresso Ferroviário China-Europa, com mais de 110 mil viagens de carga; e a primeira rota de mão dupla entre Chancay e Xangai, no novo corredor terrestre-marítimo sino-latino-americano.

Ele também citou a instalação de mais de 1,5 gigawatt em usinas fotovoltaicas na África, fruto de parcerias com a China, além de projetos “pequenos e bonitos”, como os Workshops Luban e a tecnologia juncao, que têm contribuído para o desenvolvimento local.

“Após mais de uma década de avanços em conectividade, a BRI tornou-se uma plataforma de comércio e cooperação industrial, ajudando países a se integrarem à cadeia produtiva global e reforçando a estabilidade das cadeias de suprimentos”, resumiu.

Guo reforçou ainda que a China segue os princípios de “planejar juntos, construir juntos e beneficiar juntos”, com uma filosofia de cooperação aberta, verde e limpa, voltada para o desenvolvimento sustentável e centrada nas pessoas.

O boom da Nova Rota da Seda

Reprodução FISF

A Iniciativa do Cinturão e Rota alcançou seu maior volume de engajamento desde o início, em 2013. Segundo relatório do Griffith Asia Institute e do Green Finance & Development Center, os investimentos e contratos assinados pela China nos primeiros seis meses de 2025 somaram US$ 124 bilhões, superando os US$ 122 bilhões de todo o ano anterior.

O relatório, assinado pelo professor Christoph Nedopil, aponta que esse total se divide entre US$ 66,2 bilhões em obras de infraestrutura e US$ 57,1 bilhões em investimentos diretos, distribuídos por 69 países.

Foco em energia, mineração e tecnologia

Os recursos foram majoritariamente alocados em setores estratégicos: energia (35% do total), mineração (20%) e tecnologia (13%).

A energia respondeu por US$ 44 bilhões em contratos, com destaque para projetos de gás natural e, em menor escala, solar e eólica. A mineração alcançou US$ 24,9 bilhões, impulsionada por megaprojetos no Cazaquistão (alumínio e cobre), em meio ao esforço chinês para garantir acesso a matérias-primas críticas.

A área de tecnologia recebeu US$ 23,2 bilhões, com foco em fábricas de baterias, veículos elétricos e projetos de hidrogênio verde — como o da empresa Longi, na Nigéria.

Apesar do discurso oficial sobre "projetos pequenos e sustentáveis", os dados indicam que os maiores aportes seguem concentrados em grandes obras com garantias em petróleo, gás e mineração — reduzindo os riscos para os financiadores chineses.

América Latina e Brasil: presença tímida, mas estratégica

A participação da América Latina na BRI segue modesta. Os valores investidos na região em 2025 foram os mais baixos da última década, tanto em contratos de construção quanto em investimentos diretos.

O destaque do semestre foi a aquisição da operadora portuária brasileira VAST Infra pela China Merchants Group, por US$ 448 milhões, com foco em infraestrutura de petróleo — o único investimento de peso na região no período.

Outros projetos mencionados incluem:

  • Aeroporto Punta Verte, na Nicarágua (US$ 152 milhões);
     
  • Fornecimento de trens para o metrô da Cidade do México, pela CRRC;
     
  • Pequenos projetos viários em países da região, sem grande impacto financeiro.

O Brasil, nesse contexto, aparece mais como alvo de aquisições pontuais nas áreas de logística e energia do que como destino de obras estruturantes — cenário bem diferente do observado em países africanos, asiáticos ou do Oriente Médio.

África e Ásia Central dominam os aportes

A África liderou em volume de contratos, com US$ 30,5 bilhões, impulsionada por um megaprojeto de gás na Nigéria. A Ásia Central ficou em segundo, com US$ 24,3 bilhões, especialmente no Cazaquistão.

A Nigéria foi o país que mais recebeu recursos em construção (US$ 21 bilhões), seguida por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Tanzânia e Indonésia. Já os maiores investimentos diretos foram para o Cazaquistão (US$ 23 bilhões), Tailândia e Egito.

Tendências e expectativas para 2025

A expectativa para o segundo semestre é de estabilização dos volumes, com possível redução no número de megaprojetos e crescimento no total de acordos fechados.

Setores mais promissores:

  • Tecnologias verdes — os chamados “Novos Três”: veículos elétricos, baterias e renováveis;
     
  • Mineração crítica e processamento de metais;
     
  • Infraestruturas essenciais ao comércio, como ferrovias, oleodutos e data centers.

As rupturas nas cadeias globais e as tensões comerciais com os EUA seguem como motores do avanço chinês em novos mercados e rotas logísticas.

China se consolida como força global

O recorde de investimentos internacionais da China pela Nova Rota da Seda confirma seu papel como potência global em infraestrutura, energia e tecnologia. Porém, a baixa presença na América Latina — e, em especial, no Brasil — revela limitações regionais que ainda precisam ser superadas.

Enquanto isso, outras regiões se movem com agilidade para captar os recursos chineses, integrar cadeias produtivas e diversificar suas fontes de financiamento.

Leia aqui o relatório na íntegra (em inglês)

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