Quando cheguei à China, em 2015, era raro ver moradores que tinham cães ou gatos em casa. O que eu via, vez ou outra, eram senhores aposentados passeando com seus pássaros engaiolados. Na esquina próxima à minha casa, eles se encontravam e ficavam horas jogando Mahjong. Os pássaros permaneciam sobre uma mesa no canto, assistindo a seus donos jogarem.
Animais de estimação se tornam populares
Com o tempo, comecei a notar a rápida popularização dos animais de estimação, a tal ponto que foi necessário aperfeiçoar a legislação das principais cidades do país para lidar com os desafios trazidos por esse novo estilo de vida. No ano passado, a quantidade de animais de estimação registrados na China superou 120 milhões.
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Em Pequim, assim como em algumas outras cidades, as leis passaram a restringir a quantidade de animais por domicílio e também o porte dos cães nas áreas centrais. Todos os animais precisam ser registrados e receber as vacinas obrigatórias.
Houve preocupação, também, com fezes de animais nas ruas e o risco de acidentes, como mordidas em pedestres. Quem passeia com seu cão precisa recolher as fezes e, em alguns lugares, há também a exigência de focinheira.
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Não apenas notei um aumento na quantidade de cães, como percebo que eles geralmente pertencem a famílias com crianças: há uma geração de chineses crescendo em companhia desses animais.
Já os gatos são a escolha mais comum de mulheres solteiras e que moram sozinhas, especialmente as de meia-idade. Quando vim morar na China, raramente alguém afirmava ter bicho de estimação; hoje em dia, porém, compartilhar fotos e vídeos de pets tornou-se um hábito comum nas redes sociais chinesas.
Há também procura por animais exóticos, entre eles alpacas e capivaras, ambos nativos da América do Sul. Já vi pessoas passeando com esses animais, mas isso é muito raro e chama bastante atenção.
De cafés a hotel, exploração comercial de animais divide opiniões
Pouco antes da pandemia de Covid-19, os cat cafés se popularizaram entre os jovens chineses. Em alguns, os gatos passeiam livremente entre os clientes, que costumam acariciá-los enquanto tomam café.
Em outros, os animais ficam em uma área separada por vidro ou grade. Visitei um desses na Mongólia Interior e notei que a área reservada aos felinos era climatizada, tinha brinquedos, casinhas para descanso, comida e água.
Os funcionários do café tinham treinamento específico para lidar com os felinos, podendo identificar um animal estressado e intervir de forma apropriada.
Depois vieram outros tipos de cafés com animais. Durante a pandemia, a moda eram as alpacas, e alguns estabelecimentos ofereciam, mediante pagamento, contato direto com elas. Mais tarde surgiram cafés com capivaras, geralmente filhotes.
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Recentemente, um hotel em Wuhan chamou a atenção por um novo serviço polêmico: hóspedes podem encomendar uma suíte especial para passar a noite com um cão disponibilizado pelo estabelecimento.
Segundo o hotel, os animais foram rigorosamente selecionados, passam por exames veterinários de rotina, têm vacinação em dia e recebem treinamento especial para se sentir confortáveis com estranhos. Além disso, um “mordomo de cães” está sempre à disposição para orientar os clientes.
Ainda conforme o hotel, as condições físicas e psicológicas dos animais são avaliadas diariamente e, caso algum dano seja constatado, o hóspede em questão é banido do estabelecimento.
Iniciativas assim têm dividido opiniões. Há quem veja esse tipo de serviço como uma oportunidade para quem sente falta de seus animais durante uma viagem ou gostaria de ter um companheiro peludo em casa, mas não pode. Por outro lado, há quem argumente que o contato regular com pessoas estranhas pode causar estresse aos animais.
Chineses gastam cada vez mais com seus animais de estimação
A 27ª Feira de Animais de Estimação da Ásia, realizada no fim de agosto em Xangai, foi a maior exposição do setor já realizada no mundo.
Impulsionado pelos consumidores jovens, o mercado chinês de produtos e serviços para pets movimentou mais de 300 bilhões de yuans (US$ 42 bilhões) no ano passado, um aumento de 7,5% em relação a 2023.
Dados do comércio varejista mostram crescente procura por rações específicas para idade ou porte, produtos inteligentes, medicamentos, suplementos e novos tipos de alimento.
Além disso, os jovens chineses têm gastado mais com a saúde de seus animais, o que impulsiona o desenvolvimento do setor de saúde animal no país.
O mercado tem criado oportunidades também para serviços inovadores: somente em Xangai foram inauguradas duas novidades neste ano.
Uma delas é a primeira “academia de ginástica para cães” do país, a GOGOGYM, que oferece infraestrutura completa, spa, massagem e loja especializada em produtos para cães.
A outra é a Wagtopia, fundada pelo brasileiro Fábio Alves da Silva, que oferece banho e tosa, atividades de socialização e se tornou conhecida por ser a primeira loja a assar lanches na hora para pets.
O destaque é a cozinha central transparente, onde uma equipe prepara refeições seguindo padrões internacionais e técnicas de cozimento em baixa temperatura para preservar os nutrientes.
Rumo a um país pet-friendly
Diante dessa mudança no estilo de vida, empresas têm buscado oferecer serviços pet-friendly para atrair clientes. Shoppings, hotéis, bares e restaurantes investem em áreas destinadas a animais de estimação.
No ano passado, ingressos para sessões especiais da exposição "No Topo da Pirâmide: A Civilização do Antigo Egito", que permitiam levar gatos, esgotaram-se rapidamente.
No turismo, cruzeiros com pets tiveram boa aceitação. Já no transporte, algumas linhas de trem-bala começaram a oferecer serviços para animais: donos e pets viajam no mesmo trem, mas em vagões separados.
Mais recentemente, a Hainan Airlines passou a permitir animais na cabine em sua rota internacional entre Pequim e Bangkok. Poucos dias depois, o aeroporto internacional de Hangzhou inaugurou um salão exclusivo de 22 m² para animais em trânsito, com capacidade para 20 cães e 30 gatos, monitorados em tempo real.
“O salão ajuda a resolver problemas associados ao transporte tradicional de animais de estimação, como gaiolas lotadas, procedimentos complicados e cuidado insuficiente”, afirmou Wu Qirong, funcionário do aeroporto.
Além de cuidar do bem-estar dos animais, o espaço oferece serviços extras como coleta e entrega a domicílio, venda de passagens e trâmites de quarentena. O aeroporto de Shenzhen Bao’an também abriu um salão semelhante no ano passado.
O rápido desenvolvimento do setor pet na China pode abrir oportunidades para o Brasil, que tem experiência no ramo e capacidade de oferecer produtos e serviços de qualidade para o mercado chinês.
* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital da China, há nove anos.
* Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.