Dois casos de estupro levantam suspeitas sobre abusos sistêmicos no Exército dos EUA

Após o escândalo pelo caso de Vanessa Guillén, assassinada depois de revelar que era abusada por um superior, surgiu o relato de Sophia Narwitz, mulher trans que contou seu caso e também disse que “estrutura da instituição favorece a impunidade dos abusadores”

Bandeira com o rosto de Vanessa Guillén, em manidestação nos Estados Unidos (foto: Democracy Now)
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O assassinato de Vanessa Guillén, uma soldada estadunidense que apareceu morta dias depois de revelar à família que sofria acosso e abusos por parte de um superior, abriu uma grave crise dentro das Forças Armadas estadunidenses, não só pelo escandaloso do caso em si como pelas revelações que despertou, revelando que os abusos sexuais na instituições não são um caso isolado, e já há quem fale em um problema sistêmico.

O corpo de Guillén foi encontrado no dia 22 de abril, no estacionamento do quartel de Fort Hood, no estado do Texas. O caso ganhou maior repercussão em junho, quando familiares da vítima contaram que ela revelou, dias antes de ser assassinada, que estava sofrendo acosso e abusos por parte do sargento Aaron Robinson.

Segundo a confissão da soldada aos familiares, o sargento a teria chantageado, e exigido que ela o deixasse tocá-la a contragosto, se aproveitando de sua superioridade hierárquica. Apesar de não haver provas conclusivas de sua participação no assassinato, os abusos faziam de Robinson o principal suspeito do caso. No dia 30 de junho, o acusado fugiu do quartel, sendo encontrado morto no dia seguinte – aparentemente, após ter se suicidado.

Apesar deste caso específico já estar encerrado, o tema dos abusos sexuais sofrido por mulheres dentro do exército estadunidense continua presente no noticiário, já que o acontecido com Guillén encorajou outras mulheres a relatar outros abusos.

A maioria dos novos testemunhos são anônimos, mas um que ganhou grande repercussão foi o da escritora e jornalista Sophia Narwitz, que foi a primeira a afirmar em entrevistas que o “os abusos sexuais no exército dos Estados Unidos são um problema sistêmico e que já dura vários anos”.

Narwitz é uma mulher trans, mas ainda não havia assumido sua identidade em 2009, quando serviu o exército e foi abusada. “Servi o exército como homem, foi abusado como homem, por outro homem. Não entrarei em detalhes, mas foi algo muito violento e doloroso. Passei anos sentindo medo e vergonha, e ainda sinto um pouco, mesmo depois de ter assumido isso”, conta ela.

“Os abusos são uma realidade para todos. É provável que as mulheres sofram muito mais, mas também há muitos homens entre as vítimas”, assegura a escritora.

Após deixar as Forças Armadas, Narwitz se tornou jornalista, e passou a investigar casos d abusos nessas instituições. Segundo ela, só no ano de 2018, foram registrados 7,8 mil informes sobre casos de abusos denunciados, mas que o acesso a essas informações por parte da imprensa é dificílimo, porque muitos são considerados “confidenciais”.

A ex-soldada também acusa o Exército de manter uma estrutura criada para “intimidar” aqueles que sofrem abusos. “São muitas vítimas, e elas não têm coragem de denunciar, e não as culpo. Existe uma estrutura que favorece a impunidade. Os castigos e as consequências podem ser maiores se você denuncia que se você abusa, como aconteceu com Vanessa (Guillén), que terminou sendo morta, e muitos acabam assim. O meu abusador, por exemplo, ainda está no Exército, e caminha livre”, relata Narwitz.