É chegada a hora de Mujica partir

No próximo domingo, Tabaré Vázquez retorna à presidência do Uruguai após cinco anos de conquistas históricas do atual governo, que entra para a história da esquerda sul-americana. “Seguirei militando porque se não fizer, irei contra meu temperamento”, afirmou Pepe Mujica

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No próximo domingo, Tabaré Vázquez retorna à presidência do Uruguai após cinco anos de conquistas históricas do atual governo, que entra para a história da esquerda sul-americana. “Seguirei militando porque se não fizer, irei contra meu temperamento”, afirmou Pepe Mujica Por Igor Carvalho, de Montevidéu* No próximo domingo (1º), na Praça Independência, de frente para a Torre Executiva, sede do governo do Uruguai, o presidente José “Pepe” Mujica se despede de milhões de uruguaios e entra para a história da esquerda sul-americana. É possível imaginar que, daqui a alguns anos, Mujica estampe camisetas mundo afora. As conquistas alcançadas pelo Uruguai fazem com que o ex-tupamaro tome assento no panteão da política no continente, ao lado de nomes como os dos argentinos Che Guevara e do casal Juan Domingo Perón e Evita Perón, dos brasileiros Carlos Marighella e Luiz Inácio Lula da Silva, do cubano Fidel Castro, do chileno Salvador Allende e do boliviano Evo Morales. Em uma rápida conversa no bar, em Montevidéu, uma garçonete me avisa: “Falam muito do Papa, mas Mujica é maior que [Jorge Mario] Bergoglio”, afirma a jovem que se diz marxista, acirrando a tradicional querela que cruza o rio da Prata. Um taxista profetiza: “Nunca mais teremos um presidente como Mujica, que se importa tanto com as pessoas”. Pelas ruas da Ciudad Vieja, bairro que concentra o poder executivo uruguaio, bandeiras da Frente Ampla (FA), um conglomerado de partidos de esquerda, tremulam em janelas e carros. Turistas entusiasmados compram flâmulas do coletivo. A imagem de Mujica e da seleção de futebol do Uruguai são apontados como responsáveis pelo aumento de turistas no país. Em 2014, o turismo respondeu por 6% do Produto Interno Bruto (PIB) uruguaio. O país foi considerado um dos dez destinos éticos do ano passado. A dona do café que fica ao lado da Torre Executiva comemora o sucesso do presidente, que ajudou a alavancar o setor no país. “Todos os dias chegam muitos turistas, principalmente brasileiros e europeus. Desde que ele ficou famoso, estamos muito bem por aqui”, comemorou. Tabaré, sem a mesma popularidade O próximo presidente uruguaio é um velho conhecido. Tabaré Vázquez governou o país de 2005 até 2010. Porém, apesar de ambos integrarem a Frente Ampla, Mujica e o próximo mandatário não gozam do mesmo carinho popular. Quando se pergunta a um uruguaio sobre Tabaré, é comum que a resposta seja: “um arrogante” ou “só se preocupa com dinheiro”. O próximo presidente, médico de formação e maçom, nunca foi favorável à regulamentação da maconha no Uruguai e chegou a vetar a descriminalização do aborto, pautas que foram aprovadas no governo de Pepe Mujica e responsáveis por boa parte do interesse midiático no país. Há uma preocupação com a posse de Tabaré: a chuva. A semana de intenso calor, deu lugar a um dia nebuloso nesta sexta-feira (27). Toda a estrutura montada é descoberta, portanto uma chuva obrigaria o evento a ser transferido para o auditório Del Sodre, com capacidade para 2 mil pessoas. O dilema será como acomodar presidentes, ministros, embaixadores e a imprensa neste espaço. Ainda nesta sexta-feira, deve haver uma festa popular para celebrar Mujica, mas, avesso ao culto a personalidades, o presidente pode não aparecer. Na última quinta-feira (26), ele esteve na principal central sindical do país para discursar ao lado do mandatário boliviano Evo Morales. Em tom de despedida, Mujica explicou porque seguirá na política [foi eleito para o Senado, cargo que começa a exercer na próxima terça-feira (3)] mesmo depois de exitosa passagem pela presidência. “Estejam tranquilos que eu estou vivo e vou seguir militando. Não serei um velho aposentado. Seguirei militando porque se não fizer, irei contra meu temperamento.” “Alerta, alerta, alerta, que caminha o anti-imperialismo pela América Latina”, gritavam os trabalhadores a cada intervenção de Evo e Mujica. O presidente uruguaio encerrou o encontro mandando um recado aos conterrâneos. "Na política, temos que eleger gente de coração grande e bolsos pequenos.” *Esta matéria faz parte do projeto Bora para o Uruguai. Os repórteres Igor Carvalho e Vinicius Gomes estão no país vizinho para investigar e reportar o legado deixado por Pepe Mujica, principalmente em relação ao avanço das pautas progressistas. A viagem-reportagem está sendo financiada por leitores da Fórum, que podem interagir e participar das pautas, além de ganharem um ano de assinatura da revista eletrônica. Para colaborar, acesse aqui. Foto de capa: Presidência do Uruguai