Exclusivo: Três navios petroleiros do Irã chegaram na Venezuela, desafiando bloqueio dos EUA

A escassez de gasolina da Venezuela está ligada ao bloqueio econômico dos Estados Unidos, que no ano passado embargou as três refinarias da PDVSA em território norte-americano

Foto: Fania Rodrigues
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Por Fania Rodrigues, de Caracas / Venezuela

A Venezuela rompeu o bloqueio internacional e recebeu, nessa segunda-feira (25), um navio petroleiro do Irã com gasolina para abastecer o país, que sofre com a escassez de combustível há dois meses. Fortune é o primeiro dos cinco navios que devem chegar esse mês e já está atracado no porto da refinaria El Palito, no estado venezuelano de Carabobo, no norte do país. O segundo petroleiro, Forest, atracou no porto do estado Falcón, e o terceiro, Petunia, entrou na zona econômica exclusiva da Venezuela e está sendo escoltado por navios patrulheiros, helicópteros e aviões caças da Força Armada Nacional Bolivariana.

Foto: Fania Rodrigues

Operários da PDVSA, a estatal venezuelana, receberam a tripulação do Fortune na segunda-feira para agradecer o gesto do Irã. A nação persa desafiou a pressão dos Estados Unidos contra a Venezuela e aceitou vender cerca de 1,5 milhão de e barris de combustível para esse país sul-americano.

Para além das questões técnicas, para os venezuelanos a chegada do primeiro navio de gasolina do Irã tem um simbolismo maior. “É um dia histórico para a pátria de Bolívar, é o símbolo da irmandade que Chávez semeou entre Venezuela e Irã”, destaca a engenheira de petróleo Melba Saraldy, funcionária da PDVSA, que estava na refinaria para dar boas-vindas à tripulação no navio Fortune do Irã.

Engenheira Melba, da PDVSA, fala sobre irmandade entre Irã e Venezuela (Foto: Fania Rodrigues)

O embaixador da República Islâmica do Irã na Venezuela, Hojjatollah Soltani, afirmou que o envio do combustível para a Venezuela é uma maneira de retribuir o mesmo gesto que teve a Venezuela em 2008. Nessa época o Irã passava por uma situação similar de bloqueio econômico internacional e o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, enviou navios carregados de gasolina para abastecer o país. “Amor com amor se paga”, resumiu à imprensa.

A escassez de gasolina da Venezuela está ligada ao bloqueio econômico dos Estados Unidos, que no ano passado embargou as três refinarias da PDVSA em território norte-americano, localizadas nos estados de Louisiana, Texas e Illinois. A subsidiária da PDVSA nos EUA, a CITGO, é responsável pelo fornecimento de até 10% da gasolina consumida nos EUA e enviava parte dessa gasolina à Venezuela.

Além disso, as duas refinarias da PDVSA em território venezuelano estão paralisadas ou com a produção reduzida devido à falta de equipamentos de reposição e produtos químicos para o refino, que eram importados dos EUA.

Portanto, a chegada de navios petroleiros do Irã é importante para abastecer de gasolina o país, mas também porque trazem insumos para as refinarias venezuelanas. Essa informação foi confirmada pelo ministro do Petróleo da Venezuela, Tareck El Aissami. “A chegada de insumos e peças de reposição nos permite aumentar nossa capacidade de refino e isso terá um impacto imediato”.

Ministro do Petróleo recebe navio do Irã, ao lado do embaixador iraniano (direita) e do ministro da Defesa (esquerda). (Foto: Fania Rodrigues)

A refinaria El Palito voltou a produzir gasolina há dois meses. O engenheiro de operações da PDVSA, Franklin Pérez, funcionário da refinaria há mais de 20 anos, explicou o que representa a chegada dos insumos. “A retomada de Palito é um renascer. Mas, é preciso esclarecer que Palito nunca parou completamente, estivemos em carga baixa, silenciosa, porém nós nunca a deixamos parar. Chegaram os insumos e junto com os iranianos elevamos a carga outra vez. Hoje estamos produzindo 35 mil barris diários de gasolina, além outros derivados”, afirma Pérez, líder dos operários dentro da refinaria. Atualmente Palito opera com 1.800 trabalhadores diretos e outros 10 mil indiretos.

Antes da chegada dos navios, o Irã já havia realizado mais de 10 voos comerciais para a Venezuela, através da empresa aérea Mahan Air, trazendo produtos para reativar refinarias venezuelanas, nos últimos dois meses. Entre elas estão as refinarias de Amuay e Cardón, que fazem parte do centro de refino de Paraguaná (CRP), localizado no estado de Falcón, norte do país.

Segundo estimativas do mercado, a Venezuela consumia entre 70 e 80 mil barris diários de combustível antes da quarentena. Atualmente esse valor está reduzido em 25% devido à pandemia do covid-19.

Nesse contexto, o engenheiro da refinaria El Palito, Dany Ramos, afirma que essa planta de refino tem condições de abastecer metade do país, se manter a produção atual. “El Palito poderia abastecer 12 estados venezuelanos. Além disso, quando as refinarias Amuay e Cardón forem retomadas a produção seria suficiente para abastecer os outros [12] estados e ainda exportar combustível”. Dessa forma a produção em território nacional poderia devolver à Venezuela a auto-suficiência que foi comprometida com o bloqueio econômico.

Refinaria El Palito pretende estabilizar a produção de combustível (Foto: Fania Rodrigues)

Prejuízos do bloqueio internacional

O bloqueio internacional liderado pelos dos Estados Unidos retirou da Venezuela cinco refinarias e uma petroquímica no exterior. Além das três localizadas nos EUA, existe uma em Aruba e outra em Curaçao, que também estão interditadas a pedido do Departamento do Estado norte-americano. Assim como uma empresa de petroquímica na Colômbia, responsável por produzir 60% dos fertilizantes consumidos pela agricultura colombiana.

Essa semana a indústria petroleira venezuelana sofreu um novo golpe. O juiz federal estadunidense, Leonard Stark, do estado de Delaware, autorizou a venda de ativos da empresa venezuelana CITGO com o objetivo de pagar uma indenização reivindicada pela mineradora canadense Crystallex.

Essa multinacional teve seus ativos estatizados na Venezuela, em 2008, pelo ex-presidente Hugo Chávez. Na época o governo venezuelano pagou o valor de mercado pelos ativos, porém a empresa pedia uma indenização de U$ 1,2 milhão por perdas em lucros futuros. O valor de mercado da Citgo está entre U$ 13 e 20 bilhões, isso sem calcular o lucro da empresa que não é repatriado à Venezuela desde 2017 e estão bloqueados pelo Departamento do Tesouro, segundo o governo venezuelano.

O ministério de Relações Exteriores da Venezuela disse em nota que a decisão da Justiça norte-americana tem fins políticos. “Nessa sentença existe claramente a existência de um plano do governo estadunidense de confiscar os ativos da PDVSA nos Estados Unidos. Com esse fim foi delegado a Juan Guaidó e seus cúmplices uma representação fraudulenta da República e da PDVSA, que é ilegal, que atua contra os interesses nacionais”, diz a nota.

A sentença pretende executar uma decisão tomada pelo Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID), em um litígio no valor de 1,2 milhão de dólares, fruto de uma petição realizada pela Crystallex contra o Estado venezuelano. No entanto, chancelaria da Venezuela explica que nem a PDVSA, a Citgo ou a PDV Holding são parte no processo e não possuem vínculo com a dívida reclamada pela Crystallex nos processos judiciais conduzidos pelo Tribunal Internacional do ICSID.