Exclusivo: Um escândalo de Pinochet que lembra a "rachadinha" da família Bolsonaro

Pinochet acumulou uma fortuna à custa do salário mirrado de soldados e outros integrantes das tropas sob seu mando. Praticamente um dízimo institucionalizado e para o qual ninguém teria coragem de dizer não. Assim como a “rachadinha” da família Bolsonaro

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POR ROGERIO TOMAZ JR.*

Chile, 1979. Perto de completar o sexto ano da sua ditadura iniciada em 1973, Augusto Pinochet decidiu lançar um livro contando a sua versão dos fatos para o que ocorreu no fatídico 11 de setembro daquele ano.

“El día decisivo”, nunca traduzido no Brasil, é recheado de mentiras e distorções, a começar pelo fato de que Pinochet, ao contrário do que o senso comum difunde e o livro exaltava, não era o principal líder do golpe contra Salvador Allende.

Na verdade, Pinochet só confirmou a sua adesão ao movimento golpista a dois dias da operação. Apenas na noite do dia 9 de setembro, numa conversa com o comandante da Aeronáutica do governo, o general do ar Gustavo Leigh, o futuro ditador se somou ao grupo insurgente.

A publicação ficou a cargo da editora Andrés Bello, que funciona como uma empresa comercial, embora seja vinculada à Faculdade de Direito da Universidade do Chile e à Biblioteca do Congresso Nacional do país. Dezenas de milhares de cópias foram impressas e distribuídas em cada repartição pública, escola, biblioteca e outros órgãos mantidos pelo Estado chileno.

“Dízimo”

Além disso, os membros das Forças Armadas também receberam a obra. Entretanto, os militares recebiam o livro assinado pelo “comandante supremo” acreditando que era um presente, mas no final do mês o valor era descontado do salário.

Com isso, Pinochet acumulou uma fortuna à custa do salário mirrado de soldados e outros integrantes das tropas sob seu mando. Praticamente um dízimo institucionalizado e para o qual ninguém teria coragem de dizer não. Assim como a “rachadinha” da família Bolsonaro.

A história é contada no segundo volume da trilogia “História secreta de Chile”, de Jorge Baradit, também não traduzido no Brasil, e se baseia principalmente nos relatos de “La CIA en Chile”, de Carlos Basso, e “Fórmula para o caos”, do brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira.

Mais detalhes sobre esse escândalo e as mentiras de Pinochet estão nesse vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=_3huxkPze-4

Derrotas

Após ser apeado do poder, através de um plebiscito, cuja vitória era dada como certa pela Junta Militar, Pinochet passou a vida lutando para escapar da cadeia. Foi condenado por genocídio e corrupção, foi preso diversas vezes, inclusive em Londres, pela Scotland Yard, passou bom tempo em prisão domiciliar e, após sua morte, a família teve que devolver ao povo chileno mais de 5 milhões de dólares – dos mais de 17 milhões que desviou ao longo da ditadura.

O plebiscito é retratado no belo filme “No” (2012), adaptado de uma peça de teatro de Antonio Skármeta (“O carteiro e o poeta”), dirigido por Pablo Larraín e estrelada por Gael García Bernal, ator mexicano que hoje integra o conselho assessor da Internacional Progressista, junto a nomes como Noam Chomsky, Naomi Klein e Fernando Haddad.

*Rogério Tomaz Jr. é jornalista brasileiro vivendo em Mendoza, onde cursa o mestrado em Estudos Latinoamericanos da Universidade Nacional de Cuyo, com projeto sobre a mobilização social atual do Chile para uma nova Constituição.