Insurgência no Iraque: "Não tem sentido chamá-los de terroristas"

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Para professor da PUC-SP, atual onda de tomadas de cidades no Iraque está sendo conduzidas por alianças de militantes que sofrem opressão desde a invasão norte-americana em 2003, não por terroristas Por Vinicius Gomes Em meio a uma nova crise no Iraque, o secretário de estado dos EUA, John Kerry, viajou ao país com o intuito de pedir ao primeiro-ministro Nouri al-Maliki que os xiitas no governo deem mais espaço político a seus oponentes, principalmente os sunitas, para que assim consigam controlar a insurgência que tem se espalhado pelo país conquistando cidades e vencendo o exército iraquiano. O maior debate no momento está sendo a volta de tropas – mínimas ou não – norte-americanas em solo iraquiano e muito já se tem dito sobre a caracterização dos insurgentes sunitas - e não apenas o Exército Islâmico do Iraque e do Levante (Isil, sigla em inglês) - como “terroristas”. Para o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Nasser, isso não corresponderia com a verdade: “Não tem sentido chamá-los de terroristas, pois terroristas não têm a capacidade de tomar a segunda maior cidade do Iraque”, afirma Nasser, se referindo à Mosul, no norte do Iraque. “Eles são insurgentes que estão lutando contra um Estado formado pela ocupação militar. Até porque, mesmo tendo eleições, estas foram montadas pelos EUA/OTAN junto das elites xiitas”, explica o professor – que ainda completa dizendo que se eles conquistaram algumas das principais cidades do país, significa que eles contam com o apoio da população. A avaliação de Nasser faz eco a um relatório escrito por Kenneth Pollack sobre a situação militar no Iraque. O especialista em Oriente Médio argumenta que definir os militantes sunitas como terroristas implica que eles devem ser atacados imediatamente e diretamente pelos EUA e, que definir a crise iraquiana como étnica é falaciosa. De fato, o argumento de “conflito étnico” entre sunitas e xiitas iraquianos é apenas uma tentativa fácil de explicar uma situação complexa que data desde a Primeira Guerra Mundial, quando o Iraque foi “inventado” pelo Reino Unido, em um processo muito parecido com o que ocorreu com a partilha da África no final do século 19: um mapa, uma régua e fronteiras sendo estabelecidas sem considerar a divisão tribal que sempre existiu no Iraque – mesmo que ao longo dos anos tenha sido criada uma unidade nacional, principalmente durante o regime do Partido Ba´ath, de Saddam Hussein. Segundo Nasser, a fórmula do “conflito étnico” é confortável para os países ocidentais e tem exemplos recentes como Líbia, Síria, Ucrânia e agora, o Iraque:  “Voltando ao tempo da ocupação, logo depois do término do regime de Saddam Hussein, quando George W. Bush anunciou a vitória no Iraque, devemos lembrar que as primeiras grandes resistências à ocupação militar vieram de xiitas no sul do país, notoriamente na cidade de Basra”, argumenta Nasser. “E mesmo assim, o principal movimento dos norte-americanos foi a cooptação de uma parte dos xiitas, ou seja, a elite xiita - imputando que não existe diferença organizacional dentro da etnia – é quase como dizer os ‘católicos do Brasil’ sem considerar diferença alguma nesse grupo”, explica o professor. Outra questão levantada por Nasser é até que ponto interessa a certos grupos dentro dos EUA se está havendo caos ou não no Iraque: “O que interessa a esses grupos é que o petróleo continue sendo coletado”, e dá como exemplo uma fala do ex-vice-presidente da era Bush, Dick Cheney, na semana passada ao The New Yorker: “Meus pensamentos e preces estão com os poços de petróleo do Iraque”, disse Cheney. Deve ser observado também o fato de os militantes sunitas, apesar de conquistarem diversas cidades, não terem rumado para a capital, Bagdá. O motivo é muito simples: uma coisa é tomar uma cidade, outra coisa é governá-la. Na opinião de Nasser, em breve esses militantes irão abrir negociações com o governo iraquiano: “A questão é que depois da ocupação militar dos EUA, nunca existiu um real projeto de Estado por aqueles que foram cooptados por eles. E é sobre isso que se trata os atuais combates no Iraque, são pessoas que estão há anos descontentes com um regime que não os representa e os oprime”.