Por Jafar Yousefi*
O prêmio que um dia representou a consciência moral do mundo hoje se tornou uma ferramenta de pressão política.
O Prêmio Nobel da Paz já não simboliza a paz, mas a lealdade: lealdade a uma narrativa única sobre o mundo, a uma ordem específica de poder e a um bloco que disfarça sua hegemonia sob gestos “humanitários”.
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De repente, surge María Corina Machado, uma figura política quase desconhecida dentro da própria Venezuela, como vencedora do Nobel da Paz 2025. Não há conquistas concretas em favor da paz, nem consenso entre os diferentes setores da oposição.
Por que ela? A resposta não está em Caracas, mas sim em Washington, Londres e Bruxelas.
Nos últimos anos, a Venezuela decidiu recuperar sua verdadeira independência: retirar seu petróleo do circuito do dólar, fortalecer alianças com China, Rússia e os BRICS e construir uma soberania energética própria.
Essa decisão, para o Ocidente, é um pecado imperdoável. E justamente quando os Estados Unidos atacam três embarcações venezuelanas, deixando dezenas de mortos e ameaçando novas operações militares, o “prêmio da paz” vai parar nas mãos de uma opositora alinhada à agenda de Washington. Ironias da história.
Talvez o aspecto mais poderoso do soft power ocidental seja essa coordenação invisível entre seus diversos braços — meios de comunicação, fundações, academias e plataformas digitais.
Todos se movem na mesma direção quando se trata de fabricar um herói, de produzir uma “figura global” que enfraqueça a autodeterminação de um país por dentro.
Padrão Lava Jato
Um exemplo claro desse mecanismo pode ser encontrado no Brasil. Nos anos em que os governos de Lula e Dilma decidiram seguir um caminho independente de Washington ampliando as relações com China e Rússia, e defendendo a Amazônia como patrimônio nacional — uma rede coordenada de pressões midiáticas, econômicas e judiciais começou a operar.
A operação Lava Jato, apresentada ao mundo como uma cruzada anticorrupção, acabou se tornando um instrumento de lawfare, utilizado para conter a autonomia política e enfraquecer lideranças eleitas.
Ao mesmo tempo, os grandes meios internacionais construíram uma imagem negativa dos líderes brasileiros, enquanto as instituições globais que deveriam agir com neutralidade escolheram o silêncio.
É exatamente o mesmo padrão que hoje se repete na Venezuela: sempre que surge uma vontade real de independência, o poder suave do Ocidente entra em cena com o discurso da ética e da democracia para corroer, de forma silenciosa, a soberania nacional.
O Nobel da Paz, nesse contexto, não é um reconhecimento moral, mas um instrumento político: um selo de legitimidade para as oposições funcionais ao poder global.
Sempre que um país decide caminhar por conta própria, aparece uma “figura inspiradora” coroada como símbolo da liberdade. Foi assim com Aung San Suu Kyi em Mianmar e agora com Machado na Venezuela.
A verdade é que o Nobel da Paz há muito tempo deixou de ser um árbitro imparcial. Por trás das cerimônias elegantes de Oslo, esconde-se a velha lógica do domínio: “ou estás conosco, ou estás contra nós.”
Machado é produto dessa lógica — um rosto moral a serviço de uma causa profundamente imoral. E talvez, no futuro, a história não lembre seu nome, mas sim esta pergunta:
O que resta do significado da paz quando o prêmio é entregue àqueles que justificam a guerra?