Na Argentina, mulher que “permitiu estupro da filha e da neta” recebe pena maior que a dos estupradores

María Ovando foi condenada a 20 anos de presídio por supostamente “não ter evitado o abuso sexual das menores”. Os dois estupradores receberam penas com menos anos de prisão

A aposentada María Ovando e a advogada Roxana Rivas (foto: Télam)
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Uma decisão ganhou as manchetes de todos os jornais da Argentina nesta quarta-feira. O Tribunal Criminal da cidade de Eldorado, no norte do país (próximo da tríplice fronteira com Brasil e Paraguai) condenou a aposentada María Ovando a uma pena de 20 anos de prisão, por supostamente ter “negligenciado ajuda a sua filha e sua neta, enquanto sofriam abusos sexuais de dois adultos”.

A tese que condenou a aposentada foi bastante questionada, mas o escândalo maior foi por causa da quantidade de anos que a sentença deu a ela, não só por ser considerada uma pena alta, como também porque foi maior que dos dois estupradores condenados pelo mesmo caso: Marcos Iván Laurindo pegou 18 anos de prisão, e Lucas Sebastián Ferreira recebeu 12 anos de prisão, ambos por estupro de menores de idade com acesso carnal.

Mas os absurdos do caso não acabam por aí. Os abusos mencionados ocorreram durante os anos de 2013 e 2015, quando as menores não estavam sob os cuidados de María Ovando, que havia sido condenada em 2011 por “negligência de menores” – naquele então, ela teria sido acusada por levar sua filha a pé até um hospital que fica longe da sua casa, por não ter condições financeiras para usar algum tipo de transporte e o tribunal entendeu que a demora colocou em risco a vida da criança.

Em entrevista ao diário argentino Página/12, a advogada Roxana Rivas, defensora de María Ovando, disse considerar as sentenças um exemplo de como funciona a discriminação às mulheres no sistema judiciário argentino. “Sabemos que existe uma perseguição contra María desde o primeiro caso, que a condenou simplesmente por ser pobre, agora a estão condenando por ser mulher”, alegou a defensora.

“As irregularidades do processo são evidentes. Os abusos sofridos pelas meninas foram durante o tempo em que estiveram com os tutores, que inclusive ainda estão com a guarda delas”, contou a advogada.

Rivas afirmou que apelará a instâncias internacionais e comissões de direitos humanos para interceder em favor da sua cliente e permitir sua soltura. No início deste mês, a Comissão de Direitos Humanos do Parlasul (Parlamento do Mercosul) aprovou um projeto para exigir a incorporação de elemento de perspectiva de gênero no julgamento de María Ovando. A mesma solicitação foi feita à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), que ainda não se pronunciou.

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