Republicanos desembarcam da candidatura Trump antes que barco afunde; por Heloisa Villela

Machista, homofóbico, racista, brutamontes. Donald Trump representa o que de pior existe na sociedade norte-americana e trouxe à tona esses sentimentos

Donald Trump em discurso na Casa Branca - Reprodução/Twitter
Escrito en GLOBAL el

Se as pesquisas são uma indicação forte da provável derrota de Donald Trump no dia 3 de novembro, o comportamento de nomes importantes do partido republicano fala ainda mais alto que o desastre vem aí. Os ratos correm antes que o barco afunde no melhor estilo salve-se quem puder. Foram quase quatro anos de controle firme do partido que ele tomou de assalto.

Deputados, senadores e governadores republicanos morriam de medo de provocar a ira de um presidente que parecia reger a vontade do eleitorado com uma varinha de condão. Mas o debate foi a gota d’água que pesou sobre a varinha já carregada de dados reais irrefutáveis e lá se foi o encanto…

Em campanha, na sexta-feira, o democrata Joe Biden disse que quanto mais tempo Donald Trump passa na presidência, mais imprudente ele se torna. Mas Biden é o adversário. Claro que ele vai criticar. O importante, agora, é ouvir o que dizem os correligionários ameaçados de derrota nas urnas já que a eleição também inclui a renovação completa da câmara (435 deputados) e de um terço do senado (são 100 ao todo e 35 estão concorrendo a reeleição).

Ted Cruz tem mandato garantido até 2024. Senador do Texas e um dos nomes mais conhecidos do partido republicano, ele já vislumbra um resultado desastroso para o partido em novembro. “Pode ser um banho de sangue como foi Watergate”. No ano em que Richard Nixon se viu obrigado a renunciar para não ser afastado, os republicanos perderam várias cadeiras na câmara e outras quatro no senado. Agora, eles já são minoria na câmara e tudo indica que o senado também será democrata depois do dia 3 de novembro. “Eu estou preocupado”, admitiu Cruz em entrevista à CNBC.

Na Carolina do Sul, o até então todo poderoso Lindsey Grahan sente a mudança do vento. Considerado cão fiel de Donald Trump nos últimos dois anos, ele corre risco de ver um democrata eleito senador fazer história no estado. Jaime Harrison, um político negro, começou na carreira trabalhando para o manda chuva negro Jim Clyburn, deputado que selou a escolha de Joe Biden como candidato a presidente durante as primárias. Até um mês atrás ninguém acreditava que Harrison poderia desbancar Grahan. Mas agora, os dois estão empatados nas pesquisas e o democrata tem muito mais dinheiro em caixa para gastar com anúncios. Em matéria de arrecadação, já ganhou.

No estado vizinho, a Carolina do Norte, Thom Tillis se recupera da Covid-19, que provavelmente contraiu no jardim da Casa Branca quando participou da festa de apresentação da juíza Amy Barrett, escolhida por Trump para ocupar a cadeira vaga na Suprema Corte. Tillis esteve lá, sem máscara, confraternizando com outros republicanos, e ficou doente. Já se recuperou e participou de um debate com o adversário esta semana.

Sem querer, ou não, defendeu a própria candidatura como algo necessário para o equilíbrio dos poderes em Washington: “A melhor maneira de manter a presidência de Biden em cheque é ter uma maioria republicana no senado”. Ou seja, já está contando com a derrota de Trump. Há um ano, ninguém do partido se arriscaria a falar assim com medo da reação do presidente.

Segundo as pesquisas, Martha McSally não tem mais chances de se manter no senado. Vai perder, no Arizona, para o astronauta democrata Mark Kelly. E criticou Trump abertamente. “Honestamente, fico uma fera quando ele faz isso”, disse Martha, se referindo aos ataques constantes de Trump a John McCain, o senador que foi candidato a presidente, era muito popular no estado e passou cinco anos e meio no Vietnã como preso de guerra.

Donald Trump, que nunca serviu o exército, desqualificava o histórico de McCain, um dos raros republicanos que nunca se curvou à vontade do presidente. Ele morreu em 2018 e agora a mulher de McCain se juntou à campanha de Biden.

Até o veterano senador do Texas John Cornyn criticou Trump por ter criado muita confusão em torno do coronavírus e por ter se descuidado enquanto a pandemia avança no país. O presidente agora se cuida com tudo que a ciência americana tem de melhor. Todos os remédios aos quais a população não tem acesso. Nem por isso deixou de reunir 500 pessoas no jardim da Casa Branca, neste fim de semana, para fazer um discurso.

Ele queria ir à Flórida fazer um comício. Alguém conseguiu barrar a ideia desvairada. Mas ele discursou da sacada da residência oficial do governo para um grupo de jovens uniformizados, aglomerados na grama, muitos deles sem máscara. Trump estava de longe, protegido. A turma lá embaixo que se dane. E o governo ainda garantiu que foi um evento para 2.000 pessoas.

Do começo ao fim, o desrespeito e as mentiras. A briga com a realidade começou na posse do presidente. Trump bateu o pé quando a imprensa comentou que a festa da posse de Barack Obama tinha muito mais gente do que a dele. O recém eleito Donald ficou irado. Disse que era mentira e não se rendeu às fotos, colocadas lado a lado, para confirmar o que todo mundo já sabia.

Imagens aéreas das posses de Barack Obama, à esquerda, e Trump, à direita - Reprodução

É um encerramento compatível com os quatro anos de “fatos alternativos”, expressão criada por uma assessora fiel, hoje também portadora de Covid.

Os fatos alternativos se multiplicaram nas últimas semanas. Quando chegou ao debate, decidido a acabar com Joe Biden na marra, impondo discursos agressivos sobre a fala do outro, Trump achou que viraria o jogo. Nas pesquisas, perdeu pontos importantes e muito provavelmente decisivos nessa reta final. Fica a impressão de que em quatro anos, uma era veio e se foi.

Machista, homofóbico, racista, brutamontes. Donald Trump representa o que de pior existe na sociedade norte-americana e trouxe à tona esses sentimentos. Autorizou grupos radicais que levam esses preconceitos às últimas consequências. Essa eleição pode ser um passo decisivo para empurrar essa turma para escanteio outra vez em uma dinâmica histórica que, em cada giro da roda, torna menores e mais fracos esses grupos de ódio e engrossa as fileiras da solidariedade colorida, como se viu nas ruas, durante o verão de protestos como o país não vivia desde os anos 60. Que gire a roda!