Uruguai: quem pode se declarar “vencedor” das eleições departamentais? Por Rogério Tomaz

À matemática fria que poderia “justificar” uma “vitória” do Partido Nacional se opõe a política, que pondera o peso simbólico (e político) do que está em disputa em cada momento eleitoral

Carolina Cosse e José "Pepe" Mujica (Reprodução)
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Por Rogério Tomaz Jr.*

A eleição mais importante do Uruguai é a do presidente da República. A segunda mais importante é a do departamento de Montevidéu. A Frente Ampla perdeu a primeira, em 2019, por apenas 37 mil votos. Naquela eleição, foi o partido político mais votado e elegeu a maior bancada do Congresso, tanto na Câmara quanto no Senado.

Na batalha por Montevidéu, apesar do desgaste natural de quem está no poder há 30 anos, a coalizão de centro-esquerda voltou a receber o voto de confiança da população e renovou o seu mandato no comando do departamento, unidade administrativa equivalente aos estados brasileiros.

Ao contrário de São Paulo, entretanto, onde os tucanos também governam há décadas, mas acumulam mais de 70 pedidos de CPIs enterrados e dezenas de casos de corrupção fartamente comprovados, mas sem qualquer punição, na capital do Uruguai não há sequer a mais pálida suspeita de algum esquema de corrupção sistemático no governo da Frente Ampla.

É fato que o Partido Nacional – os tradicionais “blancos”, com um perfil muito parecido ao do PSDB no Brasil – conquistou a ampla maioria dos departamentos (15 de 19), como é igualmente verdadeiro que a Frente Ampla vai governar departamentos que somam aproximadamente 1,9 milhão de habitantes, contra 1,2 milhões dos 15 departamentos somados nos quais o partido governista venceu.

Mais: a Frente Ampla venceu em 3 dos 4 departamentos mais populosos (Montevidéu, Canelones e Salto). Numa situação hipotética, se a Frente Ampla tivesse vencido os 15 departamentos conquistados pelos nacionais, mas tivesse perdido para eles a capital, todo o país diria que a legenda de Lacalle Pou havia sido a grande vitoriosa. Em uma frase: “a” eleição que realmente importou no domingo passado foi a de Montevidéu. Daí que não é nenhum exagero retórico que alguém considere vencedora a força liderada por Tabaré Vázquez, Pepe Mujica e Danilo Astori.

À matemática fria que poderia “justificar” uma “vitória” do Partido Nacional se opõe a política, que pondera o peso simbólico (e político) do que está em disputa em cada momento eleitoral.

A engenheira e ex-ministra da Indústria Carolina Cosse assumirá a prefeitura da cidade, garantindo o 7º mandato consecutivo da Frente Ampla na capital uruguaia. À matemática fria que poderia “justificar” uma “vitória” do Partido Nacional se opõe a política, que pondera o peso simbólico (e político) do que está em disputa em cada momento eleitoral.

O único derrotado incontestável nestas eleições departamentais é o Partido Colorado, que foi praticamente varrido da administração pública do país. Sobreviveu apenas em Rivera, um reduto praticamente inexpugnável dos colorados, e em alguns poucos e inexpressivos municípios.

A rigor, o jogo segue muito parelho no Uruguai. O governismo ganhou terreno, mas o território da Frente Ampla continua pujante, o seu legado no governo do país é amplamente positivo. A peleia continua.

*Rogério Tomaz Júnior é jornalista brasileiro, residente em Mendoza, onde faz mestrado em Estudos Latinoamericanos na Universidade Nacional de Cuyo. Mantém um canal no Youtube (www.youtube.com/rogeriotomazjr) no qual fala de política da América Latina e outros assuntos. No Twitter: @rogeriotomazjr

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