Italianos esperam formação de novo governo

Sob a égide de populistas, o novo governo da Itália traz consigo o fantasma do fascismo

29 Dec 1971, Rome, Italy --- Senators and Deputies fill the flag-draped Chamber of Deputies to witness President Giovanni Leone (standing at second highest row of desks facing deputies) take the oath of office. --- Image by © Bettmann/CORBIS
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[caption id="attachment_133836" align="alignnone" width="640"] Foto: Wikimedia Commons[/caption] Por Vinicius Sartorato* Com a abdicação do Primeiro-Ministro Matteo Renzi, do Partido Democrático (PD) (em dezembro de 2016), a coalizão que liderava o país desde 2013 articulou a formação de um novo governo, liderado pelo então Ministro de Relações Exteriores, Paolo Gentiloni (PD). Visto como um tecnocrata,  o novo premier encontrou um país mais organizado do que seu partido recebeu em 2013 - com profundas dificuldades econômicas oriundas da crise financeira de 2011, porém teve que lidar com a questão eleitoral e em paralelo com graves problemas sociais, em especial a questão da imigração massiva que assola o país. Apesar de apresentar as melhores marcas de redução nos níveis de desemprego geral e juvenil desde a crise financeira de 2011, Gentiloni viu no âmbito da política externa seu maior desafio. O tráfico de pessoas, a imigração ilegal, o terrorismo islâmico e o reflexo de Guerras Civis na Líbia e na Síria foram temas recorrentes e polêmicos que marcaram a última eleição de março de 2018. Além da tradicional imigração de perfil econômico de nações do leste europeu, o país passou a ver na última década uma crescente imigração de refugiados de conflitos armados, advindos da África, mas também de países asiáticos. Tais fatos estimularam certo populismo eleitoral. Apesar do sucesso limitado nas eleições locais (de junho 2017), o crescimento do Movimento 5 Estrelas (M5S) e a Liga Norte (LN) já era um fato consumado. Se por um lado, o M5S reúne uma militância atípica, que mistura traços de direita e esquerda; por outro, a LN reúne uma base de extrema-direita bastante sólida, marcada por discursos anti-imigração – e muitas vezes  racistas, explicitamente alinhados com personagens como Marine Le Pen, Viktor Orban, Frauke Petry, entre outros extremistas europeus. A consagração esperada por estudiosos dessas duas forças políticas, deu-se nas eleições de 4 de março último. O M5S, liderado pelo humorista, Beppe Grillo, e o jovem político, Luigi Di Maio, conseguiram sozinhos 32,7% dos votos, conquistando a primeira posição na eleição, com uma votação expressiva no centro e no sul do país. Já a LN, então em aliança com o Força Itália (FI) de Berlusconi, conseguiu desbancá-lo, apresentando-se como a primeira força entre as forças de direita, sendo terceira colocada na eleição com um resultado de 17,4% dos votos. Com esse resultado, a prioridade de abrir negociações para formação de um novo governo foi claramente conquistada pelo M5S, que após 2 meses de idas e vindas, apresentando vetos sobre a influência da liderança de Berlusconi (FI) e Renzi (PD), seguiu negociando – sem sucesso - com a coalizão de direita e também com o PD que saiu da eleição como segundo partido (18,7%). Com o iminente risco da convocação de uma nova eleição, caso não conseguisse formar um novo governo, o M5S partiu então para um diálogo direto com a LN. Por esse caminho, Di Maio (M5S) e Matteo Salvini (LN) entraram nas últimas semanas trabalhando em um acordo, materializado em um “Contratto per Il Governo del Cambiamento”. Mas, quais seriam essas mudanças? O que esperar de dois partidos que nunca governaram o país? O que esperar de partidos que até então eram favoráveis à retirada do país da União Europeia; retorno à Lira como moeda nacional? O que esperar de partidos que aparentemente possuem ideias divergentes sobre o tema da imigração? Para acalmar os ânimos, os partidos apresentaram, na última semana, uma edição do documento, indicando suas propostas. Com destaque, uma política econômica de austeridade; uma política externa, que reafirma a participação na UE na OTAN, na relação de aliado privilegiado com os EUA, porém com uma abertura à Rússia, vista não como uma ameaça, mas como um parceiro econômico relevante. No campo da segurança, um preocupante “populismo punitivista”, que abre espaço para interpretações dúbias em temas como “armas e direito de autodefesa” e “redução de maioridade penal”. No tocante à imigração, uma proposta de revisão dos processos de repatriamento e combate ao tráfico humano, junto à UE e países mediterrâneos. Enquanto no combate à pobreza, a iniciativa “renda da cidadania”, um programa que destina 780 euros para cidadãos italianos em busca de emprego e em risco de pobreza. Enfim, a formação deste novo governo é bem provável. Já publicação do referido contrato de governo e a indicação nesta segunda-feira (21 de maio de 2018) do nome do jurista e professor de Direito, Giuseppe Conte, um “outsider”, ao invés de acalmar, acabou gerando ainda mais apreensão entre observadores da política italiana sobre o futuro do país. Há poucas semanas, Domenico De Masi, renomado sociólogo italiano, culpava o PD por não negociar com o M5S e indicava que a inconsistência filosófica do M5S poderia levar o país – em 2 anos - direto para as mãos de neofascistas incrustados nas fileiras da LN de Salvini. Mais do isso, com uma pequena margem de maioria de votos poderia levar o país a uma paralisia total. Quem viver, verá. *Vinicius Sartorato é sociólogo, mestre em Políticas de Trabalho e Globalização pela Universidade de Kassel (Alemanha)