Arte

Alice Coltrane: a pianista hindu que mudou a história do gênero e suas composições geniais

Uma das mulheres mais singulares de seu tempo foi esquecida, mas sua fé e suas habilidades contribuíram imensamente para a música

Escrito en História el
Historiadora e professora, formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Escreve sobre história, história politica e cultura.
Alice Coltrane: a pianista hindu que mudou a história do gênero e suas composições geniais
Alice Coltrane em 1972. wikipédia

Entre as figuras mais inspiradoras da música do século XX, Alice Coltrane ocupa um lugar singular. Pianista, harpista e compositora norte-americana, ela foi uma das poucas mulheres a conquistar reconhecimento em um universo dominado por homens — o jazz experimental dos anos 1960 e 1970.

Embora muitas vezes lembrada apenas como a esposa do lendário saxofonista John Coltrane, Alice foi uma artista de identidade própria, que expandiu os limites do jazz ao incorporar elementos de música clássica indiana, misticismo e meditação.

Das origens no gospel ao jazz cósmico

Nascida Alice McLeod, em 1937, em Detroit, ela cresceu em uma família profundamente religiosa e ligada à música gospel. Desde jovem, aprendeu piano e órgão na igreja, desenvolvendo uma sensibilidade espiritual que mais tarde se tornaria marca de sua obra.

Na década de 1960, já atuava como pianista em clubes de jazz e acompanhava artistas renomados. Sua vida mudou completamente ao conhecer John Coltrane, com quem se casou em 1965.

O casal mergulhou em uma intensa busca espiritual e musical, experimentando novas sonoridades e filosofias. Alice passou a integrar o quarteto de John Coltrane, participando de discos que se tornariam clássicos do jazz moderno, como Expression e Infinity.

Alice e John Coltrane
(foto: domínio público)

Espiritualidade e transformação

Após a morte de John Coltrane, em 1967, Alice entrou em um período de profunda transformação interior. Buscando consolo e sentido, mergulhou na filosofia hindu e nas práticas de meditação.

Adotou o nome espiritual Turiya Sangitananda e passou a compor músicas inspiradas em mantras e textos sagrados. Fundou o Centro Vedântico Shanti Anantam Ashram, na Califórnia, onde viveu como líder espiritual e guia religiosa por décadas.

Os álbuns solo de Alice Coltrane — como Journey in Satchidananda (1971), Universal Consciousness (1972) e Transcendence (1977) — são obras de profunda beleza e experimentação. Neles, ela combinou harpa, tanpura, percussões indianas e instrumentos de jazz, criando um som etéreo e meditativo, hoje conhecido como “spiritual jazz”.

Sua música refletia uma busca por transcendência e união entre culturas, religiosidade e som. Como ela mesma dizia:

“A música é um dos caminhos mais diretos para Deus.”

Legado e influência

Alice Coltrane morreu em 2007, mas seu legado espiritual e musical permanece vivo. Nas últimas décadas, seu trabalho foi redescoberto por novas gerações de artistas e ouvintes. Músicos como Kamasi Washington, Thundercat e Flying Lotus — seu sobrinho-neto — citam Alice como influência direta.

Seu nome hoje é reverenciado como uma das maiores inovadoras do jazz e um elo entre o Ocidente e o Oriente, a arte e a meditação, o som e o sagrado.

Alice Coltrane transcendeu as barreiras da música para transformar sua arte em oração. Pianista virtuosa, compositora visionária e líder espiritual, ela mostrou que o jazz podia ser mais do que improviso — podia ser também um caminho para a iluminação.

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