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Esse foi o primeiro museu registrado na história

O primeiro museu do mundo foi criado por uma mulher no atual território do Iraque

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Historiadora e professora, formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Escreve sobre história, história politica e cultura.
Esse foi o primeiro museu registrado na história
Ruínas do museu. wikipédia

Costuma-se dizer que os museus nasceram com o Iluminismo e o avanço das ciências na Europa dos séculos XVIII e XIX. De fato, instituições como o Louvre, em Paris, e o Museu Britânico, em Londres, moldaram a ideia moderna de museu — espaços públicos de preservação, educação e exibição de patrimônio.
Mas a raiz dessa prática é muito mais antiga e menos ocidental do que se imagina.
Mais de 2.500 anos atrás, na antiga Mesopotâmia, uma princesa babilônica — mulher, sacerdotisa e intelectual — criou o que hoje é reconhecido como o museu mais antigo do mundo.

Enigaldi-Nanna: intelectual da Babilônia

Enigaldi-Nanna viveu no século VI a.C., em uma das épocas de maior esplendor da civilização babilônica. Filha do rei Nabônido, o último monarca do Império Neobabilônico (556–539 a.C.), ela cresceu em meio a templos monumentais, bibliotecas e tradições de culto aos deuses sumérios.

Seu pai, Nabônido, era conhecido por seu fascínio por antiguidades. Arqueólogos o consideram, em certo sentido, o primeiro “arqueólogo” da história: ele mandava restaurar templos antigos e deixava registros detalhados sobre as obras, datando-as e descrevendo seus construtores originais. Essa mentalidade de preservação histórica influenciou profundamente Enigaldi.

Designada sumo-sacerdotisa do deus-lua Nanna (Sin), Enigaldi residia na cidade de Ur, um dos centros religiosos mais antigos da Mesopotâmia. Foi ali, por volta de 530 a.C., que ela criou um espaço inédito: uma coleção organizada de objetos antigos, dispostos de modo didático — o que os arqueólogos modernos chamam de Museu de Enigaldi-Nanna.

O que se expunha nesse museu babilônico?

As escavações lideradas por Leonard Woolley, em 1925, revelaram que Enigaldi reuniu objetos provenientes de civilizações que já haviam desaparecido há séculos, como os sumérios e os acádios. Entre os itens encontrados, havia:

  • Estátuas de reis e deuses danificadas, cuidadosamente restauradas;
  • Instrumentos de bronze e cerâmica datados de 1.500 anos antes de Enigaldi;
  • Cilindros de argila com inscrições que contavam histórias de templos e conquistas;
  • Selos e tabletes administrativos, mostrando a burocracia e a escrita de épocas anteriores.

Esses objetos não estavam simplesmente armazenados: estavam expostos com etiquetas explicativas — pequenas placas de argila com textos em sumério, acádio e babilônico. Cada etiqueta informava o nome do objeto, sua origem e até sua data aproximada.

Trata-se do primeiro exemplo conhecido de catalogação museológica da humanidade — um esforço consciente de contextualizar o passado, não apenas de colecionar relíquias.

Cilindro em comemoração à restauração do templo de Ur
(foto: wikipédia)

A cidade onde nasceu o primeiro museu

Ur, onde o museu foi construído, era uma cidade sagrada e milenar. Localizada próxima ao rio Eufrates (atual sul do Iraque), havia sido um dos grandes centros do Império Sumério quase dois mil anos antes do tempo de Enigaldi.

Durante o reinado de Nabônido, Ur foi restaurada como parte de um projeto de resgate histórico. O museu de Enigaldi fazia parte do complexo do templo de Nanna, o deus-lua, e pode ter servido a dois propósitos complementares: educacional e religioso.
Ele ajudava sacerdotes e estudiosos a compreender as tradições do passado, mas também simbolizava a continuidade espiritual e cultural entre os antigos sumérios e os babilônios de sua época.

Quando Leonard Woolley escavou Ur na década de 1920, encontrou os vestígios do museu quase intactos: dezenas de artefatos cuidadosamente organizados e identificados.
Foi a presença das etiquetas trilíngues que convenceu os arqueólogos de que não se tratava de um depósito ou de um santuário, mas de um espaço de exibição e estudo.

Assim, a princesa babilônica se tornou reconhecida como a primeira curadora da história.

 

O Museu de Enigaldi-Nanna muda a maneira como entendemos a história dos museus. Ele mostra que a vontade de compreender o passado e de preservar a memória não é uma invenção europeia — é uma característica humana profunda, presente desde as civilizações mais antigas.

Enigaldi-Nanna, mulher de fé, de saber e de visão histórica, criou um espaço que unia religião, cultura e ciência.
Seu museu, erguido entre templos e zigurates, celebrava o tempo — lembrando aos babilônios que a história não é apenas o que se vive, mas também o que se guarda.

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