A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial foi marcada por contradições políticas e pressões estratégicas. Inicialmente neutro, o governo de Getúlio Vargas foi, aos poucos, se unindo aos aliados — bloco composto principalmente por Reino Unido, Estados Unidos, União Soviética e República da China, contra o Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão. Esse alinhamento foi impulsionado pela crescente influência dos Estados Unidos sobre a região, que enxergavam o Nordeste brasileiro como ponto estratégico para as suas operações no Atlântico Sul.
Após o afundamento de 19 navios mercantes brasileiros por submarinos alemães e italianos, entre fevereiro e agosto de 1942 — que causaram cerca de 743 mortes —, o Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália em 22 de agosto daquele ano. Foi nesse contexto que se criou a Força Expedicionária Brasileira (FEB), enviada à Itália em apoio ao Exército dos EUA.
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A FEB era composta por cerca de 25 mil homens, organizados em três regimentos principais: o Regimento Sampaio (1º RI), do Rio de Janeiro; o Regimento Ipiranga (6º RI), de Caçapava, São Paulo; e o Regimento Tiradentes (11º RI), de São João del-Rei, Minas Gerais.
A Batalha de Montese
O episódio mais sangrento para as tropas brasileiras na Itália ocorreu entre os dias 14 e 17 de abril de 1945, durante a Batalha de Montese, cidade localizada na região da Emília-Romanha. A posição era estratégica para o avanço aliado no norte da Itália, mas estava fortemente defendida pelas tropas do Eixo, entrincheiradas entre minas terrestres e ruínas. A FEB foi encarregada de capturar a cidade, em conjunto a forças britânicas e norte-americanas.
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As tropas brasileiras enfrentaram terreno montanhoso, com rochas escarpadas e pouca cobertura, sob bombardeio constante. Foi nesse cenário que três soldados mineiros do 11º RI (Arlindo Lúcio da Silva, Geraldo Rodrigues de Souza e Geraldo Baeta da Cruz) entraram para a história — tanto por seu sacrifício como pelo mito surgido após suas mortes.
Os três heróis mineiros
De acordo com fontes da literatura de guerra da FEB, Arlindo Lúcio da Silva era lavrador antes de ser convocado. Aos 23 anos, foi enviado à Itália como soldado raso do 11º Regimento de Infantaria. Durante o assalto final à cidade de Montese, Arlindo foi destacado para cobrir o avanço de seus companheiros, e teria resistido sozinho contra o fogo inimigo mesmo depois de ferido.
Natural de Rio Casca, interior de Minas, Geraldo Rodrigues de Souza também era agricultor. Aos 28 anos, integrava o mesmo pelotão de Arlindo e Baeta. Relatos indicam que Geraldo tentou resgatar um colega caído em campo aberto, mas acabou alvejado por uma metralhadora inimiga.
Já o mais jovem entre os três, Geraldo Baeta da Cruz nasceu em Barbacena e foi convocado com 21 anos. Era filho de um ferroviário e, antes da guerra, trabalhava como tecelão. Durante a ofensiva em Montese, Baeta da Cruz teria tentado proteger seus companheiros em um ponto avançado da linha de frente. Ferido, recusou recuar e continuou a lutar até ser abatido.
O mito da homenagem alemã aos "Heróis Brasileiros"
Segundo uma versão bastante difundida após a guerra, os soldados alemães que encontraram os corpos dos três brasileiros ficaram tão impressionados com sua bravura em batalha que improvisaram uma sepultura com uma inscrição em alemão: "Drei brasilianische Helden", que se acreditava significar "Três heróis brasileiros".
Com o tempo, essa história ganhou força e passou a simbolizar a coragem da FEB, sendo, inclusive, reproduzida em livros, documentários e cerimônias militares. No entanto, pesquisas recentes questionam sua autenticidade.
Historiadores e veteranos apontam que a inscrição pode ter tido origem em outro episódio, ocorrido em janeiro de 1945, que envolveu dois soldados nordestinos e um mineiro, também mortos em ação.
Uma outra versão sustenta que a homenagem partiu dos próprios companheiros brasileiros, e não dos alemães, como forma de honrar seus companheiros de batalha.
Já uma terceira hipótese atribui a três soldados norte-americanos que lutaram ao lado da FEB — conhecidos como o “Trio de heróis” —, cuja homenagem teria sido feita por seus compatriotas.
Segundo o portal Jornalismo de Guerra, três soldados brasileiros de fato foram enterrados pelos alemães na região de Precaria, na Itália, e receberam uma cruz com uma inscrição que se traduz como "Três bravos do Brasil". No entanto, evidências apontam que não se tratavam os mineiros de Montese.
Além disso, não há evidências significativas de que eles tenham sido enterrados pelos inimigos, já que, de acordo com fontes mais recentes, eles teriam morrido em locais diferentes.
Informações do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército (CEPHiMEx) apontam que o padioleiro do Destacamento de Saúde do 11º RI, Geraldo Baêta da Cruz, teria morrido com a explosão de uma granada quando se dirigia em auxílio ao pelotão do Tenente Ary Rauen, entre Motaurígula e as Fraldas de Montese.
Geraldo Rodrigues de Souza, da Companhia de Obuses (canhões), do 3º Batalhão do 11º RI, teria morrido na localidade de Natalina, não em Montese, e seu corpo foi posteriormente enterrado no Cemitério Militar Brasileiro de Pistoia, na quadra B, fileira 9, sepultura nº 98.
Já Arlindo Lúcio da Silva, que era atirador de Fuzil Automático (FA) da 2ª Companhia do 1º Batalhão do 11º RI, de fato morreu em Montese, atingido por um franco-atirador inimigo em "consequência do seu ato de bravura ao investir sobre uma posição inimiga", o que lhe rendeu seu FA (Decreto de concessão de medalha).
Ainda que os detalhes acerca da autoria da inscrição e da morte dos mineiros em batalha seja incerta, seus nomes foram escritos no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro, e suas histórias continuam a ser lembradas como exemplo de bravura e sacrifício.