Nesta sexta-feira (4), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), lançou sua pré-candidatura à Presidência da República em um evento realizado em Salvador (BA). O que poucos sabem é que, caso consiga se viabilizar como candidato, esta não será sua primeira tentativa de chegar ao Palácio do Planalto.
Ele também foi candidato em 1989, a primeira eleição presidencial após o fim da ditadura civil-militar. E a transição democrática trouxe para a pauta do dia a reforma agrária, que foi tema de um plano nacional lançado pelo governo de José Sarney, que projetava sua realização dentro dos parâmetros do Estatuto da Terra, com a desapropriação sendo o principal instrumento do processo. A reação não tardou.
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Em maio de 1985, surgiu a União Democrática Ruralista (UDR), definida pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (FGV) como "expressão da radicalização patronal rural contra a reforma agrária e como espaço de aglutinação das insatisfações da 'classe rural". O seu principal mote foi a defesa da "intocabilidade do regime de propriedade existente". O site da Fundação lembra também que entre as características da associação estavam a "defesa intransigente do monopólio fundiário e o uso da violência como principal instrumento de pressão contra a reforma agrária e as lutas por terra".
Em meados de 1987, a entidade dispunha de sedes em 15 estados da federação, um total de 40 regionais e mais de 40 mil associados, contando com vultosos recursos. E a figura de Ronaldo Caiado, principal articulador e primeiro presidente da entidade, era a referência mais significativa para a compreensão da natureza da UDR.
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"Médico, fazendeiro, pertencente a uma tradicional família de políticos do estado de Goiás, foi o principal defensor da autonomia da entidade como condição primeira para mobilização, mentor dos leilões de gado como fonte da arrecadação de recursos e partidário da violência como o instrumento mais eficaz no enfrentamento das ocupações de terra, que começavam a ganhar importância como forma de luta", diz o site.
Pressão ruralista com Caiado à frente
Durante a Assembleia Constituinte, a entidade se misturou no grupo de direita menos radical, que viria a ser chamado de Centrão, conseguindo bloquear as propostas mais efetivas de reforma agrária.
Ainda que utilizasse a via institucional, o discurso da associação se baseava no armamento, na ameaça e na violência, que faziam parte do jargão dos ruralistas. "Hoje já podemos confessar que, realmente, compramos armas com o dinheiro arrecadado nos leilões de bois que fazemos. No primeiro, em Goiânia, adquirimos 1.636 armas. Com o segundo, em Presidente Prudente (SP), adquirimos mais 2.430 armas e aí proliferaram os regionais da UDR. Atualmente, temos mais ou menos 70 mil armas, representando a cabeça de cada homem da UDR, homens que deixaram de ser omissos na história do nosso país" dizia Salvador Farina, presidente da seção da entidade em Goiás, em abril de 1987, em matéria publicada em O Germinal – Centro-Oeste.
Para a UDR, o direito à propriedade era intocável, como destacam neste artigo, publicado em 2002, Malu Maranhão e Vilmar Schneider, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Na concepção da entidade, tentar ferir esse direito seria "desestabilizar a produção, provocar o caos e um retrocesso econômico". O então presidente da UDR do Paraná, Abelardo Luiz Lupion de Mello, explicitava a defesa do latifúndio ao afirmar que "a UDR não abre mão do tamanho da propriedade, porque ela é do tamanho da coragem e da competência do produtor".
"Quanto aos excluídos da terra, na sua concepção, deveriam se contentar em trabalhar como arrendatários, meeiros. A UDR também não aceita a palavra 'sem-terra' que 'foi criada pela esquerdinha de butique e pela Igreja marxista', segundo Caiado", diz o artigo.
Um partido para se candidatar
Já influente no Congresso Nacional, a UDR buscou dar um salto maior em 1989, com um candidato a presidente. Em 1989, Caiado era filiado ao PFL (depois DEM, hoje União Brasil, após a fusão com o PSL), que escolheu Aureliano Chaves como candidato, em prévia na qual ele superou Marco Maciel e Sandra Cavalcanti.
À época, o país vivia a volta do horário eleitoral gratuito, transmitido em rádio e TV aberta, e mesmo partidos pequenos tinham direito a programas de dez minutos antes do início da campanha oficial, o que ajudou, por exemplo, a impulsionar a candidatura de Fernando Collor de Mello.
Com isso em vista, Caiado foi atrás do PDC (hoje PSDC), filiando-se à legenda em maio. O partido é o mesmo que ficou famoso com as candidaturas a diversos cargos de seu nome mais importante, José Maria Eymael. No entanto, a legenda estava dividida em três grupos: um apoiava a candidatura própria, inclusive com Eymael; outro era favorável ao apoio a Leonel Brizola (PDT) e a terceira vertente defendia uma aliança com Collor ou Afif Domingos (PL). Ao fim, o PDC se aliou a Afif.
Sem espaço, Caiado migrou em julho para o PSD (que não tem relação com a sigla atual), legenda (re) criada em 1987 pelo ex-ministro das Minas e Energia do governo de João Baptista Figueiredo, César Cals. A intenção inicial era lançar o próprio Figueiredo candidato, mas ele desistiu. Em seguida, a legenda foi atrás de Jânio Quadros, que desistiu em maio, menos de um mês da sua filiação. Sobrou o então presidente da UDR para representar a sigla na disputa presidencial.
A campanha de Caiado
Em julho, a candidatura de Caiado foi lançada em Brasília com uma grande festa patrocinada pela UDR.
Sua campanha era basicamente anti-esquerdista sob o manto do anticomunismo e um dos motes era "nossa bandeira não é vermelha". Qualquer semelhança com algum outro lema adaptado recentemente para outra campanha político-eleitoral não é coincidência...
Mesmo em debates, Caiado procurava provocar Lula. Um dos episódios pitorescos em um dos encontros televisivos foi quando o petista tinha direito a perguntar para um candidato no debate realizado pela Band e escolheu Paulo Maluf. Caiado o questionou, pedindo para que fosse ele a pessoa a ser perguntada. Dirigindo-se à mediadora do debate, a jornalista Marília Gabriela, Lula disse: "Quando ele chegar no 1,5% eu faço".
No último programa do horário eleitoral do primeiro turno, a mistura de egolatria com messianismo chegou ao auge. Caiado invocou uma suposta mensagem do médium Chico Xavier para sugerir que ele seria uma espécie de "Messias", como é possível conferir aqui.
"Mas, no fim de tudo, vai aparecer um homem franco, sincero e leal, que, montado em seu cavalo branco, com sua poderosa espada, dará uma nova dimensão e personalidade ao Brasil, corrigindo injustiças e fazendo voltar a confiança e a esperança no futuro do Brasil. Será combatido e criticado por seu temperamento e atitudes, mas contará com a proteção de forças supremas que habitam o cosmo. E o Brasil será verdadeiramente o coração do mundo", dizia a mensagem, enquanto Caiado aparecia, entre outras cenas, montado em um cavalo branco.
O candidato do PSD, contudo, não empolgou o eleitorado brasileiro, que lhe concedeu em 15 de novembro de 1989 somente 0,72% dos votos válidos em todo o país. Foi o décimo colocado na corrida.