ELEIÇÕES

Ronaldo Caiado já foi candidato a presidente: relembre como foi sua campanha de 1989

Caso consiga viabilizar sua candidatura à Presidência da República, governador de Goiás tem como desafio superar seu péssimo desempenho de 36 anos atrás

Créditos: Governo do Estado de Goiás/Reprodução
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Nesta sexta-feira (4), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), lançou sua pré-candidatura à Presidência da República em um evento realizado em Salvador (BA). O que poucos sabem é que, caso consiga se viabilizar como candidato, esta não será sua primeira tentativa de chegar ao Palácio do Planalto.

Ele também foi candidato em 1989, a primeira eleição presidencial após o fim da ditadura civil-militar. E a transição democrática trouxe para a pauta do dia a reforma agrária, que foi tema de um plano nacional lançado pelo governo de José Sarney, que projetava sua realização dentro dos parâmetros do Estatuto da Terra, com a desapropriação sendo o principal instrumento do processo. A reação não tardou.

Em maio de 1985, surgiu a União Democrática Ruralista (UDR), definida pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (FGV) como "expressão da radicalização patronal rural contra a reforma agrária e como espaço de aglutinação das insatisfações da 'classe rural". O seu principal mote foi a defesa da "intocabilidade do regime de propriedade existente". O site da Fundação lembra também que entre as características da associação estavam a "defesa intransigente do monopólio fundiário e o uso da violência como principal instrumento de pressão contra a reforma agrária e as lutas por terra".

Em meados de 1987, a entidade dispunha de sedes em 15 estados da federação, um total de 40 regionais e mais de 40 mil associados, contando com vultosos recursos. E a figura de Ronaldo Caiado, principal articulador e primeiro presidente da entidade, era a referência mais significativa para a compreensão da natureza da UDR.

"Médico, fazendeiro, pertencente a uma tradicional família de políticos do estado de Goiás, foi o principal defensor da autonomia da entidade como condição primeira para mobilização, mentor dos leilões de gado como fonte da arrecadação de recursos e partidário da violência como o instrumento mais eficaz no enfrentamento das ocupações de terra, que começavam a ganhar importância como forma de luta", diz o site.

Pressão ruralista com Caiado à frente

Durante a Assembleia Constituinte, a entidade se misturou no grupo de direita menos radical, que viria a ser chamado de Centrão, conseguindo bloquear as propostas mais efetivas de reforma agrária.

Ainda que utilizasse a via institucional, o discurso da associação se baseava no armamento, na ameaça e na violência, que faziam parte do jargão dos ruralistas. "Hoje já podemos confessar que, realmente, compramos armas com o dinheiro arrecadado nos leilões de bois que fazemos. No primeiro, em Goiânia, adquirimos 1.636 armas. Com o segundo, em Presidente Prudente (SP), adquirimos mais 2.430 armas e aí­ proliferaram os regionais da UDR. Atualmente, temos mais ou menos 70 mil armas, representando a cabeça de cada homem da UDR, homens que deixaram de ser omissos na história do nosso paí­s" dizia Salvador Farina, presidente da seção da entidade em Goiás, em abril de 1987, em matéria publicada em O Germinal – Centro-Oeste.

Para a UDR, o direito à propriedade era intocável, como destacam neste artigo, publicado em 2002, Malu Maranhão e Vilmar Schneider, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Na concepção da entidade, tentar ferir esse direito seria "desestabilizar a produção, provocar o caos e um retrocesso econômico". O então presidente da UDR do Paraná, Abelardo Luiz Lupion de Mello, explicitava a defesa do latifúndio ao afirmar que "a UDR não abre mão do tamanho da propriedade, porque ela é do tamanho da coragem e da competência do produtor". 

"Quanto aos excluí­dos da terra, na sua concepção, deveriam se contentar em trabalhar como arrendatários, meeiros. A UDR também não aceita a palavra 'sem-terra' que 'foi criada pela esquerdinha de butique e pela Igreja marxista', segundo Caiado", diz o artigo.

Um partido para se candidatar

Já influente no Congresso Nacional, a UDR buscou dar um salto maior em 1989, com um candidato a presidente. Em 1989, Caiado era filiado ao PFL (depois DEM, hoje União Brasil, após a fusão com o PSL), que escolheu Aureliano Chaves como candidato, em prévia na qual ele superou Marco Maciel e Sandra Cavalcanti.

À época, o país vivia a volta do horário eleitoral gratuito, transmitido em rádio e TV aberta, e mesmo partidos pequenos tinham direito a programas de dez minutos antes do início da campanha oficial, o que ajudou, por exemplo, a impulsionar a candidatura de Fernando Collor de Mello.

Com isso em vista, Caiado foi atrás do PDC (hoje PSDC), filiando-se à legenda em maio. O partido é o mesmo que ficou famoso com as candidaturas a diversos cargos de seu nome mais importante, José Maria Eymael. No entanto, a legenda estava dividida em três grupos: um apoiava a candidatura própria, inclusive com Eymael; outro era favorável ao apoio a Leonel Brizola (PDT) e a terceira vertente defendia uma aliança com Collor ou Afif Domingos (PL). Ao fim, o PDC se aliou a Afif.

Sem espaço, Caiado migrou em julho para o PSD (que não tem relação com a sigla atual), legenda (re) criada em 1987 pelo ex-ministro das Minas e Energia do governo de João Baptista Figueiredo, César Cals. A intenção inicial era lançar o próprio Figueiredo candidato, mas ele desistiu. Em seguida, a legenda foi atrás de Jânio Quadros, que desistiu em maio, menos de um mês da sua filiação. Sobrou o então presidente da UDR para representar a sigla na disputa presidencial.

A campanha de Caiado

Em julho, a candidatura de Caiado foi lançada em Brasília com uma grande festa patrocinada pela UDR.

Sua campanha era basicamente anti-esquerdista sob o manto do anticomunismo e um dos motes era "nossa bandeira não é vermelha". Qualquer semelhança com algum outro lema adaptado recentemente para outra campanha político-eleitoral não é coincidência...

Mesmo em debates, Caiado procurava provocar Lula. Um dos episódios pitorescos em um dos encontros televisivos foi quando o petista tinha direito a perguntar para um candidato no debate realizado pela Band e escolheu Paulo Maluf. Caiado o questionou, pedindo para que fosse ele a pessoa a ser perguntada. Dirigindo-se à mediadora do debate, a jornalista Marília Gabriela, Lula disse: "Quando ele chegar no 1,5% eu faço".

No último programa do horário eleitoral do primeiro turno, a mistura de egolatria com messianismo chegou ao auge. Caiado invocou uma suposta mensagem do médium Chico Xavier para sugerir que ele seria uma espécie de "Messias", como é possível conferir aqui.

"Mas, no fim de tudo, vai aparecer um homem franco, sincero e leal, que, montado em seu cavalo branco, com sua poderosa espada, dará uma nova dimensão e personalidade ao Brasil, corrigindo injustiças e fazendo voltar a confiança e a esperança no futuro do Brasil. Será combatido e criticado por seu temperamento e atitudes, mas contará com a proteção de forças supremas que habitam o cosmo. E o Brasil será verdadeiramente o coração do mundo", dizia a mensagem, enquanto Caiado aparecia, entre outras cenas, montado em um cavalo branco.

O candidato do PSD, contudo, não empolgou o eleitorado brasileiro, que lhe concedeu em 15 de novembro de 1989 somente 0,72% dos votos válidos em todo o país. Foi o décimo colocado na corrida. 

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