Preconceito

Russofobia: saiba mais sobre a paranoia que domina o Ocidente

Entenda como o medo da Rússia voltou a dominar o discurso político europeu e reacende tensões históricas do período pós-Guerra Fria

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Jornalista há 7 anos, Letícia esteve presente em redações como Correio Braziliense e Metrópoles, além de outros portais e jornais. Também é formada como Analista e Desenvolvedora de Sistemas pelo IESB e possui cursos de UX Writer. Estuda novas línguas sempre que pode e a da vez é o mandarim.
Russofobia: saiba mais sobre a paranoia que domina o Ocidente
Ricardo Stuckert/PR

Nos últimos anos, especialmente após o início da guerra na Ucrânia em 2022, cresceu a hostilidade contra a Rússia no cenário internacional, em especial na Europa e nos Estados Unidos. Acusações sem provas, teorias conspiratórias e discursos generalizantes têm sido recorrentes nas redes sociais e na imprensa de países ocidentais, muitas vezes responsabilizando a Rússia por diversos episódios – de ciberataques a apagões elétricos e incêndios misteriosos. Esse ambiente alimenta o fenômeno conhecido como russofobia.

 

O que é russofobia


Russofobia é o termo usado para descrever o preconceito, a hostilidade ou o medo direcionado à Rússia, seus cidadãos, sua cultura ou seu governo. Pode se manifestar de diferentes formas:

  • Cultural: rejeição ou estigmatização da língua, arte e tradições russas;
  • Política: demonização sistemática do governo russo e de suas ações internacionais;
  • Social: discriminação de indivíduos russos em espaços públicos, instituições, escolas e locais de trabalho;
  • Física ou verbal: ataques diretos, agressões, insultos e vandalismo contra pessoas ou símbolos associados à Rússia.

O termo é frequentemente utilizado por autoridades e meios de comunicação russos para denunciar o que consideram uma campanha sistemática de hostilidade por parte de países do Ocidente. Um exemplo recente foi a exclusão de atletas russos de competições esportivas internacionais, como os Jogos Olímpicos, como punição indireta pela guerra na Ucrânia.

Do outro lado, críticos do governo russo alegam que o uso do termo russofobia seria uma estratégia para deslegitimar qualquer tipo de oposição às políticas autoritárias de Moscou, classificando como preconceito o que seriam críticas legítimas ao regime.

 

As origens históricas da russofobia


A russofobia não surgiu recentemente. Ela é fruto de séculos de tensões entre a Rússia e o que se convencionou chamar de Ocidente.

  • Século XVIII: a visão iluminista

Durante o Iluminismo europeu, pensadores como Voltaire e Diderot viam a Rússia como um país atrasado, autoritário e “semi-oriental”, contrastando com os valores liberais da Europa Ocidental. Essa percepção criou uma imagem duradoura da Rússia como “o outro” da Europa.

  • Rivalidades imperiais no século XIX

No século XIX, a Rússia passou a disputar influência com outras potências europeias, especialmente o Reino Unido. A chamada política do Grande Jogo na Ásia Central e os conflitos nos Bálcãs aumentaram a ideia da Rússia como uma ameaça expansionista.

  • Revolução de 1917 e o medo do comunismo

A Revolução Bolchevique consolidou a imagem da Rússia como uma ameaça ideológica global. A ascensão do comunismo reforçou o antagonismo entre Rússia e potências capitalistas, mesmo antes da Guerra Fria.

  • Guerra Fria: a cristalização da russofobia

Entre 1947 e 1991, Estados Unidos e União Soviética disputaram a hegemonia global em um conflito marcado por espionagem, guerras indiretas e propaganda. A URSS era frequentemente retratada pela mídia ocidental como inimiga da liberdade, da democracia e dos direitos humanos.

  • Pós-Guerra Fria: frustrações e retomada do discurso de ameaça

Com o fim da União Soviética, esperava-se que a Rússia se integrasse ao Ocidente como uma democracia liberal. No entanto, o governo de Vladimir Putin e ações como a guerra na Geórgia (2008), a anexação da Crimeia (2014) e a guerra na Ucrânia (desde 2022) reacenderam a retórica da “ameaça russa” no discurso ocidental.

 

O que é o Ocidente


O termo Ocidente não se refere apenas a um ponto cardeal ou a uma região geográfica. Na geopolítica contemporânea, o Ocidente designa um conjunto de países que compartilham valores políticos, econômicos e culturais alinhados à democracia liberal, à economia de mercado e à hegemonia dos Estados Unidos e da Europa Ocidental.

Os países comumente considerados parte do Ocidente são:

  • Estados Unidos
  • Canadá
  • Países da Europa Ocidental (como Alemanha, França, Reino Unido, Itália)
  • Austrália e Nova Zelândia
  • Japão (em termos econômicos e diplomáticos, embora geograficamente no Leste Asiático)

Esses países formam o núcleo das principais alianças político-militares e econômicas, como OTAN, G7 e União Europeia, e exercem forte influência nas normas internacionais, na mídia global e nas instituições multilaterais.

 

Quem está fora do Ocidente


Países da África, América Latina, Oriente Médio e boa parte da Ásia são, em geral, considerados fora do bloco ocidental. Embora muitos desses países sofram influência cultural e econômica do Ocidente, não fazem parte das suas estruturas centrais de poder ou de suas alianças políticas e militares.

O Brasil, por exemplo, é frequentemente percebido como um país "ocidentalizado" devido à herança europeia e aos vínculos com os EUA, mas, do ponto de vista geopolítico, está inserido no chamado Sul Global.

 

O que é o Sul Global


Sul Global é um conceito político e econômico utilizado para descrever os países que foram historicamente marginalizados pelas potências coloniais europeias e que, ainda hoje, enfrentam desigualdades estruturais no sistema internacional. O termo inclui:

  • América Latina
  • África
  • Oriente Médio
  • Sul e Sudeste Asiático
  • Oceania (exceto Austrália e Nova Zelândia)

Mais do que uma divisão geográfica, o Sul Global representa um posicionamento crítico frente à dominação histórica e à atual ordem internacional, exigindo maior autonomia, justiça econômica, soberania e inclusão.

Países do Sul Global compartilham desafios como:

  • Desigualdade social e econômica
  • Dependência de exportações de commodities
  • Dívidas externas elevadas
  • Vulnerabilidade a crises globais e às mudanças climáticas

 

A relação do Sul Global com o BRICS


O grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) representa uma das principais coalizões de países do Sul Global que buscam alternativas à hegemonia ocidental. Apesar de China e Rússia serem potências militares e econômicas, ambas enfrentam exclusão ou antagonismo em estruturas como o G7 e a OTAN — o que reforça sua adesão à lógica do Sul Global.

A partir de 2024, o BRICS passou a contar com novos membros plenos: Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Indonésia. Além disso, há nove países-parceiros que participam de atividades do bloco, como Cuba, Bolívia, Malásia, Cazaquistão, Nigéria, Tailândia, Bielorrússia, Uganda e Uzbequistão.

O BRICS representa, assim, uma tentativa de reequilibrar as forças globais e construir um novo modelo de cooperação baseado na multipolaridade e no respeito à soberania nacional.

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