O Acervo Bajubá lançou o projeto “Arquivo Transformista: acervos e memórias da arte transformista em São Paulo”, um acervo digital público e gratuito dedicado a preservar e celebrar a história de artistas transformistas que marcaram a cultura LGBTQIAPN+ paulistana. A iniciativa homenageia nomes como Aloma Divina, Kelly Cunha, Gretta Starr, Marcinha do Corintho e Victoria Principal, em sua maioria mulheres transexuais e travestis que abriram caminho para gerações futuras de artistas e ativistas.
O lançamento ocorre em um momento simbólico, no mesmo ano em que a Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ de São Paulo destacou a importância da memória e da longevidade na comunidade. O projeto, idealizado pelo Acervo Bajubá, surge como um marco na valorização da arte transformista — expressão que desde os anos 1960 contribui para a construção da identidade e da resistência LGBTQIAPN+ brasileira.
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O Arquivo Transformista reúne registros inéditos e documentos históricos que retratam a trajetória das artistas, muitas delas protagonistas de uma cena cultural que floresceu em boates e casas noturnas paulistanas já extintas, como o Medieval, a Boate Corintho, a Nostro Mondo e a Freedom. O material inclui fotografias, cartazes e depoimentos sobre apresentações em palcos, participações em Paradas do Orgulho, carnavais, concursos de beleza e experiências no exterior, além de momentos de vida pessoal.
“O que eu não tive lá atrás, de início de carreira, estou tendo na minha velhice. Foi uma surpresa e muito gratificante o convite. O que eles estão fazendo é lindo. Sei que serei lembrada por muitos e muitos anos”, afirmou Aloma Divina, 76 anos.
Entre os principais diferenciais do projeto está o protagonismo dado a artistas com mais de 50 anos, cujo legado é frequentemente apagado ou marginalizado pelas narrativas hegemônicas.
“Ter minha memória e trajetória preservadas em um acervo digital é de uma importância imensa. É uma forma de garantir que a história de artistas como eu seja contada e reconhecida, alcançando novas gerações”, destacou Kelly Cunha, 78 anos.
O projeto é resultado de uma relação construída entre o Acervo Bajubá e as artistas homenageadas, a partir de uma parceria com o Memorial da Resistência de São Paulo, iniciada em 2022. Essa colaboração gerou a coleção “Memórias à Margem: ordem social e normatividades na ditadura”, centrada em relatos de pessoas LGBTQIA+ durante a ditadura e a redemocratização no Brasil.
Durante o processo de pesquisa, a equipe do Bajubá — formada por Angel Natan, Alexandre dos Anjos, Marcos Tolentino e Yuri Fraccaroli — visitou os acervos pessoais das artistas e realizou a curadoria de cerca de 50 fotografias de cada uma. As próprias homenageadas participaram da produção das legendas, identificando lugares, pessoas e eventos, resultando em aproximadamente 250 imagens.
“Com 40 anos de carreira, é muito importante para mim fazer parte do Arquivo Transformista, pois, de alguma forma, me mantém viva. Deixa meu legado, minha história, minha resistência, e um dia, quando eu partir, as pessoas se lembrarão de mim por tudo que fiz”, contou Marcinha do Corintho, 58 anos.
“Ser escolhida para estar no Arquivo Transformista, que estará disponível digitalmente para várias pessoas, é de uma importância imensa. É fundamental que a história de artistas como eu seja preservada”, afirmou Victoria Principal, 55 anos, a mais jovem das homenageadas.
“É um afago no meu coração e a prova de que deu certo ter feito tudo aquilo que tinha vontade de fazer”, declarou Gretta Starr, 70 anos, sobre ver sua trajetória eternizada online.
Para a pesquisadora Angel Natan, que assina a curadoria e integrou o processo de escuta das artistas, o projeto é também um gesto de afeto e reconhecimento:
“Sou uma travesti que construiu um vínculo de amor e carinho com essas artistas, reconhecendo em cada uma delas a força que mantém viva nossa memória. Cada trajetória é um espelho da minha; poder colaborar com a trajetória de cada uma delas é a maior honra que eu poderia receber.”
Para conhecer o Arquivo Transformista, clique aqui
O Acervo Bajubá
Criado em 2010 por um grupo de artivistas, artistas, colecionadores e pesquisadores LGBTQIA+, o Acervo Bajubá é um arquivo comunitário dedicado à preservação da memória das comunidades LGBTQIA+ brasileiras. Seu acervo reúne documentos, fotografias, objetos e registros audiovisuais que documentam a diversidade de expressões de gênero e sexualidade no país.
Além da criação do Arquivo Transformista, o Bajubá atua em projetos de educação, exposições, oficinas e ações de mediação, voltadas à produção e circulação de narrativas sobre a história e a cultura LGBTQIA+. O grupo mantém um trabalho contínuo de restauro, catalogação e difusão de materiais históricos, fortalecendo o direito à memória e à representatividade.