Após anos de luta do movimento de pessoas travestis, transexuais e transgêneros, o Sistema Único de Saúde instituiu, em 2008, no segundo governo Lula, o processo transexualizador, com o objetivo de oferecer atendimento integral à população trans, incluindo acompanhamento psicológico, terapia hormonal e cirurgias de readequação ou redesignação de gênero.
Em alguns estados e municípios essa política foi avançando com a criação de ambulatórios trans e também políticas públicas de assistência integral e empregabilidade como o Transcidadania, criado em 2014, no município de São Paulo pelo ex-prefeito Fernando Haddad.
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Embora a maioria dos serviços se encontrem no Sudeste, principalmente no eixo RJ-São Paulo, o processo transexualizador veio se consolidando nacionalmente como uma política importante para o segmento populacional de travestis, mulheres transexuais, homens trans e transgêneros, considerado o mais vulnerável da população LGBT.
Ameaça de retrocesso
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Apesar dos avanços recentes na luta pela despatologização das identidades trans e reconhecimento de direitos, como foi o caso da decisão do STF que afirmou a constitucionalidade da mudança de gênero, do nome civil e demais procedimentos reivindicados pela população trans, nos últimos anos, com a ascensão do neofascismo e do conservadorismo há ameaças cotidianas de retrocessos vindas de parlamentares de extrema direita e até mesmo de outros setores, como é o caso do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Em resolução aprovada por unanimidade na última terça-feira, 8, o Conselho quer impedir médicos de receitar a jovens que entraram na puberdade os chamados bloqueadores de hormônios, voltados a “retardar o aparecimento de traços físicos desconformes ao gênero”.
O novo texto aumenta de 16 para 18 anos a idade mínima para o início da terapia de hormonização em pessoas trans e de 18 para 21 anos o piso para a realização dos diversos procedimentos cirúrgicos relativos à redesignação de gênero, como a mastectomia em homens trans, por exemplo.
A nova diretriz retarda todo o processo de transição, o que tem efeitos permanentes extremamente negativos, tanto físicos como psicológicos para os adolescentes e jovens trans.
Reações contrárias
Instado pelo posicionamento de entidades de promoção dos direitos LGBT como uma denúncia da Associação Mães pela Diversidade e de nota técnica da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a Antra, o Ministério Público deu 15 dias de prazo para o Conselho Federal de Medicina se posicionar e dar mais esclarecimentos e justificativas para a decisão.
O movimento questiona a legalidade da norma e avalia que ela representa um “iminente risco à saúde física e mental de crianças, adolescentes e jovens trans”, em “evidente transfobia institucional que nega a identidade de gênero e impõe situações de vulnerabilização e violências”.
A normativa do CFM vem na direção oposta às decisões da Justiça, principalmente do Supremo Tribunal Federal que, nos últimos anos, têm reconhecido uma série de direitos das pessoas trans, como a equiparação da homofobia e transfobia ao crime de racismo, o direito à diversidade sexual e de gênero na educação, a proteção da Lei Maria da Penha a casais LGBT; o direito de presas transexuais e travestis com identidade de gênero feminino optar por cumprir penas em estabelecimento prisional feminino ou masculino, entre outros.
Nesse sentido, tudo indica que a resolução transfóbica do Conselho Federal de Medicina deve ser derrubada.
O CFM tem sido qualificado nos últimos anos como aparelhado pelo bolsonarismo, com uma série de posições polêmicas e até mesmo anti-científicas. Na pandemia de Covid-19, por exemplo, o órgão médico autorizou o uso de cloroquina, em posição repudiada pela comunidade científica no Brasil e no mundo.