Fundador da torcida LGBT do Cruzeiro diz que “federações ainda falham muito” em ações contra a LGBTfobia no futebol

Yuri Senna, fundador do Marias de Minas, torcida LGBT do Cruzeiro, teve de se afastar do grupo depois de receber ameaças de morte

Foto: arquivo pessoal
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Marias de Minas é a torcida LGBT do time Cruzeiro e foi pensada e fundada por Yuri Senna depois que se viu envolvido em uma discussão com uma torcedora do time. O que Senna não imaginava é que os ataques homofóbicos iriam extrapolar a esfera das discussões digitais e atingir o nível de ameaças de morte.

Por conta das ameaças e com a saúde mental em risco, Yuri Senna deixou o coletivo para cuidar de si. “Eu suspeito de estar entrando em depressão. Eu venho tendo alguns indícios dessa doença, mas ainda não está confirmado, estou aguardando mais conversas com a psicóloga”, revelou Senna.

https://twitter.com/MariasMinas/status/1353815440569618436



À Fórum, Yuri Senna comentou sobre o surgimento de torcidas LGBT ao redor do Brasil, mas, fez uma crítica às federações desportivas do Brasil e afirmou que elas ainda “falham muito” no que diz respeito ao combate à homofobia no mundo do futebol.

“Na prática ainda não estamos vendo muita coisa e não necessariamente a gente precise só de leis de punição, mas também de trabalhos de educação para árbitros, para jogadores e jogadoras, e para as pessoas que trabalham na administração de estádios, clubes, enfim, de qualquer entidade que esteja dentro do futebol”, criticou Senna.

Revista Fórum - Como surgiu o Marias de Minas e como vê esse momento em que acompanhamos o surgimento de várias torcidas LGBT?

Yuri Senna - Todo esse movimento de torcidas LGBT começou na época da ditadura, que foi a torcida do Grêmio, a Coligay De lá para cá surgiram outras: Galo Queer (Atlético Minieiro), Flagay (Flamengo), Maré Vermelha (Esporte Clube Internacional), Palmeiras Livre (Palmeiras). As Marias de Minas surgiram sem o intuito de ser uma torcida LGBT militante. Ela surgiu como um grupo de whatsapp pra reunir pessoas LGBT pra gente ver que não está sozinho. Ela surgiu após acontecer um comentário LGBTfóbico de uma torcedora do Cruzeiro, daí eu respondi e a repercussão foi muito grande e eu resolvi criar esse grupo.

Se tornou um coletivo que luta em favor da democracia nas arquibancadas após esse episódio que acontecei comigo e com o meu namorado no Mineirão. Hoje nós temos um movimento muito maior no Brasil inteiro. Hoje nós temos torcidas LGBT em praticamente todas as regiões do Brasil dos times de série A, B, C e D.

Esses movimentos já estão pautando os times sobre a necessidade dos times e as instituições do futebol de se posicionarem e promoverem o respeito dentro dos estádios, mas não só dentro dos estádios, mas em todo o ambiente que envolve futebol.

Você relatou em suas redes sociais que os ataques e perseguição homofóbicos que você está sofrendo afetaram a sua saúde mental. Como você está nesse momento?

Eu sofro ataques até mesmo antes de ter criado o coletivo e isso foi ficando cada vez mais intenso até chegar em ameaças de morte. Desde o ano passado eu venho fazendo terapia pra que eu consiga lidar com essas situações, pra que eu consiga entender melhor a minha realidade em relação a tudo isso que anda acontecendo. Eu suspeito de estar entrando em depressão. Eu venho tendo alguns indícios dessa doença, mas ainda não está confirmado, estou aguardando mais conversas com a psicóloga.

Em seu perfil no Twitter há um vídeo fixado, onde está você e o seu namorado no estádio, você diz que usaram aquele vídeo para realizar ataques homofóbicos contra a sua pessoa. Então, a partir da data do vídeo (2019), você e o coletivo sofrem perseguições há algum tempo. Gostaria que você falasse sobre.

Aquele vídeo foi gravado em 2019, quando eu e o meu namorado fomos ao estádio em 2009, quando o Cruzeiro foi rebaixado. Eu estava muito nervoso com o jogo e ele veio me abraçar para tentar me acalmar, um abraço muito rápido, sem maldade nenhuma, daí nesse momento filmara e tiraram foto. Dois dias depois espalharam essa foto e vídeo com tons de homofobia, ameaças e foi uma coisa que viralizou o Brasil inteiro. Eu e ele recebemos diversos ataques.

https://twitter.com/sennacec/status/1171553786659266560

Hoje o campeonato inglês possui várias ações contra a homofobia; a Copa do Mundo no Catar também vai ter algumas ações em prol das LGBT, ou seja, há uma série de ações acontecendo no mundo do futebol contra a homofobia. Como você analisa esse cenário?

Existem torcidas LGBT em outros países. No ano passado nós fizemos um mapeamento e encontramos na Inglaterra, na Itália, na Alemanha, mas nós temos que analisar que são cenários diferentes, cada país tem o seu cenário LGBTfóbico de maneira específica. Por exemplo, o Brasil é um dos países mais violento em relação as pessoas LGBT, é o que mais mata transexuais, travestis, transgêneros, está no top 10 nos assassinatos contra gays.

São cenários diferentes, mas em muitos deles estão (as torcidas LGBT) conseguindo avanços. Por exemplo, falando de olímpiada, a gente sempre tem um comitê com núcleo para tratar de assuntos LGBT e a questão da Copa do Mundo no Catar, onde ainda é considerado crime ser LGBT, mas a FIFA conseguiu que seja hasteada a bandeira LGBT e isso é um avanço muito grande.

Porém, a gente precisa dar uns passos para trás e, antes de cobrar de FIFA ou espera algo da FIFA, a gente tem que estar em cima das nossas federações. Tanto as estaduais, quanto a federal, na Conmebol (Confederação Sul-americana de Futebol) mesmo que pauta a América do Sul, para que elas sejam mais eficazes. Por exemplo, a FMF (Federação Mineira de Futebol) aqui de Minas é pouco atuante, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) é um pouco mais, mas ainda assim falha muito.

E não só essas federações, mas órgãos de justiça também. O Supremo Tribunal Federal (STF) criminalizou a homofobia, teve a decisão de punir os clubes em casos de homofobia, mas na prática ainda não estamos vendo muita coisa e não necessariamente a gente precise só de leis de punição, mas também de trabalhos de educação para árbitros, para jogadores e jogadoras, e para as pessoas que trabalham na administração de estádios, clubes, enfim, de qualquer entidade que esteja dentro do futebol.

Logo das Marias de Minas, torcida LGBT do Cruzeiro

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