Quantos conhecidos já lhe apresentaram suas namoradas trans?

Embora extremamente fetichizadas, as travestis que se atraem por homens cis raramente são assumidas em relacionamentos

Foto: graphicphoto/depositphotoCréditos: Reprodução
Escrito en LGBTQIAP+ el

Por Christiany Yamada

Conversando com uma amiga trans, ela me falava sobre seu relacionamento e o quanto estava feliz e apaixonada. Mas revelou, por acaso, que nunca havia sido apresentada aos familiares ou amigos do namorado, mesmo que estivessem juntos há cerca de um ano.

Descobri que essa queixa é constante entre as trans e travestis que se relacionam com homens cisgêneros – isto é, que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer. A Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) estima que pelo menos 80% dessas mulheres não sejam vistas como elegíveis para um relacionamento afetivo. 

Alice Braga, de 26 anos, passou por algo semelhante no início de sua transição, quando não foi assumida por seu então parceiro. “Foi excludente”, lembra. Mas diz que já era esperado: “Foi muito natural também. Fez sentido para mim. É muito natural o cara dizer: ‘Você sabe que é foda, né?’. E a gente dizer: ‘Sim’. Entende?”.

[caption id="attachment_353358" align="aligncenter" width="600"] “É muito natural o cara dizer: ‘Você sabe que é foda, né?’. E a gente dizer: ‘Sim’”, diz Alice Braga (Foto: Arquivo pessoal)[/caption]

A psicóloga Julia Bueno diz que é comum as mulheres trans e travestis se contentarem com relações insatisfatórias e “aceitarem migalhas”. “Nós somos colocadas nesse lugar de que ‘ou você aceita, ou você sai’. E a solidão é assustadora, então às vezes você querer deixar esse relacionamento é uma escolha complexa a se fazer. Você vai aceitando o que te dão, se contentando com relações assim, de tudo bem o cara não querer assumir, tudo bem em alguns lugares vocês não poderem ser vistos. Essas coisas vão sendo naturalizadas.”

[caption id="attachment_353360" align="aligncenter" width="600"] “A solidão é assustadora, então às vezes querer deixar o relacionamento é uma escolha complexa a se fazer”, afirma a psicóloga Julia Bueno (Foto: Arquivo pessoal)[/caption]

A cobrança para que fosse publicamente apresentada como namorada pelo ex-parceiro foi um dos motivos que levou ao fim o primeiro relacionamento de Maia Maria Voleau, de 27 anos. “Terminou muito, muito mal. Eu nunca acreditei [que ele realmente me apresentaria à família e aos amigos], mas eu ia vivendo e engolindo. Ele não aceitava o que sentia por mim e camuflava isso de alguma forma para poder viver e se extasiar nesse desejo.”

Ela conta que isso ainda fez o parceiro despertar um “monstro transfóbico” que existia nele. “Acabou com ele me mandando muitas mensagens em que falava que eu era ‘um homem’. Ele mandou uma mensagem assim: ‘Quer saber o que você é no final? Você não passa de um homem. Homem homem homem homem’. Eu estava com a minha própria ameaça do meu lado”.  

[caption id="attachment_353362" align="aligncenter" width="600"] "Eu estava com a minha própria ameaça do meu lado”, lamenta Maia Maria Voleau (Foto: Isabella Pamplona)[/caption]

Já Alana Louise Félix, de 29 anos, diz que foi apresentada à família de um dos ex-namorados como amiga. “No começo, a mãe dele era bem seca, mas com o tempo eu chegava na casa dele e ela me tratava bem, me oferecia almoço - coisas básicas da vida de todo mundo, mas que a gente sabe que na nossa realidade é diferente.”

A verdade, porém, veio – e acompanhada de transfobia. “Depois que eu terminei o namoro, ele contou para a mãe dele [que éramos namorados]. A mãe respondeu que já desconfiava, mas falou: ‘Eu sabia e eu sempre rezava muito para você, porque o que você estava fazendo não é certo. Você tinha que procurar Deus’. Os irmãos dele começaram a fazer piadas, perguntando se ele era gay por estar namorando uma mulher trans.” [caption id="attachment_353363" align="aligncenter" width="576"] "A gente busca afeto, carinho, respeito. Que é o mínimo, na verdade", conta Alana Louise Félix (foto: Arquivo pessoal)[/caption]

Galba Gogóia, de 27 anos, por sua vez, nunca nem chegou a namorar, e vê isso como uma angústia. “Os encontros sempre se resumem a sexo, a algo muito escondido e isso te joga em um lugar de solidão. Afeta muito a autoestima, porque você se culpa. É uma coisa que tem me feito sofrer mesmo. Muitas vezes a gente fica: ‘Será que eu estou feia? Será que eu estava com bafo? Será que foi ruim? Será que não sou uma pessoa interessante?’”

“Eu fico pensando: ‘Pô, eu faço várias coisas legais, eu sou uma pessoa que estuda pra caramba, que já rodou o Brasil inteiro com filme, que as empresas contratam para dar palestra, que é atriz, que fez série da Globoplay [Ela atuou na série ‘Perdido’]”, continua Galba. “E, às vezes, eu saio com caras legais, que a gente tem altas conversas, e nada vai além de transar. Isso é um pouco frustrante. Tem tantas coisas para compartilhar e para aprofundar além de sexo - que é ótimo, mas tem outras coisas boas também.” [caption id="attachment_353364" align="aligncenter" width="600"] "Saio com caras legais, que a gente tem altas conversas, e nada vai além de transar", diz Galba Gogóia (Foto: Roberta Oliveira)[/caption]

Prazer escondido

Todas elas contam que, desde que transicionaram, a maioria dos homens que as abordam tenta marcar um encontro “às escondidas”. “Percebi muito essa desumanização que já fazem naturalmente com nós, mulheres. E eu notei que quando é uma mulher trans, é ainda pior. Fazem de tudo para não serem vistos. Evitam ir para restaurante, pedem comida em casa. A pessoa não vai tratar uma mulher cis dessa forma. Ainda mais porque um homem hétero cis tem essa questão de tratar a mulher como se fosse um troféu”, aponta Alana.

Ela continua: “Às vezes você quer só passear no parque, fazer uma trilha, ir em uma cachoeira. Mas não. [O encontro] É só à noite, de madrugada. A partir das 22h parece que já está ‘ok’. Eu me sentia até ‘vampirona’, porque eu não tinha essa vida social amorosa durante o dia.”

“Você fica se sentindo um lixo, porque você fica nesses ‘romancezinhos’ que você sabe que não vai ter futuro, que o cara só está te tratando como uma boneca inflável. E, pelo menos a maioria das pessoas, a gente busca afeto, carinho, respeito. Que é o mínimo, na verdade. E quando a gente não encontra, isso nos afeta”, confessa Alana.

“O meu maior medo era de desencadear depressão. Eu lembro que eu me olhava no espelho e até comprava essa ideia de que nunca ia ser amada”, admite. “Inclusive é um tipo de conversa que fica entre nós, mulheres trans, principalmente quando se está iniciando a transição. As amigas meio que já alertam: ‘Olha, você sabe que mulher trans é objetificada. Não vai ser fácil’. Ainda mais para as meninas que têm sonho de casar e construir família. Isso é roubado da gente. A gente já é preparada para não receber o afeto”.

Galba frisa que esse tipo de comportamento que oprime as mulheres trans não é exclusividade de conservadores e que enfrentou isso vindo de artistas que seguem o estereótipo “desconstruído”, muitas vezes até militantes pela causa LGBT. “Já aconteceu de eu passar por isso com cara que posta foto de saia no Instagram e que exigiu de mim segredo, que ninguém nunca ia poder saber da nossa relação. Então todas essas coisas que a gente sofre não vêm só de pessoas com mente fechada.”

Alice conta que chega a evitar se relacionar com homens cis: “Eu pensei: ‘cara, eu não vou ter isso [esse amor romântico vindo de um homem cis], não é uma opção para mim. Esse é o preço que eu paguei por escolher assumir minha identidade de gênero’. Então eu meio que me blindo disso”. 

“Eu sacrifiquei um pouco o quesito relação, mas fiz isso em prol de me amar e me relacionar comigo mesma. A partir do momento em que aceitei transicionar e ser eu, Alice Braga, eu acho que eu sabia que eu podia estar pagando um preço de ninguém me dar o amor de cara e o afeto gratuito no momento em que eu me imponho e resisto como eu quero ser”, explica.

“Não foi a maioria [dos homens com quem me relacionei] que me chamou para um restaurante, por exemplo. E eu não vou mentir que é um pouco constrangedor quando eu saio com caras em lugares públicos”, admite Maia. “As pessoas olham muito. O bofe tem que ter um equilíbrio, porque eu já estou acostumada. Só que os caras nem todos estão preparados. Eles não estão preparados para nada, né? São várias etapas que a gente tem que passar para ter um relacionamento no ‘ao vivo’, com muita plateia. Porque você vai virar o centro das atenções no restaurante.”

“Eu saí com um cara e enquanto eu estava comendo, parecia que as pessoas estavam comendo junto com a gente”, ri. “Eu quero paz. Mas é preciso [passar por isso] para a gente poder ser humanizada”.

Desejo mal resolvido

A psicóloga Julia explica que muito desse impedimento de vir a público com uma trans se deve a um conflito interno criado pela falta de conhecimento. “Como as mulheres trans não são vistas na condição do gênero com o qual se identificam - não são vistas como mulheres -, os homens que vão se relacionar com essas mulheres sofrem homofobia. Os outros começam a dizer que eles são gays por causa disso. E como eles não são gays, isso é confuso para eles entenderem. Por isso, acaba indo para o lugar do escondido, em que eles não querem contar para ninguém.”

“É difícil [para o homem cis] afirmar para a sociedade que ‘não, ela não é um homem. Ela é uma mulher’. Um cara hétero e cis não passou por esse processo de repensar gênero, sexualidade e de fortalecer isso. A gente vê os homens conversando pouquíssimo sobre sexualidade e gênero, e quando conversam é: ‘Use camisinha e evite gravidez’. É muito raso”, analisa a psicóloga. “Os homens precisam estar implicados nesse processo de transformação.”

E essa confusão é refletida claramente em alguns relatos, como o de Maia, que conta: “Eu já fiquei com um cara que, depois que a gente transou, falou: ‘eu nunca tinha saído com um travesti antes. Meu papo é com mulher, mesmo. Mas você é muito bonita, não consegui resistir’”.

Galba chegou a ouvir de alguns homens com quem saiu que eles não a beijariam na boca. “Tem cara que fala que é muita intimidade. Como que é muita intimidade? Ele quer sair para transar! O que é mais íntimo que isso? Tem gente que fala que não se sente bem, não se sente confortável, “mexe com a cabeça”. E eu sempre pergunto: ‘Se você fosse sair com uma mulher cis, você ia falar isso para ela?’. Até porque quando você conhece, você dá um beijo. Essa é a primeira das coisas.”

Ela acredita que todo esse receio se deve à discriminação que os homens sabem que sofreriam ao assumir publicamente sua atração por pessoas trans. “A falta de coragem de levar essa relação para fora do quarto é justamente por um medo do preconceito que ele sabe que vai sofrer. Porque provavelmente ele também reproduz isso na roda de amigos dele. Com certeza fala disso como piada, fala coisa de ‘traveco’. E acho que eles têm a plena consciência do que nós, trans, sofremos e do que a gente, como casal, sofreria. E eles não querem. Querem só o lado bom, que é ter essa relação sem ninguém saber.”

O medo de assumir um namoro com uma mulher trans faz com que muitos relacionamentos deixem de evoluir. “Já ouvi coisas do tipo ‘Nossa, como você é linda. Se você fosse mulher, seria minha namorada’”, relata Alice.

“Isso é horrível, frustrante, triste. Eu fico arrasada quando falo disso porque você tem que podar sentimentos, né? E é complicado perceber que o outro está na sua, que existe uma vontade de estar perto, de gostar, e com o tempo você vai percebendo que essa pessoa vive em prisões”, desabafa Maia. “Quando os dois não estão com a mesma coragem, é complicado. Ninguém está a fim de perder seus privilégios para assumir seu amor por uma menina trans, por uma travesti. E eu não vou parar a minha vida para desconstruir um homem. Eu não mereço isso. Então eu sigo.”

Hipersexualização e violência

Enquanto isso, elas relatam que o assédio aos seus corpos é constante e que precisam lidar com isso todos os dias, das maneiras mais invasivas possíveis. Maia diz que já teve até a saia levantada enquanto trabalhava em um órgão público. “É nojento. Isso acontece na ida à padaria, nos aplicativos... Acontece com muita frequência um cara chegar do nada falando baixaria. Ou ficarem olhando demais, chegarem muito perto, encoxar...”

Galba relata apenas um dos casos mais recentes, que aconteceu há menos de um mês: “Eu estava saindo do meu prédio, às 10h da manhã, e estava com fone de ouvido. Um cara falou alguma coisa, mas eu não ouvi direito. Só que eu tirei o fone e ele não falou nada. Aí eu coloquei de novo e o cara começou a me seguir, na rua da minha casa. Eu parei no sinal para atravessar e ele parou do meu lado e ficou falando. Eu tirei o fone de novo e perguntei se ele estava falando comigo – na inocência, achei que talvez ele me conhecia, sei lá”.

Ela continua: “Ele respondeu que sim e eu disse: ‘Pois não?’. Aí ele: ‘Você quer ir ali me mamar?’. Na faixa de pedestre! Eu fiquei tipo: ‘oi?!’. Aí ele: ‘Quer ou não quer?’. E foi embora. Ele era um jovem. Quando a gente fala isso, vem a imagem de que é um velho. Não! Era um menino jovem, bonito, até. Mas eu fiquei tipo: ‘Da onde a pessoa acha que tem o direito de, do nada, soltar essa?’”.

Alana, que trabalhou em um órgão do poder judiciário, também diz já ter sofrido esse tipo de agressão sexual “várias vezes, de todo tipo que você imaginar. Desde o funcionário público ao cara que trabalha na jardinagem, motorista particular, chefe do setor”.

Além disso, ela detalha uma vez em que foi pressionada a se envolver sexualmente e se negou. “Eu não o conhecia e eu nunca vou para a casa de alguém que eu não conheço. A gente começou a discutir feio e ele falou: ‘seu veadinho, não vou ficar com você mesmo’. Eles sabem que é uma coisa que ofende a nós, mulheres trans, ser chamadas de homens ou tratadas no masculino.”

“Os homens acham um absurdo mulheres trans falarem ‘não’. O maior sinal da falta de liberdade é você não poder dizer ‘não’. E isso é muito comum”, avalia Julia. Como resultado de todo o assédio e objetificação, a psicóloga diz que a mulher trans muitas vezes acaba com uma “autoestima massacrada”, porque não se vê nos lugares de prestígio social nem reconhecida. Às vezes, por isso, acabam desistindo da procura por afetos e evitando relacionamentos.

O Brasil é o país que mais assassina transexuais no mundo, segundo o Trans Murder Monitoring. De acordo com a Antra, a expectativa de vida de uma pessoa trans por aqui é de 35 anos. Ao mesmo tempo, a plataforma PornHub afirma que nós somos os campeões quando se trata de consumo de pornografia com transexuais. 

Galba chama atenção para esses dados e ao fato de que muitas travestis são vítimas de violência de seus próprios parceiros. “Como é que o país em que tantas [mulheres trans] vivem de prostituição, tanto se consome esse pornô e tanto mata? A conta não fecha.”

Ela acredita que muitos dos assassinos são pessoas que se envolvem com as mulheres. “Eu não gosto de ser reducionista e dizer ‘todo homofóbico ou transfóbico é uma pessoa má resolvida com a sua sexualidade’, mas eu acho que isso também pode caminhar junto. E a gente tem casos de caras que transam e matam depois com brutalidades extremas. É uma repulsa mesmo. Não sei se quando matam acham que estão matando esse desejo que tanto incomoda, porque são caras homofóbicos e machistas, e deve ser louco se verem ficando com uma pessoa trans. Eu acho que eles não conseguem lidar.”

A psicóloga Julia acredita que pode existir uma relação nas questões citadas por Galba. “Não por um curso natural da coisa, mas por causa da sociedade, que faz com que compulsoriamente esse desejo tenha que ser escondido. E aí esses homens começam a sentir ódio do que significa estar com uma mulher trans. E esse ódio, em algum momento, pode ser transferido para as parceiras.”

Travequeiros

Existe, ainda, quem se aproveite da carência dessas mulheres. São os chamados “travequeiros”, citados em todas as entrevistas. Homens que, por ficarem com várias mulheres trans, sabem como se aproveitar da vulnerabilidade afetiva delas. Eles usam as palavras mais adequadas, oferecem atenção e convidam para programas que não estão no dia a dia dos relacionamentos das mulheres trans. Mas agem sem responsabilidade emocional.

Para Maia, a abordagem é “meio assustadora” porque os “travequeiros” adotam sempre o mesmo comportamento, parecem ser príncipes encantados. “Eles sabem de toda a condição social de uma mulher trans e travesti no Brasil – essa solidão é real, nós somos rejeitadas e preteridas –, e eles sacam de tudo isso e fazem a pinta do bofe perfeito, que vai nos respeitar. Deixam tudo muito sublime. Iludem, te usam, te abusam e, em algum momento, vão te descartar de uma maneira muito irresponsável, porque eles vão sumir. E muitas vezes vão fingir que tudo o que aconteceu foi uma coisa que a gente viveu na nossa cabeça.”

“Eles não estão nem aí. A gente fica louca, perguntando se eles deram mesmo indício de reciprocidade ou se sou eu que sou muito carente...”, continua Maia. “Eu não acredito que uma menina trans ou travesti não tenha passado pelas mãos de um ‘travequeiro’ ainda. E isso cansa. Porque a gente enxerga que nós somos um grande fetiche e isso nunca muda. A gente se profissionaliza, ocupa os espaços, está no cinema, na TV, em tudo. Mas existe uma resistência bem grande.”

Galba narra uma situação desse tipo. Ela teve uma noite maravilhosa com um pretendente que havia conhecido dois dias antes de uma viagem longa que ela tinha marcado. “Ele pediu para me ver novamente antes que eu viajasse. Era do tipo que faz yoga, esquerdista, vegano, todo esse combo do ‘desconstruído’. E me contou que tinha uma irmã que estava se descobrindo trans, veio com altos discursos, disse que a estava ajudando com a transição. No outro dia, que a gente tinha marcado de se ver antes da minha viagem, eu mandei mensagem e ele me bloqueou na hora. Eu depois achei o Instagram dele e ele seguia umas três amigas minhas trans e tinha usado a mesma conversa. Dei uma ‘stalkeada’ e não tinha nada de irmã, mas não sei.”

Para Julia, esses homens acabam se colocando nesse lugar em que precisam que as mulheres trans se apaixonem por eles. “Não conseguem assumir que eles querem só transar com você e nunca mais te ver. A gente vê uma masculinidade muito frágil desses homens. Eles esperam uma submissão intensa dessas travestis e quando eles não conseguem é na base da violência – o grito, o soco na parede.  Eles acabam se aproveitando dessa vulnerabilidade emocional das mulheres”, diz Julia.

Busca pelo reconhecimento

Todas as entrevistadas disseram que, hoje, não se relacionam mais com quem não as trata com dignidade. “Estou bem mais forte”, garante Maia. “Não me vejo chegando em um outro relacionamento e esperando muito tempo para ter respostas. Ele tem que saber que é angustiante esperar.”

Galba também aderiu ao processo e, além da mudança na sua vida, pretende transformar sua experiência em uma obra cinematográfica para promover a conscientização sobre esse assunto. “Meu próximo filme fala disso. A protagonista é uma artista bem realizada e famosa. Porque é isso, nós temos ganhado espaço na mídia."

"Todo mundo vê a gente como linda, divas, maravilhosas, famosas. Todo mundo quer convidar a gente para falar, fazer trabalho, dar palestra, mas a gente está em casa sozinha.”, diz Galba

Alana adotou uma postura mais assertiva comparada ao início de sua transição. “O fato de a gente ser uma mulher trans é um mero detalhe da nossa identidade de gênero. Para além disso, somos filhas, irmãs, podemos ser mães. Somos seres humanos. As pessoas precisam ter responsabilidade emocional. Todo mundo merece ser amada. E isso é o que a gente quer.”

“Quando a gente acaba convivendo com o mínimo, a gente acha que é muita coisa. Porque nem o mínimo a gente tem”, continua. “Mas não é desse jeito que os homens tratam as mulheres cis. Com as mulheres cis, eles convidam para ir em um bar, em um restaurante, tomar um café. Por que comigo tem que ser diferente?”