TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Hidrogênio verde no Brasil: o que é e como funciona o "combustível do futuro"?

Alternativa versátil e sustentável transforma energia solar e eólica em combustível que não emite carbono

Centro de Tecnologias de Hidrogênio, no laboratório de hidrogênio verde do Itaipu Parquetec.Créditos: Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

O combate às mudanças climáticas acontece em diversas frentes – desde os acordos internacionais de redução das emissões de carbono, até as inovações tecnológicas que  possibilitam um futuro mais sustentável.

A descarbonização do planeta é um dos objetivos que os países de todo o mundo estabeleceram para 2050 e a produção de hidrogênio verde representa uma alternativa para os combustíveis fósseis, uma das soluções para a questão da transição energética.

O que é hidrogênio verde?

Resumidamente, o hidrogênio verde (ou H2V) é um gás produzido a partir da eletrólise da água com a eletricidade de fontes renováveis – como a solar, eólica ou hídrica. Ou seja, a eletricidade “limpa”, gerada a partir de fontes naturais, ao entrar em contato com a água (H2O) separa as moléculas em hidrogênio (H2) e (O) sem gerar gases de efeito estufa. 

Existem diferentes “cores” de hidrogênio, atreladas à origem do insumo, ao processo produtivo e a tecnologia utilizada para mitigar eventuais fontes de gás carbônico.  

  • O hidrogênio branco é um hidrogênio geológico natural;
  • O hidrogênio azul é produzido a partir do gás natural, com captura de carbono (CCS);
  • O hidrogênio laranja é produzido a partir de bioenergia – biomassa, biocombustível, biogás ou biometano;
  • O hidrogênio cinza é produzido a partir de gás natural ou metano;
  • O hidrogênio rosa é produzido a partir de fonte nuclear de eletricidade.

Ainda que seja possível obter hidrogênio a partir da queima de carvão (hidrogênio preto), o intuito desses “hidrogênios coloridos” é justamente reduzir as emissões de carbono na atmosfera. Segundo o Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), estima-se que, no mundo, a produção de hidrogênio a partir da queima de carvão tenha gerado emissões equivalentes a 900 milhões de toneladas de CO2 em 2020.

Diferentemente de outros combustíveis, quando o hidrogênio verde é utilizado para gerar energia – em indústrias ou nos transportes – ele volta a ser água. Em termos simples, ao queimar o H2V a reação química reorganiza as moléculas do hidrogênio verde e do oxigênio da atmosfera (O2) formando H2O, água. 

Pedro Lins, engenheiro de materiais formado pela Escola Politécnica da USP, afirma que “a mesma coisa que se faz com a gasolina, é possível fazer com o hidrogênio verde. A diferença é que a gasolina é um composto com um monte de carbonos e hidrogênios, então quando você queima a gasolina, forma CO2 e água, eventualmente um pouco de CO. Quando você queima hidrogênio não têm emissão de CO2”. 

Além disso, o hidrogênio verde pode ser utilizado como célula de combustível. A partir de um processo eletroquímico um combustível pode ser transformado em eletricidade, calor e água. Ou seja, o hidrogênio também pode ser utilizado para armazenar energia e, ao contrário das baterias, as células de combustível não precisam de recarga.

Brasil e transição energética

Em 2024, 88,2% da eletricidade gerada no Brasil veio de fontes renováveis, segundo o Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional. Levando em conta sua matriz energética diversificada e suas possibilidades de expansão para inovação nas energias limpas, o Brasil tem muito potencial para geração e utilização de fontes renováveis de energia. 24% de toda a eletricidade produzida no país é resultado da energia eólica e solar, perfeitas para a eletrólise do hidrogênio verde, ou seja, usar eletricidade limpa para separar a água em hidrogênio e oxigênio.

Com a emergência climática, a necessidade de mudanças efetivas na matriz energética se faz cada vez mais presente. O hidrogênio verde tem aplicações nos setores de transporte, indústrias e de produção de energia da economia brasileira, que podem representar uma solução muito eficaz para a diminuição das emissões de carbono. Além disso, a ampla extensão territorial brasileira permite a implantação de usinas de grande porte, que ajudam a maximizar a produção de H2V. 

O hidrogênio verde como célula de combustível também pode ajudar no armazenamento da energia produzida pelas usinas eólicas e solares. Afinal, a rede de transmissão e os sistemas de armazenamento brasileiros ainda não conseguem absorver o excedente de energia limpa produzida. Um estudo da consultoria Volt Robotics revelou que, em 2024, mais de 1,4 mil usinas solares e eólicas tiveram sua geração de energia interrompida por determinação do operador nacional do sistema elétrico (ONS). Esse fenômeno é conhecido como curtailment, ocorre quando usinas precisam ser desligadas mesmo em plena capacidade.

Segundo a ONG World Wide Fund For Nature (WWF), o Brasil tem grande potencial para produzir hidrogênio verde na escala necessária para atender as demandas de mitigação da crise climática, mas são necessários investimentos para aumentar a escala de produção. 

Recentemente, o governo brasileiro lançou as Diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), com foco na consolidação de hubs desse recurso renovável até 2035. O PNH2 é formado por um Comitê Gestor e cinco Câmaras Temáticas para discussão de questões específicas:

I - Fortalecimento das Bases Científico-Tecnológicas – sob a coordenação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações;

II - Capacitação de Recursos Humanos – sob a coordenação do Ministério da Educação;

III - Planejamento Energético – sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia;

IV - Arcabouço Legal e Regulatório-Normativo – sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia;

V – Neoindustrialização, Mercado e Competitividade – sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Contudo, assim como toda tecnologia, o hidrogênio verde também conta com algumas vantagens e desvantagens que devem ser levadas em conta.

Vantagens do Hidrogênio Verde

  • Sustentabilidade: o hidrogênio verde não emite gases poluentes nem durante o processo de produção nem durante a combustão.
  • Versatilidade: o H2V pode ser transformado em eletricidade ou combustíveis sintéticos e ser utilizado com finalidades comerciais, industriais ou de mobilidade, inclusive substituindo combustíveis fósseis. 
  • Armazenamento de energia: este recurso ajuda a equilibrar a natureza errática das fontes de energia renováveis, como solar e eólica, permitindo armazenar energia renovável de forma eficaz para uso posterior.
  • Diminuição da poluição local: por não liberar poluentes nocivos quando utilizado, melhora a qualidade do ar, principalmente nas cidades.
  • Segurança: embora o hidrogênio seja extremamente combustível, os perigos podem ser reduzidos com tecnologia moderna e as precauções de segurança adequadas.

Desvantagens do Hidrogênio Verde

  • Alto custo de produção: a energia procedente de fontes renováveis (fundamentais para a eletrólise) costuma ser mais cara e assim, obter o hidrogênio verde também custa mais.
  • Eficiência: podem ocorrer perdas consideráveis associadas à conversão de energia em hidrogênio e vice-versa, o que pode afetar a eficiência geral do processo.
  • Maior gasto de energia: a produção do hidrogênio em geral e do verde em particular requer mais energia que outros combustíveis.
  • Armazenamento e transporte: o armazenamento e transporte em grande escala de hidrogênio exige o desenvolvimento de tecnologias adequadas e infraestrutura especializada.
  • Vazamentos de hidrogênio: os riscos de explosão e incêndio decorrentes do vazamento de hidrogênio (elemento muito inflamável) exigem procedimentos de segurança rigorosos e observação contínua.
  • Impacto social e ambiental: deve-se ter cuidado para regular os efeitos sociais e ambientais da produção de hidrogênio verde, principalmente no que diz respeito ao uso da água e da terra.

Transição energética

O maior apelo do hidrogênio verde atualmente é como combustível. Pode ser utilizado para a produção de calor e de força motriz na indústria, substituindo combustíveis fósseis no transporte público e privado ou como “bateria química” armazenando energia. 

Além disso, quando o hidrogênio é combinado com ou substitui outros insumos fósseis, também produz a descarbonização dos produtos e isso afetará diretamente a redução das emissões de gases com efeito de estufa quando esses produtos vierem a ser utilizados na economia mundial.

Contudo, o engenheiro Pedro Lins alerta que atualmente o hidrogênio verde não seria capaz de substituir totalmente os combustíveis fósseis. Ele afirma que existem aplicações pontuais muito interessantes que diminuem a pegada de carbono de algumas indústrias, mas ainda existem problemas de armazenamento e de construção de uma rede de produção e distribuição que devem ser solucionados.

“Em termos de mitigação de mudança climática, sim, eu acho que vale a pena investir no hidrogênio verde. Mas precisa de todo um investimento, tanto do governo quanto da sociedade para chegar nessa utilização do hidrogênio verde. Ele tem um impacto importante para evitar as mudanças climáticas, mas tem que construir toda uma cadeia de fornecimento, cadeia de utilização e equipamentos específicos para o hidrogênio. Temos que estabelecer essa cadeia de forma um pouco mais viável”, afirma Pedro Lins.

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