Os créditos de carbono, criados para reduzir a poluição que aquece o planeta, não estão cumprindo seu papel. E o problema, segundo um novo estudo da Universidade de Oxford, não é pontual — é estrutural.
A pesquisa conclui que o fracasso desses mecanismos não se deve a alguns projetos ruins, mas a falhas profundas no sistema, que pequenas reformas não conseguem resolver. O artigo revisa 25 anos de dados e revela que os principais programas de compensação superestimam seus impactos em até dez vezes.
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Esses erros se repetem há mais de duas décadas e envolvem problemas como:
- Falta de adicionalidade — projetos que seriam realizados mesmo sem os créditos;
- Contagem dupla — quando vendedores e compradores registram a mesma redução;
- Vazamento — a poluição é apenas deslocada para outro lugar;
- Baixa permanência — árvores que são plantadas e depois derrubadas ou queimadas.
Na prática, isso significa que muito do carbono “compensado” nunca chega a sair da atmosfera — apenas muda de lugar no papel.
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O que está em jogo na COP30
O estudo da Universidade de Oxford chega em um momento estratégico. De 10 a 21 de novembro próximo, Belém (PA) sediará a COP30 — a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima —, que deve discutir a revisão das regras do mercado de carbono — um dos temas mais sensíveis do Acordo de Paris.
Assinado em 2015, o acordo é um pacto global que reúne quase todos os países do mundo em torno da meta de limitar o aquecimento global a menos de 2 °C, buscando ficar o mais próximo possível de 1,5 °C. Cada nação define suas próprias metas de redução, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que devem ser revistas periodicamente para se tornarem mais ambiciosas.
O ponto mais complexo do tratado está no Artigo 6, que estabelece as bases do mercado internacional de carbono — um sistema que permite a países e empresas comprar créditos de redução de emissões gerados em outros lugares. A ideia é estimular a cooperação e o investimento em projetos sustentáveis.
Na prática, porém, o mecanismo ainda enfrenta falhas estruturais, como falta de transparência, dupla contagem e ausência de critérios uniformes. As regras aprovadas na COP26, em 2021, foram um avanço, mas não corrigiram as brechas que permitem a circulação de créditos de baixo impacto climático.
Por isso, a COP30 será decisiva para criar critérios mais rigorosos de verificação e durabilidade. O desafio é transformar o mercado de carbono em uma ferramenta real de ação climática, e não em um artifício para encobrir a continuidade da poluição.
O alerta dos pesquisadores de Oxford é que sem padrões confiáveis e transparência, o sistema tende a repetir erros históricos. Para países como o Brasil, que pretende liderar as soluções baseadas na natureza, o recado é claro — não basta plantar árvores, é preciso garantir que elas continuem de pé e representem reduções permanentes de emissões.
Como funciona o mercado de carbono
De forma simples, o mercado de carbono é uma tentativa de colocar preço na poluição. Empresas que emitem gases de efeito estufa, como CO2, podem compensar parte dessas emissões financiando ações que removam ou evitem o lançamento de carbono em outro lugar.
Essas ações incluem, por exemplo:
- Reflorestamento (plantar árvores que capturam CO2);
- Proteção de florestas (evitar desmatamento);
- Uso de energia limpa (solar, eólica, biogás);
- Projetos de reciclagem e eficiência energética.
Cada tonelada de CO2 compensada gera um crédito de carbono, que pode ser vendido ou comprado. Assim, uma fábrica que polui 100 toneladas por ano pode afirmar que é “neutra em carbono” se comprar 100 créditos.
Mas o estudo da Universidade de Oxford mostra que essa neutralidade é, muitas vezes, ilusória. Muitos projetos vendem créditos por florestas que já existiam ou por ações que não duram. O resultado é um mercado que movimenta bilhões, mas reduz pouco a poluição real.
O risco moral e o futuro do sistema
Os pesquisadores alertam para um “risco moral”, com empresas que continuam poluindo, mas acreditam estar compensando suas emissões. O problema, segundo eles, não é pontual, mas sistêmico. Eles fazem as seguintes recomendações:
- Eliminar créditos que não removem CO2 de forma permanente;
- Apostar em tecnologias e práticas que realmente armazenem carbono, como captura direta, reflorestamento duradouro e manejo sustentável de resíduos;
- Substituir o modelo de “compensação” por um de “contribuição climática”, no qual empresas e governos financiem projetos sustentáveis sem alegar neutralizar suas próprias emissões.
Há, contudo, espaço para otimismo. Projetos como fogões mais limpos e captura de gás em aterros sanitários ainda apresentam resultados promissores. Como afirmou o pesquisador Stephen Lezak, coautor do estudo, ao jornal britânico The Guardian:
“Não queremos jogar fora o bebê junto com a água do banho. Existem áreas onde vale destacar os sucessos — ou o potencial para que eles aconteçam.”
A ilusão verde do capitalismo
No fim das contas, o mercado de carbono é mais uma ficção conveniente, uma grande lorota do "capitalismo verde". Em vez de reduzir emissões, permite que grandes empresas comprem o direito de continuar poluindo, enquanto exibem uma falsa imagem de responsabilidade ambiental.
Sob o rótulo de “neutralidade climática”, movimenta bilhões sem mudar a realidade: o carbono segue no ar, o lucro segue nas mãos certas. Como apontam os pesquisadores da Universidade de Oxford, não há compensação que substitua a redução real. Sem mudar o sistema, o planeta continuará pagando a conta.