Efeito Casa Branca: como os EUA ensinaram o mundo a negar a ciência

Trump não vai à COP30, o que pode ser um alívio; Washington boicota a agenda climática desde a ECO92; documentário da Netflix conta sobre a virada da política ambiental dos republicanos

Efeito Casa Branca: como os EUA ensinaram o mundo a negar a ciência.Trump não vai à COP30, o que pode ser um alívio; Washington boicota a agenda climática desde a ECO92; documentário da Netflix conta sobre a virada da política ambiental dos republicanosCréditos: Divulgação Netflix
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

Os Estados Unidos não enviarão representantes de alto escalão à COP30, que acontece em Belém do Pará, entre 10 e 21 de novembro. A recusa não surpreende. Desde o primeiro dia de seu novo mandato, Donald Trump anunciou a saída definitiva do Acordo de Paris e iniciou a revisão da adesão do país a outros pactos ambientais multilaterais.

Para Trump, “os moinhos de vento são patéticos” e a pegada de carbono é “uma farsa”. Ele fez essas declarações em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em setembro.

A notícia trouxe alívio a diplomatas e negociadores internacionais. O temor de que Washington pudesse usar a COP30, em Belém, para sabotar as negociações multilaterais não é infundado — os Estados Unidos já fizeram isso antes.

Há 33 anos, durante a ECO-92, o Brasil assistiu à virada histórica dos EUA, que passaram de líderes do discurso ambiental a sabotar suas próprias promessas climáticas.

O documentário O Efeito Casa Branca, recém-lançado pela Netflix, revisita a primeira presidência de George H. W. Bush — um mandato que começou com discursos de altos ideais ambientalistas e terminou com o início calculado de um negacionismo científico que ainda hoje atrapalha o progresso global, apesar das evidências crescentes da crise climática.

Dirigido por Bonni Cohen, Pedro Kos e Jon Shenk, o filme é inteiramente construído a partir de imagens de arquivo, e revela os bastidores políticos que moldaram a atual resistência da Casa Branca às políticas ambientais internacionais.

Mudança de sentimento

Poucos se lembram de que o “aquecimento global” — ou qualquer termo equivalente — já foi um tema central de debate público nos Estados Unidos no final dos anos 1980 e, de lá, ecoou para o mundo. Há três décadas, a discussão climática mobilizava a opinião pública e ainda não era politicamente divisiva. Houve um tempo em que ações decisivas poderiam ter sido tomadas — mas esse momento passou.

ECO-92

Em junho de 1992, o então presidente George H. W. Bush desembarcou no Rio de Janeiro para a ECO-92 com pompa de estadista global, prometendo que os EUA seriam “líderes ambientais do século 21”.

Bush assinou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) — que daria origem às futuras COPs — e se comprometeu, diante de dezenas de chefes de Estado, a reduzir emissões e investir em energia limpa.

O gesto, contudo, foi simbólico, mas vazio. Nenhuma das metas foi ratificada pelo Congresso, e a promessa de liderança ambiental evaporou poucos meses depois.

Intrigas de bastidores

Nos bastidores da Casa Branca, no início dos anos 1990, travava-se uma disputa feroz sobre o futuro da política ambiental dos Estados Unidos. De um lado estava William K. Reilly, ambientalista e ex-presidente da World Wildlife Fund, nomeado por Bush para chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA).

Reilly defendia que o país liderasse o combate ao aquecimento global, apoiando acordos internacionais e políticas de redução de emissões.

Do outro lado estava o chefe de gabinete John Sununu, ex-governador de New Hampshire e engenheiro de formação. Próximo ao setor petrolífero e à ala mais conservadora do Partido Republicano, Sununu via com desconfiança qualquer medida que pudesse afetar a economia.

Segundo documentos e memorandos exibidos em O Efeito Casa Branca, Sununu interferiu em relatórios científicos, barrou propostas da EPA e pressionou o presidente a abandonar os compromissos ambientais assumidos durante a campanha.

A disputa entre Reilly e Sununu dividiu o governo. Sob forte influência do chefe de gabinete, a Casa Branca passou a desacreditar cientistas, adulterar comunicados oficiais e enfraquecer o papel dos EUA nas negociações internacionais.

Esse conflito marcou uma virada histórica: foi o momento em que os Estados Unidos deixaram de ser um país disposto a liderar a agenda ambiental global para se tornarem um dos principais focos de resistência às políticas climáticas multilaterais.

O negacionismo científico que começou ali — sustentado pelos interesses econômicos do petróleo e do carvão — se consolidou nas décadas seguintes e hoje inspira diretamente a política energética e climática do governo Trump.

Mudança climática é real

Independentemente da posição individual sobre o tema, é impossível negar a transformação do ambiente global — com eventos meteorológicos mais extremos e picos de temperatura recordes cada vez mais frequentes.

Seja acreditando que o fenômeno faça parte de um ciclo natural da Terra, seja aceitando as evidências científicas sobre o papel humano, o fato é que a crise climática é uma realidade incontestável — vem se agravando há anos e continua a moldar o futuro da humanidade muito além do que conseguimos imaginar.

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