A obra do cantor e compositor Pinduca foi reconhecida recentemente como Patrimônio Cultural e Imaterial do Pará pela Assembleia Legislativa do estado. “Estou muito feliz e muito agradecido”, disse o artista em entrevista à Fórum na varanda de sua casa no bairro do Guamá, em Belém, de frente para o belo jardim, cuidado por sua mulher, dona Deuzarina.
Pinduca, que lançou o primeiro disco em 1973, é conhecido como o “rei do carimbó”, principal ritmo paraense, de origem afro-indígena. Aos 87 anos, ele continua realizando shows e adora o palco. “Eu sinto a mesma coisa de quando eu tinha 20 anos.”
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Com a realização da COP30, Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em novembro, em Belém, Pinduca está compondo quatro músicas especialmente para o evento, uma delas já está pronta. “Fala dos nossos costumes, das nossas coisas, de quem nós somos como amazônidas”.
O artista, que passou a infância brincando “no meio do mato”, como ele diz, no município paraense de Igarapé-Miri, se preocupa com a preservação da Amazônia. “Gostaria que as autoridades tomassem uma posição mais rígida a respeito daqueles que fazem queimadas”, opina.
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Leia abaixo a entrevista em que o artista fala sobre sua carreira, a infância no interior do Pará, meio ambiente e COP 30.
Fórum - O que o senhor achou do reconhecimento da sua obra como Patrimônio Cultural e Imaterial do Pará pela Assembleia Legislativa do estado?
Primeiramente, eu achei muito bom. Gostei muito, fiquei feliz e um pouco admirado porque eu que sou o titular da música no estado do Pará, principalmente na divulgação da cultura musical do carimbó, e já tinham prestado homenagem a outros antes de mim. Eu gravei 40 discos sempre divulgando a cultura daqui, e outras pessoas, que gravaram dois ou três discos, já haviam sido homenageadas. Daí eu fiquei pensando: será que é verdade isso, que estão me prestando essa homenagem? Mas tudo vem na hora certa. Então eu fiquei muito contente. Estou muito feliz e muito agradecido aos deputados, ao autor do projeto. Enfim, agora eu estou só curtindo o bom momento.
Fórum – O senhor tem o título de “rei do carimbó”. O que o senhor acha desse título?
Pinduca - Eu acho que é uma coisa justa, já que foi dado pela gravadora da qual eu era contratado. Eu e a Fafá de Belém fomos os dois contratados daqui do estado do Pará, em 1972, se eu não me engano.
Fórum – Qual era a gravadora?
Primeiro foi a Beverly, depois a Copacabana. A Beverly, depois de um ou dois anos, comprou a Copacabana. Morreu a Beverly e ficou Copacabana, em São Paulo. A Fafá foi de outra gravadora, na mesma época, éramos eu e ela. Eu tenho falado que nós fizemos uma abertura para o artista paraense, sendo nós os dois contratados de gravadora, porque aqui ninguém era contratado. Aí eu e ela fomos convidando outros artistas, dando oportunidade, pedindo pra deixar ali o fulano, o beltrano, e conseguimos fazer uma abertura para o artista paraense.
Fórum - Como o senhor começou sua carreira?
Eu venho de uma família de músicos. Meu pai era professor de música. Ensinava a rapaziada a tocar qualquer instrumento que quisesse.
Fórum – Isso em Igarapé-Miri [interior do Pará, onde Pinduca nasceu]...
Sim. Somos dez irmãos, todos músicos. As quatro irmãs foram quatro excelentes cantoras. Mas aqui mesmo. Só houve contrato de gravadora comigo e com a Fafá de Belém.
Fórum - Mas com que idade o senhor começou a cantar?
Com 13 anos, eu já era músico. Tocava bongô, pandeiro. Eu era pandeirista de uma orquestra em Igarapé-Miri. Depois eu aprendi a tocar bongô. Aí eu virei baterista. Tudo o que era percussão era comigo mesmo.
Fórum – E o canto?
Para cantar, é vocação mesmo. Quando eu comecei aos 13 anos, era no ritmo “jazi”. Aqui no Pará, o jazz a gente falava “jazi”. Então, no “jazi”, o baterista, o pandeirista e o banjista eram os cantores, para se apresentar em bailes. Quando eu vim embora para a capital, com 17 anos, aí já fui me entrosar com os músicos da capital. É outro patamar, né? Daí me tornei baterista. Por sinal, considerado um dos melhores da nossa época, Tínhamos aqui três bons bateristas famosos. Eram o Papão, o Tota e o Pinduca. Então virei baterista.
Fórum – De uma banda?
Quando cheguei aqui, eu toquei em vários grupos de jazz até chegar à Orquestra Internacional, do Orlando Pereira, que era a mais famosa na época aqui no Pará.
Fórum – Qual era o repertório?
Bolero, samba-canção, fox, blues, swing, mambo, rumba e cúmbia...
Fórum – E como foi o início da carreira solo?
Quando veio a modernização das orquestras para conjuntos eletrônicos, o Orlando Pereira desfez a Orquestra Internacional. Ele se reuniu com músicos que trabalhavam com ele e disse que não tinha mais jeito, que ninguém queria mais música acústica. Quando nós saímos da casa dele, eu, na rua mesmo, convidei os músicos e formei a minha orquestra, acústica mesmo. Fui trabalhando e fui crescendo até hoje.
Fórum – E a carreira solo?
Eu continuei com a orquestra. Pegava um contrato aqui, outro ali. Eu mesmo procurava, eu mesmo oferecia. Depois modernizei, arrumei um rapaz que tinha um violão elétrico. Depois um outro que fez, na casa dele, um rabecão de um cepo de madeira [risos], um contrabaixo eletrônico. Isso tudo eu ia introduzindo na minha orquestra.
Fórum – Qual era o nome da orquestra?
Primeiro, colocamos o nome de La Pachanga, porque havia uma música antiga com esse nome, que estava na moda. Até que, um dia, eu já era Pinduca.
Fórum – De onde vem o nome Pinduca?
De uma dança de quadrilha junina. Eu coloquei “Pinduca” no meu chapéu, e todo mundo passou a me chamar assim. Hoje eu já incluí Pinduca no meu nome oficial: Aurino Pinduca Quirino Gonçalves. Quando o juiz viu o meu pedido para a mudança de nome, ele perguntou: mas esse Pinduca não é o que anda cantando e tocando por aí? [risos]
Fórum – E como foi para chegar ao primeiro disco?
Havia uma vendedora e compradora de uma loja de discos em Belém. Quando chegavam os representantes de gravadoras de São Paulo, ela escutava os discos. E escolhia: desse, eu quero 10, desse outro, 15. O nome dela era Maria Isabel Pureza. E ela pedia para os representantes: “Arruma uma vaga aí para o Pinduca gravar um disco. Ele canta bem, ele é animado”. Os caras não davam confiança. Até que, um dia, veio um representante de São Paulo, da Beverly, que era baiano. Ele aceitou que eu gravasse o primeiro disco, em 1973. A proposta era que, se eu vendesse 2 mil discos, podia gravar mais. No final, foram 15 mil.
Fórum – Quais eram as músicas conhecidas do primeiro disco?
Não tinha. O estouro veio no segundo disco, com “Sinhá Pureza”. Era tudo carimbó. 90% das composições eram minhas. No início da minha carreira era só carimbó. Mais adiante que eu metia uma coisinha aqui, outra ali. Uma vez eu gravei um brega. Depois, gravei mambo, bolero-mambo.
Fórum – Foi a funcionária da loja de discos, a Maria Isabel Pureza, que inspirou a música “Sinhá Pureza”?
Foi, sim. Ela era conhecida só por Pureza, então fiz “Sinhá Pureza”. Porque eu trabalhei com música folclórica, então se usam os termos “sinhá”, “nhá”, “tia”, “dona”. Outra música que fala “a bênção, tia Luzia, a bênção, tia José” é uma referência aos meus pais
Fórum – Já li que o seu carimbó tem influência de ritmos caribenhos...
Não, não tem. O que acontece é que a gente ouvia aqui no Pará muita música caribenha, mas o carimbó existe desde a fundação de Belém. O meu é o carimbó-raiz. O que eu tenho são algumas músicas latinas gravadas nos meus discos de carimbó. Por exemplo, “Mambo nº 8” e o “Mambo Universitario” são música de fora.
Fórum - De onde vem a inspiração para compor suas músicas?
Se você for à praça Batista Campos, aqui em Belém, sentado com um papelzinho ou um gravadorzinho, você se inspira. Atualmente, ninguém ainda falou nisso, mas eu vou fazer uma música e vou falar. Agora temos parceiros bem presentes, que são as garças, no meio da gente, perto da gente. Vou fazer uma música sobre a nossa amizade com as garças. Mas eu me inspiro em qualquer lugar, até a bordo de um avião, em casa, no banheiro. Eu andava sempre com um caderninho no bolso e caneta, porque, se eu via alguma expressão, eu anotava para depois desenvolver. O compositor paraense tem muito em que se inspirar.
Fórum - Outro grande sucesso seu aqui no Pará é a “Marchinha do Vestibular” ...
Essa é minha e do professor Aluap de Lacran , que era compositor também. Ele me chamou para mostrar umas músicas. Fizemos várias parcerias, mas essa marcou mais.
Fórum - Até hoje, quando as pessoas são aprovadas no vestibular aqui no Pará, elas tocam essa música. O que o senhor sente?
Eu fico satisfeito como eles. Sinceramente, tenho a alegria de vê-los felizes com aquela música que eu gravei, é uma satisfação. Eu fico feliz mesmo e, principalmente, quando eu vou fazer show para eles, como eu fiz este ano, meia dúzia de shows para várias faculdades. Eu vou com aquele entusiasmo, parece que sou eu que estou passando no vestibular.
Fórum – O senhor está com 87 anos e continua fazendo shows. Eu queria saber o que o senhor sente no palco.
Eu sinto no palco a mesma coisa de quando eu tinha 20 anos. A sensação de querer fazer bonito, querer agradar, querer cantar coisas de que o povo gosta. Hoje em dia, eu faço roteiro musical escolhendo as músicas que eu acho que vão agradar ao público. Às vezes, eu meto uma música de outra pessoa para dar uma variada. Mas eu tenho material suficiente para fazer shows só com músicas minhas.
Fórum – E o senhor ainda tem aquela energia?
Tenho, é a mesma coisa para mim. Termino o show, eu paro, tiro muitas fotos com as pessoas e, depois, vou descansar. Eu repouso muito. Eu não saio de casa se eu não tiver o que fazer. Senão eu fico em casa, descansando, compondo, montando roteiros musicais, eu gosto disso.
Fórum – E o seu famoso chapéu cheio de penduricalhos, que virou marca registrada? De onde veio essa ideia?
Foi em Cametá [interior do Pará]. O primeiro chapéu que eu usei foi adquirido de um caboclo de lá, que me deu de presente. Até hoje vem tudo de lá para mim. Pendurar os ornamentos na aba foi criação minha. É artesanato nosso, lá do Ver-o-Peso: cuia, chocalho, peneira, miriti.
Fórum – Em novembro deste ano, Belém vai receber a COP 30. O que o senhor achou da escolha da capital paraense como sede do evento?
Eu espero que, mesmo que a COP não seja como a gente sonha, que, pelo menos, Belém saia ganhando. A cidade estava precisando de investimento e está acontecendo. Podemos pressentir que Belém vai sair lucrando. Está um canteiro de obras, e o governador está mostrando a que veio.
Fórum – E qual é relação do senhor com o meio ambiente? O senhor se preocupa com a preservação da Amazônia?
Eu me preocupo porque eu sou caboclo do mato, eu sou de Igarapé-Miri. Desde os 10 anos, eu já ia para o meio do mato buscar açaí, partir lenha para fazer fogo em casa. Então, eu nasci e me criei nisso. Qualquer mudança que venha prejudicar a Amazônia, eu não concordo.
Fórum – O que o senhor acha que deveria ser feito para preservar a Amazônia?
Primeiramente, eu gostaria que as autoridades tomassem uma posição mais rígida a respeito daqueles que fazem queimadas. Esse negócio de queimar para fazer não-sei- o-quê está errado. Isso está prejudicando muito, não só o meio ambiente, como a própria saúde das pessoas. Por mim, eu jogava mais pesado para dar uma freada nisso. E o pior é que nós estamos vendo que isso está acontecendo no mundo todo. E, como nós temos a invejada Amazônia, os olhos se viram todos para cá. Não pode queimar a Amazônia, que é o nosso pulmão. Por isso, estou fazendo uma música falando que a Amazônia é o pulmão do mundo.
Fórum – É um projeto novo?
Sim, eu vou fazer, no máximo, quatro músicas para a COP. Já compus uma, que fala dos nossos costumes, das nossas coisas, de quem nós somos como amazônidas. No máximo, até setembro, já quero colocá-las na plataforma. No total, serão entre 10 e 15 músicas novas. Ontem eu estava pensando em fazer uma música falando da pororoca.
Fórum – As músicas da COP vão ser em ritmo de carimbó?
Eu tenho uma canção, e as outras vão ser carimbó, mesmo. Porque todo mundo vai me ver e espera que eu cante carimbó. Ninguém vai esperar um bolero, um brega, um tecnobrega. Porque, para dar show de palco, é a Joelma, com aquela coreografia dela que não tem igual. Agora, no carimbó, tem que respeitar o Pinduca.
Fórum – O sucesso nacional veio quando?
A partir do quarto disco, quando eu comecei a viajar. A gravadora achou melhor que eu começasse a fazer esse trabalho de divulgação. Então, a gravadora bancava passagem, hospedagem e alimentação só para me divulgar. Então eu viajei por várias cidades, conheci o Brasil de graça. Eu passava o mês inteiro viajando.
Fórum - Como era a recepção das pessoas?
Curiosidade. Havia uma curiosidade das pessoas. Além de me ver, queriam ouvir o carimbó. Eu era a novidade. Eu lembro quando os Secos e Molhados lançaram “O Vira”, eu tinha um disco lançado na mesma época, só dava nós dois: Secos e Molhados e Pinduca. Não copiei de ninguém. Tudo é inventado por mim, composição minha. O ritmo é marapaniense. O carimbó é original de Marapanim [costa atlântica paraense]. Lá é a terra do carimbó, e Irituia. São os lugares da conservação do carimbó de raiz. Lá, até hoje, tem gente que não aceita o carimbó moderno. Quando eu coloquei guitarra e contrabaixo, eu modernizei o ritmo.
Fórum – E shows fora do Brasil?
Fiz na Alemanha, na África, na França, Espanha, Portugal.
Fórum - Como foi essa experiência na Europa?
Muito boa. Como há uma curiosidade, eles querem ver também o que é. Quando eu cheguei à Alemanha, que é o topo da música, meu show estava lotado de músicos na plateia.
Fórum – E a indicação ao Grammy Latino, em 2017, como o senhor recebeu?
Foi uma experiência muito bonita. Fui à cerimônia em Las Vegas. Andei no tapete vermelho. Fiquei emocionado. Carimbó em Las Vegas. Peraí, vamos tirar o chapéu.